As armadilhas do e-mail
4. Acabamos afogados em milhares de mensagens por ler
Este problema é complicado e merece um artigo só para ele.
Temos mesmo de arranjar maneira de gerir o e-mail, antes de afogarmos a nossa tranquilidade em centenas de mensagens por ler. Ficamos ansiosos e fazemos cada vez menos perante a avalanche de mensagens por ler.
Uma técnica simples, mas imediata, será tratar assinalar os e-mails por tratar e arquivar tudo o resto. Ou deixar na caixa de entrada só o que precisamos de tratar.
São duas pistas muito rápidas para soluções que ocupam livros e livros que por aí se vendem.
(Já agora, a Susana Valdez, no blogue O Tradutor, apresenta algumas aplicações para lidar com este problema.)
5. Arranjamos conflitos quase sem perceber como
Há umas semanas, recebi uma mensagem da minha contabilista. Era uma resposta a um pedido que lhe fizera para tentar resolver uma obrigação legal que nos aparecera de repente, dum dia para o outro (sim, o sistema legal e fiscal português é excelente em criar surpresas quase diárias, com obrigações que aparecem do nada, com alguma utilidade escondida que dificilmente conseguimos vislumbrar).
Ora, li a mensagem a sair do carro, para ir buscar o meu filho. Estava um pouco atrasado. Estava cansado. Estava a chover. Li aquilo e pareceu-me que ela estava a dizer que não queria fazer aquilo que eu lhe pedia.
Irritado, respondi secamente a dizer que, sendo assim, deixasse estar, que eu trataria do assunto, mas mostrando que não tinha ficado agradado.
Lá fui buscar o Simão. Saiu todo bem-disposto das escolas, a contar-me uma história que tinha acontecido nesse dia. Abracei-o e, quando acabei de o prender na cadeirinha do carro, estava, claro, muito mais bem-disposto.
Voltei a ler a mensagem e percebi que me tinha precipitado. A contabilista não me tinha dito que não queria fazer aquilo. Ela tentou cumprir a tal obrigação, mas não conseguiu, porque lhe faltava um dado essencial, que me estava a pedir.
Fiquei irritado — mas desta vez comigo mesmo. Enviei-lhe outra resposta, a pedir desculpa e a agradecer. Quando falei com ela ao vivo ainda nos rimos do assunto.
Sim: li uma mensagem a correr, presumi o pior e acabei por criar ali uma possibilidade de conflito. (E não se esqueçam que estava a chover.)
Isto acontece muito mais vezes do que pensamos. Escrevemos a correr, lemos a correr, presumimos o pior, respondemos mal, semeamos conflitos sem querer e depois regamo-los com a pressão do dia-a-dia.
O melhor é mesmo estar atento, dar o benefício da dúvida — e se alguma coisa não estiver a correr bem, telefonar ou falar ao vivo. A voz ou a presença da outra pessoa faz maravilhas pela convivência.
Só para terminar, para ninguém ficar assustado com tanta armadilha, fiquem com cinco conselhos rápidos para usar bem o e-mail:
Usar o e-mail sem medo, porque, afinal, não deixa de ser uma forma de comunicação menos intrusiva do que o telefone e deixa à pessoa a quem nos dirigimos espaço para responder mais tarde ou mais cedo e pensar melhor no que vai dizer. Mas, quando digo «sem medo», talvez devesse acrescentar «mas sem abusar». Mensagens inúteis irritam e fazem perder tempo. Antes de enviar seja o que for, pensemos: é mesmo preciso?
Rever a mensagem antes de mandar. Se há vantagem em conversar por e-mail, é esta: podemos pensar duas vezes. Por isso, mais vale fazer isso mesmo. Escrevemos um e-mail, mas depois olhamos para ele com olhos de ver antes de mandar. É mais difícil do que parece — mas muito importante. Tivesse eu feito o que digo aqui, não teria feito o que fiz à minha contabilista. (O Gmail, agora, até já tem uma função que permite anular o envio da mensagem depois de clicar no «Enviar». Mas só durante uns segundos…)
Dito isto, não faz mal usar o telefone quando começamos a perceber que as mensagens de e-mail estão a provocar mal-entendidos ou algum desgaste na relação (pessoal ou profissional). Talvez até antes de haver algum mal-entendido. Se reparamos que é muito mais fácil explicar alguma coisa por telefone, toca a pegar no telefone.
Há que usar ainda de alguma tolerância: nem todos pensamos nas mesmas coisas com a mesma intensidade ou da mesma maneira e haverá sempre quem escreva e-mails sem pensar. E há os dias maus (e a chuva!). Por isso, aqui fica um conselho que se aplica a muitas outras coisas: podemos ter alguma tolerância para com os outros e esforçarmo-nos por melhorar no que toca ao nosso próprio trabalho.
E, por fim: sejamos claros (o que não é fácil), agradáveis (mesmo à força de smileys) e directos (dizer o que precisamos sem rodeios)…
E, pronto, vamos lá esquecer o e-mail por algumas horas, nesta altura de Carnaval.
Embora até aposte que muitos de nós vamos estar a olhar para o telemóvel enquanto vemos os desfiles ou brincamos com os nossos filhos mascarados.
O e-mail não perdoa.
O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico