Depressões

Por aqui, o cinzento desprende-se, vagaroso, das nuvens baixas. Andamos pardacentos, cabisbaixos. Deprimidos. Sabem o que é uma depressão? É um centro de baixas pressões, também conhecido por ciclone. A instabilidade do ar produz ventos ascendentes, que contribuem para a formação de nuvens na vertical, originando fortes chuvadas e aguaceiros. As baixas pressões produzem a instabilidade, a ascensão, a leveza do ar, ao passo que, nas altas pressões, o ar afunda-se, aquecendo e ficando mais estável, formando uma espécie de tampão que tranquiliza a atmosfera envolvente, como um abraço caloroso.

A leveza e a ascensão produzem a instabilidade e o mau tempo. Talvez seja por isso que os sonhadores, aqueles que andam nas nuvens, sejam mais vulneráveis às depressões, ao passo que quem tem os pés assentes na terra não sofra tanto com os desvarios da alma. Será que a nossa cabeça funciona como o ar que a envolve? Não sei, mas não deixa de ser curioso: a nós, quando a pressão é grande, salta-nos a tampa e gera-se a instabilidade, ao passo que, tantas vezes, ansiamos por aliviar a pressão e deixar-nos levitar, para assim encontrar a idílica paz de espírito, ou seja, a estabilidade. Exactamente o oposto das condições atmosféricas, já repararam?

Por outro lado, se calhar até podemos encontrar paralelismos: na depressão (clínica) teríamos uma espécie de ausência do espírito, em que os pensamentos se espalhavam no ar; se perdiam, sem rumo; nos voavam da cabeça como aves distraídas. Andar nas nuvens mais não seria do que essa impossibilidade de contenção e consciencialização do pensamento. Como se sofrêssemos de alguma incapacidade de nos centrar, de manter sólida a estrutura mental, afinal o alicerce principal da personalidade e estabilidade psíquicas. Como se essa estrutura, em lugar de sólida, fosse líquida ou gasosa; sublimada em sonhos, devaneios, e assim nos sentíssemos perdidos, sem eira nem beira, varridos e espalhados ao vento. A tristeza, sintoma central da depressão, talvez se pudesse traduzir pela impossibilidade de nos sentirmos inteiros, de nos reunirmos num corpo coerente e lógico, o que também contribuiria para os sintomas de despersonalização e desrealização (ter a sensação de que o mundo à nossa volta não existe, ou de que não lhe pertencemos, como se sonhássemos) presentes nas depressões.

Até pode ser. Mas eu cá, não troco por nada, aquela sensação de andar nas nuvens.

A autora não aderiu ao novo acordo ortográfico

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