Tristão de Andrade

Tristão de Andrade é poeta, escritor, músico cantautor e orgulhosamente português. Publicou o seu primeiro livro – NÓS – há mais de 15 anos e desde então nunca mais parou. Tirou tudo da gaveta e revelou ao público o seu trabalho. Do silêncio do quarto escuro às multidões nas redes sociais, hoje publica diariamente pensamentos, poemas, opiniões e muitos outros conteúdos. Já escreveu vários livros, participou em múltiplos projetos culturais, fez rádio e foi mentor de jovens escritores. POETA POP é o seu último trabalho que nasceu como livro, fez-se álbum musical e foi apresentado com sucesso no Porto e em Lisboa, já em forma de espetáculo, e que agora segue para os palcos do mundo.

Em que momento percebeu que tinha na poesia e na música a sua forma de expressão?
Desde cedo senti que tinha uma necessidade incomum de me expressar, de explicar e traduzir a forma como via o mundo e as pessoas que me rodeavam. Descomplexado, usava maneiras alternativas de o fazer, escrevia pequenos poemas mas também textos poéticos que ia guardando como tesouros. Revelações codificadas. Era uma espécie de impulso que não controlava, observações que fazia em jeito de documentário. Sem motivos ou explicações encontrava nessa forma de comunicar um alívio espiritual ancorado no intelecto. A beleza dessa autodescoberta reside na subjetiva complexidade da explicação misturada com a simplicidade do acontecimento. Aí encontro paz, segurança, conforto e vontade para continuar o caminho.
De que forma acredita que a poesia e a música podem transformar a vida de uma pessoa?
Bastante. Decididamente transformou a minha, e contínua a metamorfoseá-la diariamente. A possibilidade de escrever ou ler um poema, ouvir ou compor uma música conduz-me para universos imaginários e ideais, sejam eles, lógicos ou não. Permite-me alargar fronteiras de pensamento, de sentimentos, e levar o espírito a deambular através do método científico: pergunta, pesquisa, hipótese, teste, análise, conclusão e partilha de resultado. Nessa grande viagem onde o preconceito não entra como bagagem, o destino é sempre o autoconhecimento com vista à transformação. Parece espinhoso, mas não é, é somente complexo a esclarecer, mas natural a acontecer.


