Ginga Neto

Ginga Neto foi selecionada na perspetiva de partilhar as suas memórias enquanto filha de independentistas que nasceram no exterior do país, cresceram e estudaram fora de Angola, em países da SADC, em países apoiantes da independência de Angola, onde viviam em campos de residência, de refugiados e de militares, locais onde se forjou e se conduziu a luta armada de Angola e dos PALOP. É importante conhecer as dimensões da história social de Angola sobre a infância, a escolaridade, o regresso e a adaptação ao país dos descendentes de figuras históricas nacionais.

© História Social de Angola

Ginga se predispôs a partilhar as suas memórias, incluindo as de aprendiz e mais tarde as de professora, a primeira angolana a lecionar no Liceu Francês de Luanda direcionado aos filhos das famílias dos expatriados das petrolíferas que lideraram a exploração do petróleo angolano e mais recentemente a criação da escola de equitação e representação de Angola na federação internacional deste desporto. Esta angolana abraçou a causa do HSA e o primeiro resultado direto foi a sensibilização de mais um testemunho, o do seu pai, o cidadão Desidério Veríssimo da Costa, ambos depoimentos algures se cruzaram, pois o percurso de pais e filhos assim o indica.

Introdução

Eu chamo-me Ginga Neto e Costa de Almeida, nasci na cidade de Frankfurt na Alemanha Federal, é um longo percurso, atualmente em Angola sou vice presidente da Federação Equestre Nacional que é a federação que lida com o desporto que tem a ver com os cavalos, faço consultoria internacional, portanto não só dentro do país como fora e o objetivo é tentar atrair investimento para o nosso país.

Pode contribuir para este repositório de memória oral da História Social de Angola narrando factos da sua juventude?

No meu tempo de vida eu recordo-me que quando era criança não tinha país porque Angola ainda era Portugal, razão pela qual eu nasci na Alemanha porque os meus pais eram contra o regime colonial e tiveram que se exilar naquela altura porque eram perseguidos pela PIDE. Eu recordo-me de ser exilada, depois recordo a independência, recordo uma guerra civil, recordo a paz e agora um país que está a tentar lutar para ser economicamente autónomo, portanto são várias etapas numa vida. 

Escola Primária na RDA

Como nós estamos aqui a falar sobre o ensino, recordo que durante a minha infância, antes de Angola ser independente como eu nasci na Alemanha, na altura dos maquis a minha mãe participou na frente leste, quer dizer Tanzânia e Zâmbia e na altura tive o privilégio de estudar na escola da RDA, antiga Alemanha Democrática porque a Alemanha estava dividida e já nessa altura nós pioneiros, porque lá também havia pioneiros, éramos consciencializados sobre as lutas de outros povos, na altura faziam o que eles chamavam o bazar de natal para o Vietname. Nos anos 70 o Vietname ainda estava em guerra e nós fazíamos ações para vender artesanatos e pequenas coisas para o Vietname, desde muito cedo, eu como pioneira fui consciencializando-me sobre outros povos, outras lutas, outras dificuldades no mundo.

Filhos de Nacionalistas estudantes na Tanzânia 1968-1970

Nos anos 68-70 deixamos a Alemanha e viemos para a Tanzânia, onde depois estudei uma escola internacional, mas no seio dos nossos camaradas, das pessoas que participaram na luta de libertação, havia também a preocupação de formar o pioneiro angolano, aí que nós ouvíamos as histórias do pioneiro Zeca, do Augusto Gangula, dos nossos guerrilheiros, o porquê que estávamos ali, o porquê que falávamos português e não inglês como os outros meninos, portanto fomos muito cedo consciencializados sobre a nossa luta, a luta da independência e com o tempo e graças a…. na altura não se falava de Deus, graças as boas energias e os esforços consentidos pelos nossos camaradas vimos este dia da independência chegar.

Chegada a Angola em 1974

O meu percurso foi por estrada, eu conheci este país pela primeira vez em 74, vindo da frente leste, Zâmbia por estrada, a primeira cidade em que entramos na altura chamava-se Luso e depois fomos para Benguela. Agostinho Neto proclama a independência e eu venho estudar para Luanda, o liceu na altura chamava-se Liceu Salvador Correia e desde cedo eu percebi que era uma situação nova no nosso país, muito entusiasmo, portanto uma transição de uma era colonial para uma independência, havia um fervor, havia entusiasmo e cedo nós fomos educados a centrar as nossas acções mais uma vez essa solidariedade nas pessoas.

Lembro-me que após a nossa chegada éramos convidados a alfabetizar quem não soubesse ler nem escrever, houve campanhas de alfabetização, daí nós termos percebido a importância da educação na vida do ser humano, porque claro que o saber liberta. Para mim foi já a terceira transição para uma língua diferente do estudo, eu comecei a estudar em alemão, em inglês e depois passei para o português. Então foram estas etapas todas, pioneiro do MPLA, a JMPLA, todo um fervor político que demonstrou que no nosso país o ensino, as acções sempre estiveram centradas na política, contrariamente aos outros países onde eu fui estudar mais tarde, sempre centradas no político, foi o caso da minha família, dar o exemplo, não que estivéssemos ligados a religião, mas ser assíduo, disciplinado, chegar a horas, ou seja, dar o bom exemplo. Foi uma escolaridade feita com interesse, com empenho sempre naquela vertente de um dia poder contribuir e ajudar o nosso país.

Em outros países, sobretudo a geração dos meus pais que foi colonizada, acham muito importante ter os filhos formados, acho que naquela época ser doutor, advogado ou engenheiro era muito importante. Eu mais tarde fiz a universidade em França e vi que em outros países mais desenvolvidos o estudo não tinha aquela importância social, as pessoas estudavam porque gostavam do estudo, que não deixa de ter a sua importância social, mas mais o tempo avança eu noto que dependendo do meio em que se está inserido, o estudo e sobretudo hoje com as redes, a pessoa pode ser autodidata muito mais facilmente do que naquele tempo, a formação depende de cada indivíduo.


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