Um aperto de mão

Audiência com o Rei Carl XVI Gustaf no Palácio de Estocolmo | © Kungl. Hovstaterna, foto Sanna Argus Tirén

Assumir a chefia de uma Embaixada pela primeira vez foi, em larga medida, o desafio que esperava encontrar quando cheguei a Estocolmo em agosto de 2020.
Mas houve um fator novo, a pandemia, que constituiu sem dúvida um desafio adicional, e cujo impacto me levou a valorizar o elemento do contacto pessoal na diplomacia.

A pandemia trouxe algumas diferenças ao início de funções e aos primeiros vinte meses de atividade. O figurino da minha apresentação de credenciais, assim como de outros 40 colegas Embaixadores que chegaram a Estocolmo entre abril de 2020 e janeiro de 2022, não seguiu a forma tradicional, que, na Suécia, é realmente especial, a começar pela saída em coche do Ministério dos Negócios Estrangeiros até ao Palácio Real. Para todos nós, e com o conhecido pragmatismo escandinavo, bastaram dois breves encontros com a Chefe do Protocolo no Ministério dos Negócios Estrangeiros para ficarmos devidamente habilitados a agir como Embaixadores na Suécia. No meu caso, fui recebida pelo Rei Carlos XVI Gustavo quase três meses depois de chegar, mas este intervalo de tempo foi variável em função das vagas e variantes da COVID-19.
Na Letónia, onde sou Embaixadora de Portugal não residente, apresentei credenciais ao Presidente da República Egils Levits por videoconferência, meio que se converteu no “novo normal” para a comunicação entre todos nós, e que fez a sua entrada até nas situações mais formais da diplomacia.

Mas a principal diferença foi no obstáculo natural que a pandemia criou ao estabelecimento da rede pessoal de contactos em que assenta o trabalho de um diplomata colocado em posto, e que é especialmente relevante na função de Embaixador/a. Não só uma primeira conversa de apresentação não tem grande sentido por videoconferência (ao contrário de contactos subsequentes que, nalguns casos, podem até ser mais produtivos por este meio), como desapareceram, durante quase dois anos, os eventos institucionais, culturais e sociais em que o corpo diplomático participa. E, contrariamente ao mito popular da “diplomacia do croquete” como uma atividade ociosa, estes eventos são excelentes instrumentos de trabalho e têm uma grande utilidade profissional, sobretudo para um recém-chegado a uma capital.

Apesar da Suécia ter sido um país em que a estratégia de gestão da pandemia foi um caso único, ao ponto de esta se ter convertido num tema absorvente de análise para a Embaixada, o comportamento das instituições públicas foi de cumprimento estrito das recomendações da Agência de Saúde Pública, e, se não fora pelo exercício da Presidência do Conselho da União Europeia que Portugal assumiu no primeiro semestre de 2021, o meu acesso inicial teria sido ainda mais limitado.
E quanto à Letónia, a “bolha” em que os três países bálticos se procuraram isolar levou a que a minha primeira deslocação a Riga apenas fosse possível em setembro de 2021, dificultando naturalmente ainda mais aquela que já é uma relação, por definição, à distância e em que os contactos pessoais são, por isso, intermitentes.

Atualmente, e após um ano de pós-pandemia, a comparação em número de contactos e de eventos para os quais recebemos convite é gritante, mas não deixa de ser curioso que ainda continue a experimentar ritos marcantes da Suécia, como a cerimónia de entrega dos Prémios Nobel no dia 10 de dezembro, a que assisti pela primeira vez no ano passado. Sendo que é sempre, de alguma forma, impossível recuperar o tempo perdido.
Desconheço se haverá já algum cientista social que se tenha debruçado sobre o impacto da pandemia no exercício da diplomacia e, indiretamente na evolução das relações internacionais durante este período, mas penso que se trata de uma matéria que valeria a pena estudar.

Numa constatação muito empírica – e necessariamente pessoal – não há, para mim, dúvida de que a redução de contactos pessoais ou a sua substituição por meios indiretos prejudica a faculdade de apreender diretamente a realidade de uma sociedade e de criar as pontes que um Embaixador/a tem que estabelecer no país em que se encontra para desempenhar eficazmente a sua missão de promoção de Portugal, de estreitamento de laços bilaterais e de prestação de serviços consulares. Felizmente para mim, essa fase está agora ultrapassada e abriu-se um novo capítulo, muito mais interessante e rico, e em que procuro aplicar uma das lições aprendidas: nunca desperdiçar a oportunidade de um contacto que possa começar com um aperto de mão.

Sara Martins
Embaixadora de Portugal em Estocolmo

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