O seu trabalho também é uma forma de resistência política ou social?
Sem dúvida. É igualmente um instrumento de combate pessoal contra os desafios que enfrentamos enquanto comunidade. Os princípios de humanidade e de liberdade que herdámos não estão de forma alguma assegurados, pelo contrário é urgente cimentar as raízes para garantirmos que o mundo caminha seguramente no sentido da paz, da igualdade e do amor. A falta de empatia que hoje se sente entre as pessoas precisa de uma resposta urgente. E, tudo isto, se trabalha e fomenta nas comunidades. Aqui os artistas têm uma palavra a dizer porque nem tudo são populismos ou promessas eleitorais. A sociedade civil precisa de modelos consensuais que unifiquem as pessoas em torno das boas práticas da amizade, da família, da igualdade, da paz, do amor, da fraternidade e por aí além. A poesia, a música, a arte em geral é a expressão maior destas energias.
Qual foi o momento mais surpreendente ou significativo que já teve ao partilhar o seu trabalho com o público?
Já foram muitos. Gosto de me manter aberto e recetivo às críticas, mas também às demonstrações de afeto do público. Tenho bem presente que para lá do meu trabalho existe um ser humano sensível e subjetivo disposto a interiorizar a minha mensagem. A servir-se dela como bem entende. E eu aceito essa incumbência com a máxima responsabilidade, e reclamo essa missão para mim.
POETA POP, o seu mais recente trabalho, é uma viagem poética entre o passado e o futuro, Portugal e o Mundo, a singularidade e o povo lusitano. Quanto de Tristão de Andrade existe neste percurso?
Muito ou quase tudo. Não seria verdadeiro se negasse que POETA POP é o culminar de um caminho com mais de 30 anos. Depois de uma vida inteira a habitar lugares-comuns, a beber nesses espaços, porque na verdade é inevitável, ou mesmo impossível rejeitar essa evidência, chegou agora o momento de apresentar os resultados. Eu não sou só EU, sou o resultado de NÓS. Escrevo POETA POP após olhar para dentro e para o que me rodeou, para o meu país, para as minhas gentes, para um povo que sofre, sofreu e ainda assim vive de esperança. Somos gente de luta e de coragem. Vamos sem temer. Estamos definitivamente na origem de um novo dia. O que mais me fascina nas nossas gentes, nos que falam a nossa língua, é a capacidade de resiliência, a vontade, a naturalidade de encararem o dia de amanhã com a certeza de que lá estarão. Escrevo e canto o fado dos nossos emigrantes, a guerra colonial que “matou” todos, mesmo aqueles que continuaram a respirar. Recordo a geração sem internet, e abordo a forma como os enormes poetas portugueses nos inspiraram para a liberdade. Escrevo, canto e digo tudo isto num misto de historiador e autobiografia.
A música e a poesia unem-se em POETA POP numa invocação ao fado?
Indubitavelmente. O fado é património residente da alma e do coração de cada português. Independentemente do chão que os viu nascer, seja em Portugal ou em qualquer outro lugar do mundo, a língua exalta esse sentimento inexplicável. Fado, a verdadeira forma de sentir a Portugalidade. Podemos deixar de pisar a terra com os pés, mas jamais calaremos o coração que fala e sente em português. De norte a sul, este a oeste, seja qual for a latitude, o fado no seu estilo clássico ou em modo canção é a nossa identidade. Em POETA POP não é diferente e ainda é sublinhado. Cantado. Ali respiramos fado, escrevemos fado, e falamos em fado como se estivéssemos a cantar.
Depois tem a dança.
Precisamente. POETA POP procura desconstruir a dança folclórica e materializar em corpos que bailam ao estilo contemporâneo, numa abordagem imersiva e envolvente. A tradição pintada com as cores da contemporaneidade. Tudo isto à procura de produzir e ensaiar uma simbiose de música e dança tradicional.
Onde nasce o POETA POP?
Na verdade, é um conceito que me acompanha desde sempre. Preciso regressar aos meus 14 anos, lá bem atrás, quando ousei começar a escrever poesia, a traduzir a minha forma de ver em poemas que timidamente ia deixando escapar. Lá nesse tempo, nesse passado, comecei a sentir que aquelas palavras diziam mais, representavam uma forma de estar, de viver, de tocar os outros. Nesses idos anos oitenta ser um menino poeta não era das coisas mais populares entre os amigos, e muitas vezes fui olhado com algum desdém pelos meus colegas. Mas nem isso me deteve. E, destemido, decidi trilhar o caminho. Fiz questão de querer explicar que a poesia é contemporânea, popular, moderna e atual. Mais do que um estilo literário, é uma forma de estar e viver. Que encerra em si um conjunto de sentimentos nobres como o amor, a empatia, a amizade, o afeto, o respeito, a igualdade, o respeito e toda uma montanha de energias positivas. Isso é o POETA POP, isso é ser poeta pop.
Depois de Porto e Lisboa o que se segue?
Segue-se o mundo português independentemente da latitude. Agora é levar esta mensagem a todos aqueles que, curiosos, pretendem olhar e abrir o seu coração e a sua mente ao POETA POP. Procuramos públicos dispostos a comentar, a ouvir, a criticar, a chorar ao nosso lado, a rir, mas sobretudo a saírem do espetáculo com a certeza que partem diferentes. Nenhum rio passa duas vezes nas mesmas margens. É disso que falamos, dessa interiorização de que o mundo, a vida e o tempo são efémeros e preciosos.
Projetos para o futuro?
Tantos. Muitos. Demasiados diria. Gosto de manter a mente ativa. O próprio POETA POP nunca se repete. Não existe um espetáculo igual. Permito-me a alterar e a atualizar. O público ganha com isso. Nós, como artistas, beneficiamos dessa constante adaptação. Faz-nos sentir mais vivos e mais próximos da realidade. Neste momento já estou a preparar o meu próximo romance que se traduz numa perfeita cambalhota de 180 graus. Preparo-me para regressar às raízes do meu processo criativo, reservar-me em silêncio e misturar verdade com ficção para depois brindar os leitores. Quero produzir mais música, participar em outros projetos artísticos e viver. Aproveitar os dias para conhecer mais sobre pessoas, lugares e culturas. E assim, no final, traduzir tudo nesta linguagem que só sei usar: poesia em português.
Uma mensagem para todos os artistas do mundo.
Sozinhos podemos tão pouco, mas juntos temos a força de um exército. Que todos os artistas, na sua arte, produzam e criem em prol da humanidade. Que as boas mensagens de paz e amor se pintem em quadros, se escutem nas músicas, se leiam nas linhas de um livro. Que a empatia habite nas mãos dos escultores, e a compaixão resida em todas as formas de arte. Que nunca um artista deixe de reproduzir um pensamento seja ele qual for. Que a discussão impere entre nós e dela nasça a luz. A alma artística reside em cada um de nós. Nós somos poesia, na verdade, todos temos esta missão de transformarmos o mundo num lugar melhor porque na verdade em cada um de nós reside um POETA POP.
