José Augusto Duarte

Embaixador de Portugal em França

©António Borga

Num diálogo exclusivo, o embaixador analisou a relação histórica e os laços diplomáticos que, há várias décadas, unem Portugal e França, realçando a sua relevância no contexto da integração europeia e no fomento das relações comerciais. José Augusto Duarte falou ainda sobre o papel fundamental desempenhado pela Embaixada de Portugal em França na consolidação e expansão dessas relações, especialmente face aos desafios políticos e económicos que a Europa enfrenta atualmente, e abordou as estratégias desenvolvidas com vista a promover a Língua Portuguesa e a rica herança cultural de Portugal em território francês.

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Atualmente, a Embaixada de Portugal em França desempenha um papel crucial, facilitando o diólogo, a promoção, a manutenção e o fortalecimento das relações diplomáticas, culturais, económicas e políticas entre os dois países. Como avalia a evolução das relações diplomáticas entre Portugal e França ao longo dos últimos anos?

Julgo que há dois planos principais em que essa evolução mais se faz notar. O primeiro é naturalmente o europeu. As relações entre Portugal e França têm evoluído ao ritmo da evolução da participação de Portugal e França no âmbito do processo europeu. Dentro do âmbito da União Europeia, tem havido a transformação dos tratados daquilo que são as competências das várias instituições para aprovar legislação e isso faz, claro, com haja uma maior confluência, uma maior estratégia de aproximação entre todos os Estados. Esse é um dos elementos cruciais que tem marcado a relação entre Portugal e França, nos últimos 20/30 anos. Além disso, há outro elemento também muito importante que é a evolução das relações comerciais e económicas entre os dois países. Hoje em dia, a França é o segundo maior cliente de Portugal e é um dos maiores investidores em Portugal. Estes dois elementos têm sido muito importantes e muito favoráveis a Portugal.

Qual é atualmente o papel da Embaixada de Portugal em França no fortalecimento das relações diplomáticas e de que maneira esta tem trabalhado no sentido de promover uma cooperação mais robusta entre os dois países?

O papel da Embaixada de Portugal em França, enquanto Embaixada que se ocupa das relações bilaterais em todos os seus domínios entre Portugal e França, é aquele que está estabelecido na Convenção de Viena, sobre as relações diplomáticas, de 1968.
Nós estamos aqui para promover as relações amigáveis entre os dois Estados, para desenvolver relações nas mais diversas áreas, sejam elas no domínio da cultura, da ciência, da educação, do ensino, da economia. Estamos aqui como um elemento ao serviço do Estado português para promover essa relação e defender os interesses nacionais e da nossa comunidade presente em França.

©António Borga
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Considerando a atual conjuntura política e económica na Europa, quais são os principais desafios que Portugal e França enfrentam na sua cooperação bilateral, e de que forma a Embaixada está trabalhar no sentido de os superar?

Portugal e França estão com os mesmos desafios a nível europeu. Temos a guerra na Ucrânia que condiciona bastante que tem consequências económicas e financeiras para o resto do continente europeu, tem consequências geopolíticas e estratégicas que nos obrigam a refletir sobre o caminho futuro que queremos traçar. Esse desafio é omnipresente em todos os Estados europeus neste momento. Mas depois, não podemos também esquecer todos os outros desafios, como as alterações climáticas ou as pressões migratórias, que são grandes desafios que nos questionam, nos levam a tomar medidas e a refletir sobre eles. Obviamente que, o papel da Embaixada de Portugal é informar o Estado português daquilo que tem sido a evolução das posições francesas sobre os mais diversos dossiers e em que medida temos pontos de convergência e de divergência.

Como avalia o papel da União Europeia na promoção de relações económicas mais estreitas entre os Estados-Membro, e de que forma Portugal e França têm colaborado para avançar nessa direção?

Portugal e França ao estarem dentro da União Europeia fazem parte do mercado único europeu. Há um mercado de circulação de capitais, um mercado de circulação de pessoas, de bens e serviços, e, portanto esse mercado afeta a nossa relação económica. Mas afeta positivamente, porque a favorece. É mais fácil ter intercâmbios comerciais entre Portugal e França, enquanto Estados-Membro da União Europeia.
Há cada vez mais um debate, também promovido pela França, que afirma que além de sermos um mercado de consumo, precisamos também de prestar atenção aos produtores. Precisamos ser um mercado de união, não apenas de consumidores, mas também de provedores. Um debate que vai ao encontro das preocupações de muitos dos nossos cidadãos, que trabalham diariamente para produzir, que importa ouvir, para entender quais os caminhos futuros que a Europa e os Estados-Membro querem seguir.

