Nuno Cristo

Nuno Cristo nasceu em Lisboa. Foi aprendiz da famosa família Grácio na construção de instrumentos de corda, estudou música e etnologia e tocou gaita de foles portuguesa em digressões. Em 1985, mudou-se para Toronto e continuou a estudar a construção de instrumentos. Músico, fabricante de instrumentos e etnomusicólogo, possui um mestrado em Música pela York University, Toronto. Especializou-se em guitarra portuguesa como artista solo e toca fado com os conjuntos Banza Duo e Anima Fado. Recebeu bolsas do Toronto Arts Council, do Ontario Arts Council e do Canada Council for the Arts, produziu dois CDs, colaborou com Nelly Furtado, Béla entre outros, gravou ao vivo para a rádio CBC e tocou em palcos internacionais nos EUA, Macau e Portugal.
Agora, Nuno Cristo participa na cena do Fado de Toronto, tocando guitarra portuguesa, ensinando e construindo instrumentos maioritariamente de estilo português.

Como nasceu a sua paixão pela música?

Penso que surgiu por ter sido exposto desde muito cedo ao cantar da minha mãe, que me ofereceu um tambor de feira quando eu tinha uns cinco anos de idade. O meu pai tinha uma grande coleção de discos e fitas de todo o tipo de música o que claramente me influenciou na minha exploração musical.

Mantém a ligação às suas origens?

Sim completamente.

Músico, compositor, construtor de instrumentos? Em qual destes papeis se sente mais feliz/realizado?

Em todos eles me sinto realizado, “feliz” é um conceito mais complicado. Esses papéis foram surgindo ao longo dos anos, nem sempre simultaneamente. Talvez o que me dá mais prazer, mas também muitos desafios é o de construtor. No entanto, na última década tenho dedicado mais tempo à investigação histórico-organológica e à elaboração de artigos e apresentações de carácter académico, o que também me satisfaz imenso.

Um dos muitos instrumentos que toca é o mbira dza vadzimu. Qual a origem deste instrumento, como aprendeu a tocar e o que o fascina, já que sabemos que gosta muito de o tocar?

Mbira [dos Antepassados] é digamos o instrumento nacional do Zimbabué e em particular do povo Shona. A sua área de influência abrange também partes de Moçambique e foi dessa região que me ofereceram nos finais de 1980 um exemplar de muito boa construção. Aprendi a tocar mbira através de um estudo em campo de Paul Berliner, que possibilita a aprendizagem através de notação esquemática. A música tradicional assenta num ciclo de 48 notas com o mesmo valor rítimico que se repete. Havendo vários executantes, surgem várias versões que se entrelaçam criando um efeito de caleidofonia, levando muitas vezes a um estado de transe.

Como se constrói um instrumento musical? Para além de instalações mínimas, ferramentas, investigação, algum jeito para as artes manuais, paciência e dedicação, como se desenvolve esse processo criativo?

Quando há muitos anos me propus a fazer um instrumento, a motivação foi basicamente eu querer conhecer algo a que não tinha acesso imediato. Sim, sempre demonstrei boas aptidões manuais. A paciência surge bem mais tarde como um modo de vida, e a dedicação é tudo.

Quem são as suas principais influências musicais?

Sem dúvida os cantautores portugueses das décadas de 1970 e 1980, muito em especial José Afonso. Todo o movimento de revivalismo da música dita tradicional não só em Portugal mas a nível global. No campo da música instrumental portuguesa, identifico influências de autores como Carlos Paredes, Pedro Caldeira Cabral e Júlio Pereira.

Viveu em Moçambique (as nossas capas são curiosamente de um artista plástico moçambicano e os textos de um escritor também ele moçambicano) durante quanto tempo? De que forma tem procurado manter a ligação com Moçambique, a música e os músicos locais?

Vivi em Moçambique durante cerca de 4 anos no início dos anos 1970, quando regressei a Portugal tinha 14 anos. Nunca lá voltei, mas tenho comunicado com artistas moçambicanos noutras paragens e continuo interessado na cultura local de que guardo gratas memórias.

Em 1985 decidiu ir viver para o Canadá. Como se deu essa mudança, porquê o Canadá?

Eu já tinha feito em 1983 uma digressão por algumas das principais cidades canadianas, integrando o grupo de teatro O Bando como o músico da peça Afonso Henriques; tocava gaita de fole, tambores e pequenos instrumentos de percussão. Aquando da nossa atuação em Toronto, a Aida Jordão, uma atriz canadiana de origem portuguesa sentiu-se inspirada pelo dinamismo da peça e pediu um subsídio para ir trabalhar com o grupo em Portugal. Passámos a compartilhar o palco e em 1985 casámos e decidimos ir viver para o Canadá.

Voltou em 1990 a Portugal, mas apenas por um período de dois anos. O país continua a desiludi-lo?

Foi realmente um período tentativo que deu os seus frutos, mas que por várias razões resultou num regresso a Toronto. Sim penso que houve alguma desilusão. Agora já não sinto nada disso pois não tenho quaisquer planos de viver em Portugal.

Tem previsto algum concerto ainda este ano em Portugal? E agenda para 2024, onde o vamos poder ouvir?

Já não atuo regularmente em Portugal desde o início dos anos 1990, mas tenho participado em festivais/ congressos como o 1º Festival de Guitarra Portuguesa, Faro 2010; o 22nd Symposium of the ICTM Study Group Musical Instruments, Lisboa 2019; 1º Festival do Guitarrinho, Coimbra 2021 (virtual); Congresso Internacional Mulher, Género e Interseccionalidade no Mundo Lusófono, Ponta Delgada 2022; 10º Congresso de Organologia (ANIMUSIC), Castelo Branco/ Fundão 2021 (virtual); 2º Festival do Guitarrinho, Coimbra 2022 (virtual); 11º Congresso de Organologia (ANIMUSIC), Coimbra 2023 (virtual).
Este ano além de participar na 8ª edição do Festival Cordas, Madalena, vou estar também no 3º Festival do Guitarrinho, Coimbra.

Uma mensagem para todos os artistas do mundo.

Continuem, vale a pena!


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