Prescrição Cultural
A Arte e a Cultura têm um impacto positivo na saúde e no bem-estar das comunidades. A ligação entre Arte e Saúde é aceite pela comunidade médica e reconhecida pela Organização Mundial de Saúde(OMS), definindo a Saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Iniciativas que juntam profissionais de saúde e agentes culturais com o objetivo de promover a saúde e o bem-estar através da arte e da cultura são recentes no nosso país, apesar de estarem presentes em vários países, já há mais de uma década.A importância de integrar atividades culturais nas prescrições médicas, é reconhecida como um claro benefício na saúde das comunidades e na melhoria da qualidade de vida.
Por prescrição cultural entendemos o processo de encaminhamento de utentes, por profissionais de saúde, para ofertas artísticas e culturais. Reforçar a implementação da prescrição cultural, construindo amplas parcerias e implementando projetos e boas práticas é de vital importância na articulação entre a arte e a saúde, promovendo uma reflexão conjunta e abrindo horizontes profícuos, nas comunidades culturais e científicas, englobando-as na estratégia da promoção da saúde. A prescrição cultural, como modalidade de terapia complementar, pode englobar diversos tipos de atividades, de participação ativa ou observacionais, abrangendo as artes no geral, com as suas múltiplas formas de expressão visual, como a pintura, o desenho, a escultura, a cerâmica, a gravura, a fotografia, o vídeo, a instalação, a arte digital ou o design gráfico,as artes cénicas como as artes performativas, o teatro, a música, a dança e o cinema até à poesia e à escrita criativa, entre outras.
Programas e projetos já implementados, muito deles há décadas, nomeadamente na Europa e na América do Norte, são um incentivo no desenvolvimento desta temática no nosso país. Atualmente a Prescrição cultural está ainda numa fase inicial de desenvolvimento. Registemos alguns eventos, projetos e iniciativas nesta área da articulação da Arte e Saúde.
É de assinalar a realização, em novembro de 2023, em Lisboa, a 1ª Conferência Internacional de Arte e Saúde, organizada pelo Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT) onde foram debatidos, numa abordagem transdisciplinar, os campos da Arte e da Saúde, no presente e numa perspetiva do futuro, na contribuição da melhoria da qualidade de vida. Foram abordados temas de Arte e Saúde, Arte e Neurociência, Arte na Formação Médica, Longevidade, Cuidados Paliativos, Terapia pela Arte,Criatividade e Saúde Mental, Papel e Experiência dos Museus no Processo de Bem-estar, Políticas Públicas e Estratégias Globais, passando pela conceção hospitalar centrada no Ser Humano, em que o design e a arquitetura promovem espaços clínicos inclusivos, sensorialmente envolventes e adaptáveis numa abordagem da visão do hospital do futuro.
É de distinguir a relevância e inovação de projetos artísticos de inclusão pela Arte na promoção da Saúde, como o Projeto Realces, integrado no Plano de atividades da Associação Internacional dos Lusodescendentes (AILD), projeto expositivo artístico, cultural e social de arte sensorial, que promove a divulgação, a acessibilidade e a oportunidade de explorar a arte através do toque, envolvendo as pessoas cegas ou com baixa visão. Estas exposições táteis têm sempre informação das obras em braille e em áudio. O projeto teve início em 2023 com a exposição Territórios Culturais, que decorreu no Centro Cultural Camões, em Luanda, Angola, e posteriormente,já em 2024, na Câmara Municipal de Guimarães. Neste ano de 2024, apresentou uma nova exposição tátil, Emoções, que está a decorrer até fins de novembro, na Câmara Municipal de Torres Vedras. O projeto tem várias parcerias, nomeadamente com a Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO), e tem como objetivo a divulgação das exposições por todo o território nacional, em colaboração com os municípios, instituições e galerias de Arte, promovendo o acesso à cultura e a integração no universo das Artes. O desafio de produzir Arte Sensorial, com a capacidade de despertar nos outros emoções, sentimentos e realidades, é a motivação profunda da criação artística na produção das obras.Valorizar o singular de cada um é o que nos torna únicos e criativos. A beleza do sentir é uma capacidade quase mágica de fazer transparecer para o exterior a nossa essência e a da Arte.
Em 2022/2023, iniciou-se o inovador projeto Prescrição Cultural, desenvolvido pela Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central (CIMAC) através do Programa Transforma, em parceria com a Unidade Local de Saúde do Alentejo Central e a Escola Nacional de Saúde Pública -Universidade Nova de Lisboa. Este projeto reconhecido pela Universidade do Porto,como Boa Prática, com uma abordagem pioneira na promoção da saúde e bem-estar, foi apresentado pela CIMAC no 1º Encontro Nacional de Prescrição Cultural, com organização da Universidade do Porto, que se realizou em julho de 2024, no Museu Soares dos Reis , onde foi lançado, pela Universidade do Porto,a nova Unidade Curricular de Competências Transversais e Transferíveis de Prescrição Cultural, aberta a todos os estudantes de licenciatura, mestrado e doutoramento,particularmente vocacionada para estudantes de medicina e de psicologia, mas aberta a mediadores culturais e artistas estando também incluída a formação de médicos e psicólogos em exercício neste projeto. Este encontro, numa reflexão conjunta de médicos, psicólogos, historiadores de arte e mediadores culturais reforçou a relevância da relação entre a arte, saúde e inclusão.