A Embaixada assume como missão a promoção de oportunidades económicas e comerciais entre Portugal e França, incentivando o investimento mútuo e facilitando o comércio bilateral. Dito isto, de que maneira a Embaixada de Portugal se envolve com a comunidade empresarial portuguesa em França para promover oportunidades de negócios e investimentos?

O papel de Portugal aqui é promover a exportação de bens portugueses para o mercado francês e atrair capitais franceses para investir e criar emprego em Portugal. Cativar investimentos portugueses em França ou aumentar as exportações francesas para Portugal compete à Embaixada de França em Lisboa. O nosso papel é valorizar e promover os interesses nacionais e da comunidade portuguesa, por isso, tentamos encontrar uma série de potenciais investidores franceses para investirem mais em Portugal. Temos conseguido aumentar muito esse investimento, tendo hoje mais de 1500 empresas francesas com investimento em Portugal, que criam milhares de postos de trabalho. O nosso papel é o de continuar a manter contacto com essas empresas que já investiram, para ver se investem de novo ou se desejam fazer mais investimentos, e com aquelas que ainda não investiram, mas que desejam seguir o exemplo das suas compatriotas francesas que já investiram. Por outro lado, estamos sempre à procura de redes de consumo e de importação de produtos para tentar importar ainda mais produtos portugueses e, obviamente, valorizar aquilo que é a produção nacional e a exportação para o mercado francês.

Com 64,8 milhões de habitantes, detentores de um elevado poder de compra, a França é a sétima economia mundial, a segunda ao nível da União Europeia, e um dos principais exportadores e importadores mundiais. Dito isto, de que forma as empresas portuguesas têm procurado capitalizar as oportunidades económicas oferecidas pelo mercado francês?

Têm procurado capitalizar na medida em que exportam bastante para este mercado. Nós temos uma taxa de cobertura que ronda os 150%, o que significa que nós exportamos 1/3 a mais do que aquilo que importamos. Portanto, é uma balança comercial favorável a Portugal. Os nossos produtores têm efetivamente aproveitado as oportunidades que existem no mercado francês exportando para cá os seus produtos.

Parceiro económico de grande relevância para Portugal, a França continua a representar oportunidades de negócio em diversos setores de atividade. Quais são os setores económicos em que Portugal e França têm maior cooperação e de que forma a Embaixada contribui para impulsionar essas colaborações?

Através daquilo que são os potenciais consumidores ou investidores, estabelecendo e facilitando contactos, dando conhecimento mútuo entre entidades que poderão colaborar em áreas tão diferentes, como as ciências, as tecnologias, a investigação, entre outros. Temos feito isso em muitos domínios e promovido muito esses encontros, de uma forma discreta, mas eficaz, para que possam se conhecer mutuamente e favorecer assim a exportação de produtos portugueses para cá.

Os franceses têm sido os principais estrangeiros a comprar casas em Portugal. Esta realidade tem significado uma maior aproximação entre Portugal e França? Nota um impacto particular nesse âmbito?

Não sei se a França é o principal comprador de imobiliário em Portugal, mas estará certamente entre os principais. Nós, enquanto Embaixada, não temos tido um papel ativo em divulgar possibilidades de investimento imobiliário em Portugal, porque o mercado já está de tal maneira aquecido, já há tanto interesse em investir em Portugal, que sentimos que não necessitamos de divulgar mais. Portugal, efetivamente, está na moda. É um país extremamente bem-visto, a vida em Portugal é apreciada de uma forma muito positiva pela sociedade francesa e, portanto, não precisamos fazer mais investimento nessa divulgação. Dito isto, é claro que esse investimento no imobiliário em Portugal, que leva muitos franceses a irem viver para lá, promove um conhecimento mútuo que não existia antes. Portugal hoje é mais conhecido, é mais completo, o que favorece uma aproximação natural e genuína entre os povos.

De que forma a Embaixada de Portugal em França está a aproveitar o rápido crescimento dos setores da tecnologia e inovação para promover e fortalecer a cooperação entre Portugal e França nessas áreas? Que iniciativas específicas que têm sido implementadas nesse âmbito?

