Quantos somos…afinal?
Conselho das Comunidades Portuguesas
Li recentemente no jornal CM, (edição de 5 de dezembro 2020), um artigo sobre este tema, que embora muito bem elaborado em detalhe, com mapas e gráficos ilustrativos, peca no sentido de não ter sido realizado um estudo mais profundo e consistente, o que incendeia mais ainda a opinião pública e tarda em apurar uma conclusão exata e final: se na realidade somos ou não 15 milhões de portugueses ou se se ultrapassa este número.
O ridículo número apresentado pelo CM nesse artigo, que existem 36 portugueses na Namíbia, é de lamentar e demonstra que não houve nenhum levantamento a sério prévio que dê alguma credibilidade ao dito artigo, mas inspirou-me a tentar repor a verdade sobre a presença e emigração de portugueses na Namíbia.
Os primeiros portugueses a chegarem à Namíbia, em 1486, foram um punhado de bravos marinheiros liderados por Diogo Cão que foram também os primeiros a explorar a costa leste de África e plantaram um padrão num sítio a que deram o nome de Cabo do Padrão (Cape Cross), mesmo às portas do que se chama hoje a Costa dos Esqueletos, “terra que Deus criou com raiva” e reza a história “que os restos mortais desse nobre e distinto descobridor que aqui faleceu e foi enterrado algures nesta hostil e ríspido deserto, mas igualmente fascinante, fazendo parte dos milhares de esqueletos humanos, de baleias e de barcos naufragados que salpicam esta costa.”
Seguiu-se em 1488 outro nobre descobridor, Bartolomeu Dias e seus destemidos marujos, que também deixaram a sua marca nesta inóspita costa, ao implantar um padrão, num sítio que se chama hoje Dias Point, no sul da Namíbia, muito perto da cidade de Luderitz.
Recentemente foi descoberto na praia de Oranjemund, cidade diamantífera ao sul da cidade piscatória de Luderitzos destroços da nau portuguesa “Bom Jesus” que ali naufragou em 1530, contribuindo assim para o mais vasto cemitério de embarcações e tripulantes nesta costa do deserto da Namíbia.
Entre 1884 e 1915 a Namíbia esteve debaixo da administração colonial alemã, altura em que a África do Sul invadiu e anexou o território ao regime sul-africano, a pedido da Inglaterra, quando começou a primeira grande guerra mundial e manteve o controle até à independência da Namíbia em março de 1990.
A partir do princípio dos anos 60, e enquanto ainda se chamava South West Africa (hoje Namíbia), começaram a aparecer os primeiros emigrantes portugueses, alguns oriundos da Madeira, que se dedicaram a estabelecer pequenos comércios de bens alimentares e outros profissionais oriundos de Portugal, alguns via Angola, que encontraram facilmente emprego, porque nessa altura havia uma grande falta de mão de obra.
Também em meados de 1960, a pequena cidade de Luderitz, que na altura tinha uma população estimada em 600 habitantes, era invadida anualmente por cerca de 250 pescadores portugueses, todos oriundos da Ilha da Madeira e por algumas embarcações portuguesas na altura da época da pesca da lagosta, quando terminava a época piscatória na Cidade do Cabo. Muitos por ali ficaram ou mudaram-se para Walvis Bay o centro piscatório da Namíbia.
Por essa altura Portugal estabelece um posto Consular em Windhoek, capital da Namíbia e surge então o primeiro clube português, denominado SWAPA (South West Africa Portuguese Association), que teve alguns problemas com o nome pois confundia-se com o grupo de libertadores da Namíbia, SWAPO (South West Africa People’s Organization), na altura considerado um grupo de terroristas, hoje o partido no poder.
Mas a verdadeira explosão de emigrantes portugueses, teve início no princípio dos anos 70 com a intensificação da guerra colonial em Angola e culminou em meados dessa década, após o abandono de Portugal e a instalação da guerra civil em Angola. Talvez a expressão “emigrantes” não seja a mais correta e penso que o termo mais adequado seja “refugiados”.
Foram milhares de Portugueses que atravessaram a fronteira do sul de Angola e se refugiaram na Namíbia, muitos deles emigraram depois para o Brasil e para a África do Sul enquanto alguns regressavam forçadamente para Portugal.
Mas a sua maioria, sem recursos financeiros para irem mais longe acabaram por se radicais neste país, onde não encontraram grandes dificuldades de empregabilidade, pois a Namíbia vivia uma fase de créscimo e expansão económica.
Surgem os clubes portugueses um pouco por todo o lado, pois era necessário um espaço para se conviver e trocar informação sobre as experiências de adaptação a um país onde existiam três línguas oficias (Inglês, Afrikaans e Alemão) e as dificuldades e saudades diárias eram uma constante. A Associação Portuguesa de Windhoek, na capital com o maior aglomerado de portugueses, a Associação Portuguesa de Tsumeb cidade mineira no norte do país, com um forte componente de portugueses, o Marítimo Sport Clube em Walvis Bay, cidade piscatória com muitos portugueses na sua maioria madeirenses ligados ao sector da pesca e a Associação Portuguesa do Okahandja, cidade a norte de Windhoek, que na altura tinha um considerado número de portugueses, que ali construíam um nova barragem.
No centro de Windhoek, numa rua estreita e curta só para pedestres, havia um hotel que se tornou de imediato no ponto de encontro preferido dos portugueses, uma farmácia e o consultório de um médico cujas empregadas que falavam português, uma agência de viagens que prestava os mais variados serviços e apoio aos portugueses, desde da tradução de documentos à assistência na procura de emprego. Eram centenas de portugueses que ali diariamente se encontravam e que era conhecido por “Rossio dos Pobres”.
O posto consular foi elevado a Embaixada e aos bocadinhos a Comunidade Portuguesa começava a integrar-se no seu novo país de acolhimento.
Hoje vivem na Namíbia perto dos 2500 portugueses, cerca de 2460 mais que o dito jornal atribui.
Será que falta este número para chegarmos aos 15 milhões ou será que ultrapassa os 15 milhões?