Luís Filipe Borges

Luís Filipe Borges tem 45 anos mas ainda não se acredita.
Açoriano, comediante, argumentista, formador, benfiquista, apresentador – não necessariamente por esta ordem. Licenciou-se em Direito mas desilude a família desde “A Revolta dos Pastéis de Nata”, e com uma regularidade assinalável: “Zapping”, “Conta-me História”, “5 p/a Meia-Noite”, “Manobras de Diversão”, “3 é Demais”, “Caveman”, “Sempre em Pé”. Colaborador regular na imprensa e rádio, faz cerca de 50 espetáculos por ano e escreveu algumas coisas de que se orgulha: um par de livros, as séries “Liberdade XXI”, “Aqui Tão Longe”, “Conta-me Como Foi”, e os votos para o seu casamento. É autor, produtor, anfitrião e argumentista de “Mal-Amanhados – Os Novos Corsários das Ilhas” e “Work in Progress” que estreou no passado dia 30 de Dezembro, na RTP-Açores.

Era para ser advogado, concluiu o curso de direito mas preferiu tornar-se num ator, apresentador, jornalista, colonista humorista e guionista. Em qual destes papéis se sente mais realizado?

Em todos, na verdade. Era um miúdo muito tímido e comecei a ler cedo. Rapidamente me marcaram os autores beatnik e sobretudo a ideia da “intuição do tempo”, que Jack Kerouac cunhou. Essa certeza de que o nosso tempo aqui é muito limitado e de que não devemos desperdiçar nem um segundo ficou cravada em mim desde muito novo. Por isso, agarro com muita curiosidade e espanto todas as áreas da comunicação. Quero aprender, errar, fazer de novo. Citando Beckett: “Tenta. Falha. Tenta de novo. Falha outra vez. Mas falha melhor”.

A criação da escrita é difícil?

Vai-se tornando cada vez menos difícil à medida que aprendemos a dominar as ferramentas e, naturalmente, com a experiência adquirida. E depois obviamente depende também do género que estamos a falar: um sketch, até pela sua reduzida dimensão, é imensamente mais fácil de escrever do que um episódio de 45 minutos de ficção. Uma peça de teatro é imensamente mais complicada de escrever do que o alinhamento-base de um documentário; uma crónica é muito mais prazerosa de escrever do que uma encomenda corporate, etc etc.

Como nasceu a alcunha de “Boinas”?

Usei muitos anos – começou na Faculdade de Direito – um tipo de boina à Che Guevara. Aos 27 anos, e quando o realizador do primeiro programa que fiz me viu chegar para os ensaios, chamou-me logo por “Boinas” e o nickname pegou.

Como se deu a sua ligação ao mundo da televisão?

De uma forma bonita. Escrevia crónicas diárias de humor num jornal que já nem existe e um diretor da RTP2 apreciava-as muito. Arranjou o meu contacto, correu um grande risco e desafiou-me para gravar um programa-piloto do que viria a ser o talk-show da RTP2 “A Revolta dos Pastéis de Nata”. Correu bem aos dois.

Como vê o nascimento de tantas plataformas de comunicação e que espaço irá ocupar no futuro a televisão?

Um espaço cada vez mais reduzido, e ainda bem. É fantástico que existam tantas plataformas, tantos laboratórios cada vez mais acessíveis para que – quem o queira – possa mostrar o seu talento. Faço parte de uma geração que viveu o antes e o depois. Fiz todo o liceu sem um computador e toda a faculdade sem um smartphone. Acho excelente que hoje em dia seja muito mais fácil a qualquer miúdo num sítio longínquo dos centros de decisão poder mostrar a sua arte. Com o 5G, as redes sociais, e o fim do consumidor passivo, não há limites para o público que cada um pode atingir. A TV deixará cada vez mais de ser uma espécie de Olimpo destinado a muito poucos. É o tipo de coisa que gosto de transmitir às minhas turmas de Escrita Criativa.

Sendo uma pessoa reservada, como lida com o sucesso e a fama?

De forma tranquila, com perfeita noção de que vivemos num país pequeno e que a fama – para citar um autor sul-americano que aprecio bastante – “não passa de uma estátua cagada pelos pombos”. Trato muito bem quem me trata bem, e acho que esse princípio se aplica a qualquer atividade e indivíduo na vida, seja conhecido ou não. Além disso o sucesso é algo muito relativo em Portugal. 99% dos artistas sentem sempre que estão a recomeçar do zero.

Ainda pensa um dia regressar para viver e trabalhar nos Açores?

Todos os dias, e cada vez mais, sobretudo desde que fui pai. Aliás, nestes últimos anos tenho trabalhado em projetos de coração dedicados à terra, à identidade açoriana, aos protagonistas ilhéus. O maior sonho, meu e da família, é poder trabalhar naquilo que gostamos desde os Açores. Pode ser que um dia…

“A Revolta dos Pastéis de Nata”, “5 Para a Meia Noite”, “Conta-me História” e mais recentemente “Mal Amanhados” são alguns dos seus projetos de sucesso. Qual o programa (ou programas) que gostou mais de apresentar e teve mais liberdade criativa?

São todos “filhos” meus e portanto é impossível escolher… Mas confesso que tenho um fraquinho especial pelos “Mal-Amanhados” pela simples razão de ter sido a minha estreia enquanto produtor. Todos os outros programas, melhor ou pior, teriam acontecido sem mim. Esta série não. Pensei-a, escrevi-a, produzi-a, consegui as dezenas de apoios necessários, montei-a, conduzi carrinhas, tratei de seguros e burocracias. É o meu orgulho maior. E o carinho avassalador que ela recebeu é algo que ficará comigo para sempre.

Que lugar ocupa o humor na sua vida?

Um lugar fundamental, porque sem humor a vida seria insuportável. E também atua como fio de prumo ou critério decisor. Por exemplo, qualquer pessoa a quem detete ausência de sentido de humor, incapacidade de autor-ironia, qualquer indivíduo que se leve demasiado a sério é alguém com quem não quero trabalhar ou conviver.

Projetos para o próximo ano?

Muitos, felizmente. Já dia 30 de Dezembro estreia “Work in Progress”, produção minha com realização do Diogo Rola, e uma ideia de que muito me orgulho: 9 episódios, 9 protagonistas, 9 artes, 9 obras inéditas que nascem no fim – da poesia à interpretação, do cinema à música.
Em 2023 estrearei também outra produção, “Caixa Negra” – uma série de 10 episódios em co-autoria com o fotógrafo Luís Godinho, dedicada à 3ª idade açoriana.
Publicarei dois livros sobre os quais não posso ainda adiantar pormenores e, mais para o fim do ano, serei argumentista e realizador duma série para a RTP1 que, penso, vai causar sensação.

Uma mensagem para todos os artistas do mundo.

Deixo uma citação que a personagem de Charlie Chaplin, no seu maravilhoso “As Luzes da Ribalta”, diz à protagonista feminina a páginas tantas:
“A vida é maravilhosa quando não se tem medo”.


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