Temos visitado e conhecido muitas startups francesas, ligadas à ciência e à tecnologia, às tecnologias da informação, às tecnologias industriais mais avançadas, que temos procurado colocar em contacto com as portuguesas. Também temos algumas portuguesas com investimentos muito interessantes nessas áreas tecnológicas. Aliás, temos duas empresas portuguesas com investimentos no Norte de França, que são muito interessantes naquilo que fazem para alta indústria. A capitalização de conhecimento na área industrial e captação de investimento industrial é uma área que nos interessa muito e uma área prioritária na nossa ação.

©António Borga
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De acordo com os dados das Nações Unidas França é o país onde mais emigrantes portugueses residem, mais de 600 mil, o que representa cerca de 31% do total de emigrantes portugueses no mundo. A presença duradoura de uma tão importante comunidade faz dela um fator importante de união entre os dois povos e um parceiro privilegiado no quadro das relações bilaterais?

Sim. A comunidade portuguesa aqui é de tal forma expressiva que faz com que toda a gente oiça falar de Portugal de alguma forma. Sem dúvida, é um elemento importante a ter em conta. É um elemento que nos deu prestígio, porque é uma comunidade de trabalho, é uma comunidade que se afirmou e integrou em França pelo mérito do seu exemplo, pelo mérito do seu trabalho. Isso deu-nos prestígio como uma comunidade séria, honesta, trabalhadora, que respeita a França, que respeita as leis. E esse prestígio, obviamente, beneficia o país.

Quais são os principais programas ou iniciativas que a Embaixada implementa para promover a integração dos portugueses em França, seja em termos de emprego, habitação ou educação?

Não temos essa necessidade, felizmente. Teremos, certamente, alguns portugueses que não têm emprego ou que não têm habitação, mas isso não caracteriza a comunidade no seu conjunto. A comunidade portuguesa em França teve, de início, redes informais de interajuda e de cooperação, que sempre auxiliou e facilitou essa integração. Nós não temos a necessidade de promover a integração de uma comunidade que, globalmente, está integrada. É claro que há, ocasionalmente, a necessidade de apoiar casos sociais de alguma vulnerabilidade e de alguma pobreza, mas trata-se de situações pontuais, que não são características do conjunto.

Emigrar para outro país implica enfrentar uma série de desafios complexos, que vão desde a adaptação a uma nova cultura e língua até à procura por emprego, integração na comunidade local e superação de obstáculos burocráticos. Atualmente, quais são os maiores desafios que os emigrantes portugueses enfrentam em França e de que forma a Embaixada os apoia nesta fase?

Vai um pouco ao encontro do que já referi, mas deixe-me que lhe diga que hoje boa parte da nossa comunidade vem licenciada, ou seja, as características da nossa comunidade têm mudado com o tempo. Há 30/40 anos enviávamos para França, sobretudo, mão de obra não qualificada, grupos sociais mais vulneráveis, com menos habilitações, com menos capacitação profissional, para realizarem trabalhos mais pesados, sobretudo, na área da construção civil e do apoio doméstico. Hoje em dia não é o caso. Hoje, uma percentagem muito significativa dos novos emigrantes que vão chegando a França são pessoas com formação superior, o que, à partida, facilita-lhes de alguma forma a integração no país.

A Embaixada de Portugal em França tem desempenhado um papel ativo na promoção cultural, procurando divulgar e celebrar a rica herança cultural portuguesa junto da comunidade francesa, através de uma grande variedade de iniciativas e eventos que destacam a música, a arte, a literatura, o cinema e outras expressões culturais de Portugal. Quais são os principais eventos ou iniciativas apoiadas pela Embaixada para celebrar a cultura portuguesa em França?

