Os Tauros do Vale do Côa

Um vale quase esquecido espraia-se entre enormes fragas e resilientes amendoeiras alinhadas em fila indiana. O Grande Vale do Côa é, diria que sempre foi, terra de histórias, terra de lobos famintos, de pastores afoitos; terra de guerreiros pré-históricos que gravaram nas rochas xistosas a marca e a memória de imponentes auroques e cavalos selvagens. Ora, esse mesmo vale, foi recentemente, testemunha de um novo capítulo da sua história – a introdução de uma manada de tauros em regime semi-selvagem. O seu nome mais não é que uma sentida homenagem ao touro de Zeus relacionado com o mito da origem do nome “Europa”. Hoje, os tauros pintam o mosaico do Vale do Côa, na região Nordeste de Portugal, como se de gravuras vivas se tratassem, a fazerem lembrar a arte rupestre de outros tempos. Pastam os lameiros e devoram matos rasteiros, perfeitamente integrados na paisagem envolvente. E, diga-se, em abono da verdade: os tauros são, seguramente, dignos representantes dos seus antepassados – os extintos auroques. Mas, afinal, que criaturas são estas? Os tauros mais não são que uma nova raça de bovinos, se assim lhe podemos chamar, resultante do cruzamento de várias raças autóctones originárias de vários países europeus, cuja identidade genética se acredita estaria mais próxima dos seus parentes selvagens.
O objectivo desta seleção genética terá sido muito claro: por um lado, replicar a aparência dos extintos auroques; por outro, recuperar o seu papel ecológico na natureza.
Os tauros são animais muito ágeis, tendo em conta a sua envergadura. Destacam-se os grandes chifres que ostentam e o olhar atento e penetrante. A sua presença nos matagais pedregosos do Vale do Côa visa a restauração do equilíbrio ecológico daquela região, através do controlo da vegetação, da redução do risco de incêndios e da promoção da biodiversidade, tornando os ecossistemas mais resilientes às alterações climáticas. A introdução destes herbívoros de grande porte, a par dos cavalos de raça Sorraia, deve-se a um projecto desenvolvido pela Rewilding Portugal e conta com o apoio da Fundação Taurus e da comunidade local. Todavia, o que hoje acontece no Vale do Côa não é um caso isolado. Por toda a Europa têm florescido iniciativas semelhantes. É o caso dos Países Baixos, em cuja reserva de Oostvaardersplassen foram introduzidos grandes herbívoros – os cavalos konik e os bovinos Heck – que, tal como os tauros têm tido um papel determinante na alteração da paisagem. Também na Roménia, mais concretamente na região dos Cárpatos, foi reintroduzido o bisonte europeu.

Aqui ao lado, em Espanha, o destaque vai para os projectos de rewilding implementados nas serras de Palência e de León, os quais serviram para recuperar territórios abandonados e devolver vida às florestas e aos rios da região. Na Escócia, optou-se pela reintrodução de castores para devolverem equilíbrio hídrico e promoverem a biodiversidade em ecossistemas degradados.
Perante todas estas fantásticas iniciativas de rewilding poderemos concluir que, os territórios despovoados do interior poderão ser vistos como uma grande oportunidade para devolver vida e equilíbrio à natureza. Os tauros do Vale do Côa são disso exemplo e um caso de sucesso muito interessante.
O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico








