História de Vida


A história que vou contar é a de uma emigrante que como todos os que emigram têm sempre aspetos interessantes e aventureiros no decorrer das suas vidas.
Nasceu no ano de 1953 numa aldeia chamada Pardilhó, pertencente ao Concelho de Estarreja, Distrito de Aveiro. Os seus pais, Álvaro e Nilda, assim se chamam, casaram muito jovens, a sua mãe tinha apenas 15 anos e o seu pai 19. Quando esta menina nasceu, a sua mãe tinha 19 anos e o seu pai 23. Tinham passado 4 anos da data do seu casamento. Quatro anos de luta e as dificuldades económicas continuavam a ser muitas. As dívidas aumentavam e estes pais ,que viviam com a avó materna de nome Cecília, viram a hipótese de emigrar para tentar assim, melhorar a sua condição de vida e poder oferecer à sua filha a vida que eles nunca tiveram em crianças e adolescentes. Destino? Venezuela. No entanto deviam tomar uma decisão difícil, teriam que emigrar sozinhos, sem a bebé, pois não havia condições para viajar com uma criança. E foi assim que tudo começou.
Partiram para a Venezuela no dia 1 de Setembro de 1954 com muitas esperanças e ilusões, mas com o coração destroçado ao deixarem para trás a bebé com a Avó materna. Passaram quatro anos daquela despedida devastadora pois a vida nessa altura era muito difícil para quem emigrava. A D. Nilda, lavava e passava a ferro para 13 homens que trabalhavam na construção. O seu ordenado? Davam-lhe a comida e a dormida. O Sr. Álvaro trabalhava primeiro na construção e depois conseguiu trabalho na sua arte, serralharia. Caminhava muitas vezes caminhava quilómetros para não gastar no autocarro. Foi assim que passado quatro anos a D. Nilda voltou a Portugal para pagar todas as dívidas que tinham deixado e abraçar aquela que deixou bebé e agora já tinha cinco aninhos. Lamentavelmente só havia dinheiro para pagar a passagem de um, assim que o pai, que nesse então tinha 28 anos, ficou a trabalhar. Sozinho , com 28 anos, numa cidade capitalista e cosmopolita como Caracas, e na flor da idade e da virilidade, o Sr. Álvaro perdeu o norte. Entretanto houve um golpe de estado e as coisas ainda se complicaram mais. Pouca correspondência, sem noticias, já lá iam oito meses desde que a D. Nilda chegara a Portugal. Foi então que a Avó Cila disse à filha que fosse e levasse a menina, que o pai ao ver a filha ia sentar cabeça. No entanto a Avó Cila teve a promessa que ao fim de um ano a menina voltaria para Portugal para começar a escola. Outra dor, agora a Avó Cila despedia não só a filha como também a netinha que tinha criado. Todas as crianças se adaptam rápido a novos ambientes se estão, naturalmente, rodeadas de amor. Tal foi este o caso, ainda que ao principio foi difícil para esta menina conviver numa casa com um homem, que apesar de ser o seu pai, era um desconhecido.. No entanto foi um ano muito feliz, pois desfrutava do amor dos seus pais, que permaneceram juntos 68 anos, do seu avô paterno e do seu tio e padrinho .

Todos viviam para fazê-la feliz, mas tal como tinha sido prometido, estava na altura da criança voltar para começar a escola. Outro duro golpe para estes pais, mas se para eles foi difícil, para esta menina não foi menos. Foi uma total confusão deixar esta nova família e a Venezuela sem perceber porquê, pois apenas tinha seis anos. Assim que entre confusa e contente, volta a menina para os braços da avó Cila sem imaginar a dor daqueles pais ao separarem-se dela novamente. O ser humano é um animal de costumes e assim em pouco tempo, esta menina deixou de perguntar-se porque é que estava de volta. Começou a escola primária e aceitou a mudança com naturalidade. Mas lamentavelmente outros problemas ainda mais graves viriam. A saúde desta criança começou a deteriorar rapidamente. Foi-lhe diagnosticado uma anomalia cardíaca severa desde o nascimento e somente agora era descoberta. Graças à ajuda da sua professora de primária, D. Celina, não perdeu nenhum ano. Depois de muitos exames o pronóstico foi devastador, a sua vida seria uma cadeira e uma cama. Esteve mesmo às portas da morte e os seus pais longe choravam lágrimas de sangue por saberem a gravidade e não poderem estar presentes. Passaram-se seis anos , uns melhores e outros piores, mas estava tudo bem até que os pais reclamaram a presença da menina junto deles porque as condições económicas melhoraram e queriam agora estar com ela e desfrutar da sua companhia. Esta decisão trouxe graves problemas, a avó não queria abdicar da neta e a neta não queria abdicar da avó, mas os progenitores tiveram a última palavra. Assim veio novamente para a Venezuela. Foram anos muito difíceis, anos de adaptação, anos de aprender a querer uns pais que lhe pediam a gritos somente que se deixasse querer, anos em que de ser a menina linda da escola, passou a ser uma mais num colégio gigante duma cidade capital donde foi vítima de bullying durante os primeiros anos e devido a isto tomou a decisão de rejeitar tudo o que tivesse a ver com Portugal. Assim passou a ter duas vidas diferentes : dentro de casa era portuguesa mas fora de casa ninguém iria dizer que essa era a sua nacionalidade, até a língua iria procurar esquecer. Ninguém mais se ia rir dela, do seu acento ao pronunciar as palavras em castelhano, nem professores nem as meninas do colégio. Assim foi como esta menina adotou o país de acolhimento como seu até aos dias de hoje. Com o tempo a Avó compreendeu que os pais tinham todo o direito de estar com a sua filha, pois não tinham abdicado dela por querer, mas sim porque a vida assim lhes exigiu. A doença? Tal como tinha dito o querido Dr. Duarte, médico da família, quando a menina se fez mulher melhorou em 100% a sua saúde. Aquela menina a quem todos disseram que a sua vida seria uma cadeira e uma cama, que nunca seria esposa nem mãe, é uma profissional do ensino superior e com uma linda família, filho, nora e duas netas. Estão a perguntarem-se que como sei tanto desta menina? Pois é muito fácil. Essa menina sou Eu!

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