Nós temos um plano plurianual de atividades de prioridades de atuação cultural externa. O nosso objetivo é ter uma visão mais completa da complexidade da nossa diversidade cultural. Gostamos muito de determinadas expressões artísticas, como o fado que é uma expressão única da cultura portuguesa, mas que só por si não define tudo o que é a cultura portuguesa. Existem outras expressões, sejam de cultura erudita, sejam de cultura popular, que são igualmente importantes para que se tenha a ideia daquilo que é a complexidade e diversidade da expressão cultural portuguesa e da sua própria criatividade. Todas as iniciativas desenvolvidas, quer na área do teatro, quer na área da música, quer na área do cinema, fazem parte do nosso projeto de ação para a divulgação da nossa cultura por todo o país. Uma das coisas que estamos a fazer é divulgar junto dos conservatórios e teatros de toda a França, onde são feitos espetáculos de música clássica, a criação musical erudita em Portugal, que ainda não é conhecida em França. Tenho tido contacto com muitas pessoas de áreas dentro da interpretação musical, da música clássica e erudita, e ninguém me sabe dizer o nome de um compositor português. Dito isto, nós temos que apostar mais na divulgação desta expressão que, tal como o fado, faz parte da nossa cultura.
Temos dado também grande apoio à divulgação da nossa literatura, da nossa criação artística, a arte do saber fazer, a arte das tecnologias, entre outros. São seis as áreas nas quais estamos a trabalhar de uma forma muito afincada para mudar esse paradigma a médio/longo prazo.

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Além dos laços políticos e económicos, em que medida a dimensão cultural desempenha, atualmente, um papel importante nas relações entre Portugal e França?

É muito importante porque a França é um dos maiores consumidores de cultura do mundo. A sociedade francesa é uma sociedade sofisticada, instruída, com um sentido crítico, artístico e literário muito apurado. A sociedade francesa adere em massa a qualquer evento cultural ou artístico, tem essa curiosidade intelectual e sentido crítico muito apurado. Portanto, para o nosso próprio estatuto, enquanto Nação, precisamos divulgar a esta sociedade a complexidade, a riqueza, a diversidade da nossa própria criação artística e cultural.

De que forma a Embaixada facilita a ligação das comunidades portuguesas em França com Portugal e de que forma tem procurado incentivar os jovens portugueses em França a manterem e celebrarem suas raízes culturais portuguesas?

Temos tentado fazer um enorme esforço de mobilizar as nossas comunidades portuguesas, sobretudo os jovens, naquilo que é aprendizagem da Língua Portuguesa. A Língua Portuguesa tem estado em declínio muito acentuado, o que significa que os lusodescendentes não estudam a Língua Portuguesa. Isso, com o tempo, torna muito mais fluído o laço com Portugal. Ninguém ama verdadeiramente o seu país se não conhece a sua cultura ou não fala a sua própria língua. Acho que é muito importante todos fazermos um esforço nesse sentido. Nós, enquanto comunidade, temos que fazer um esforço para haver maior interesse pela Língua Portuguesa. Acho que esse é um aspeto do nosso país que é importante desenvolver aqui e que tem ainda um espaço muito amplo de melhoria.

A língua portuguesa é uma ferramenta essencial para a preservação e transmissão da cultura nacional às gerações mais jovens. Através do ensino da língua portuguesa, as comunidades portuguesas em França garantem que as tradições, valores e histórias do seu país de origem são mantidos e celebrados. De que forma a Embaixada apoia os esforços de promoção da língua portuguesa em França, especialmente no contexto educacional?

Temos feito um enorme esforço. Portugal tem mais de 100 professores, pagos pelo Estado português, que vêm para França para ensinar a Língua Portuguesa, essencialmente, às comunidades portuguesas. No entanto, temos cá 14 mil alunos. Tem que ser feito um esforço conjunto. O Estado português tem de fazer o esforço de enviar os professores e a comunidade fazer o esforço de ter esse interesse.
Sei que muitas famílias, com o objetivo de facilitar a integração dos seus filhos na sociedade francesa, acabam por apenas falar francês com eles. No entanto, acho que se pode ser, simultaneamente, um exemplar cidadão francês e um bom português. Uma coisa não é incompatível com a outra. Nós podemos ser bons franceses e bons portugueses ao mesmo tempo. Podemos amar e respeitar a França e, ao mesmo tempo, ter este respeito e amor profundo pelas nossas raízes, pela nossa identidade.
A Língua Portuguesa é uma das mais faladas do mundo e é a língua que mais cresce no Hemisfério Sul. Portanto, quando aprendemos a Língua Portuguesa ficamos com um instrumento de trabalho útil no mercado internacional. Para as comunidades, aprender a Língua Portuguesa não é apenas importante por um aspeto de identidade, mas também porque se afigura cada vez mais como um importante instrumento de trabalho internacional. Aprender línguas é sem dúvida uma importante vantagem competitiva na formação dos jovens.

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