A Universidade do Porto vai assim coordenar um consórcio de prescrição cultural, implementando um programa na região Norte assente em três eixos: formação, ação e investigação. A colaboração neste projeto inclui desde a Faculdade de Medicina, a Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, a Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Instituições como o Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, o Museu Nacional Soares dos Reis até à articulação com Universidades do Brasil, Suécia, Espanha e França entre outras.
Unidades curriculares como Introdução à Poesia, Poesia e Fotografia em Medicina ou Medicina, Música e Mente, são desde já existentes, e são exemplos a assinalar nesta dinâmica de criação e construção de projetos e programas de articulação entre a Arte e a Saúde.
É necessário ainda registar múltiplos projetos piloto a decorrer em diferentes instituições de saúde, em particular no Serviço Nacional de Saúde (SNS), no âmbito da articulação da Arte e Saúde, bem como eventos, iniciativas e projetos de iniciativa de Museus como o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT) ou o Museu Calouste Gulbenkian ou os múltiplos apoios da Partis&Artfor Change, iniciativa conjunta da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação la Caixa. A abordagem da Saúde Mental é fundamental nesta complexa temática. EU no MusEU é um projeto de inclusão pela arte iniciativa do Museu Nacional de Machado de Castro em Coimbra, em Parceria com a Associação Alzheimer Portugal com a colaboração do jardim Botânico da Universidade de Coimbra (JBUC) e o Museu d Ciência da Universidade de Coimbra (MCUC), inspirado no Meet Me at MoMA, modelo de estimulação cognitiva aplicado pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), que se destina a pessoas com défice cognitivo, demência e aos seus cuidadores, que se expandiu com parcerias e colaborações de outras instituições. Registemos igualmente o Projeto Marcar o Lugar que decorre no Museu de Lisboa e no Museu de Arte e Tecnologia (MAAT) em parceria com a Associação Alzheimer e as variadas ofertas culturais para Pessoas com Demência da Fundação Calouste Gulbenkian. É neste contexto que em 2023 foi fundada a Rede MID – Museus para a Inclusão na Demência.
Uma referência obrigatória para um dos mais antigos projetos que articula Arte e Saúde Mental, no país, o Manicómio, implementado pela P28 – Associação de Desenvolvimento e Criativo e Artístico, em 2018. É um espaço de criação artística dedicado à capacitação e reinserção psicossocial e profissional de pessoas com experiência de doença mental, através da arte. É o primeiro espaço de criação e inovação de Arte Bruta em Portugal, juntando artistas-doentes a outros criativos. O desenvolvimento de múltiplas atividades, para além dos muitos e variados projetos expositivos com ateliers e workshops, como as Consultas sem Paredes, com a realização de consultas de psiquiatria, psicologia e psicoterapia em espaços inesperados como museus, bibliotecas, parques ou jardins, ou a produção em novas formas de disrupção em publicidade e branding, tendo criado a primeira agência criativa de design e comunicação no mundo com criativos com doença mental, até ao projeto Nós os Loucos (aqui vos esperamos) que visa a criação de novas práticas artísticas e abordagens em Saúde Mental com foco nos direitos humanos e na inovação em unidades psiquiátricas.
No passado dia 10 de outubro, celebrou-se o Dia Mundial da Saúde Mental. Este ano a Organização Mundial de Saúde (OMS) escolheu como lema It is time to Prioritize Mental Health in the Workplace.A livraria Lello, no Porto, escolheu este dia para o lançamento da Carta Aberta e da Petição Pública Leia, pela sua saúde, para a Prescrição Médica de Livros, reconhecendo esta prescrição cultural integrada na terapêutica e na promoção da Saúde, e defendendo que seja considerada como despesa de saúde dedutível em sede de IRS, assumindo que seja possível reunir o número de subscritores necessários para ser discutida na Assembleia da República. Esta iniciativa foi inicialmente lançada em 2021 e retomada este ano, acreditando que o Livro é um bem de primeira necessidade e de fundamental importância no apoio emocional e psicológico, e de promoção da saúde e do bem-estar.
Abrir horizontes no que diz respeito à articulação entre a Arte e a Saúde, é crucial no desenvolvimento e na expansão de programas de Prescrição Cultural, com evidentes benefícios do envolvimento artístico e cultural, na Saúde da população.