Grande Entrevista Deputado Paulo Pisco
Político português do Partido Socialista, eleito pelo Círculo da Europa
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco é um deputado e político português do Partido Socialista,
eleito pelo Círculo da Europa. As suas habilitações académicas incluem uma licenciatura em Filosofia e uma pós-graduação em Estudos Europeus.
Pertence à Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e à Comissão de Assuntos Europeus. O Grão-Ducado do Luxemburgo condecorou-o com a Ordem de Mérito.
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco, deputado, na Assembleia da República no XIV pela legislatura do Partido Socialista. Quem é o Paulo Pisco e o que gosta de fazer?
Eu gosto de muito de ler, de viajar, de estar com amigos e de ir à praia. Tenho uma grande paixão por música, principalmente Bossa Nova e jazz. Tenho, aliás, uma imensa coleção de Cd’s de que me orgulho muito.
No início da vida académica, realizou uma licenciatura em filosofia e mais tarde fez uma pós-graduação em Estudos Europeus. Como surgiu o interesse por este curso?
Eu era jornalista e fui trabalhar para o Parlamento Europeu. Entretanto, tive a oportunidade de fazer uma pós-graduação em Estudos Europeus na Universidade Livre de Bruxelas, na altura em que era assessor do grupo parlamentar.
A Universidade Livre de Bruxelas é uma universidade muito prestigiada na área dos assuntos europeus e fiquei muito satisfeito por ter feito o curso, que me serviu imenso na minha vida profissional. Este curso permitiu-me ter uma visão muito mais alargada da Europa e também uma perspetiva académica, que foi muito importante para mim. Eu considero-me profundamente europeísta e tenho um enorme interesse por todas as temáticas relacionadas com a construção europeia.
Como nasce o gosto pela política e início de carreira?
O gosto pela política sempre o tive. Começou precisamente nas discussões que tínhamos à mesa em casa, sobretudo com o meu pai, que tinha uma opinião diferente da minha. E quando era jornalista escrevia sobre política, primeiro nacional e, depois, europeia… e acabei por seguir esse caminho. Inicialmente fui para o Grupo Parlamentar do Partido Socialista do Parlamento Europeu. Tornei-me depois Presidente da Federação do PS no BENELUX. Mais tarde, fui eleito deputado do PS pelo Círculo da Europa. Aliás, fui dos primeiros residentes no estrangeiro a ser eleito para a Assembleia da República, porque até aquele momento todos os candidatos, creio que, com exceção de um, eram oriundos de Portugal.
Em que consiste o trabalho (missão) de um deputado, no seu caso eleito pelo Círculo da Europa? Como organiza a sua vida no dia a dia?
É um trabalho muito gratificante, porque se trata verdadeiramente de uma missão, de pôr em evidência a importância das nossas Comunidades, de as defender, de ajudar a resolver os seus problemas, acompanhar a sua atividade e participar nas suas iniciativas e fazer a sua representação. Em Portugal é necessário ter uma aproximação mais natural com os portugueses residentes no estrangeiro; a própria administração pública precisa de se adaptar melhor às especificidades das exigências burocráticas dos portugueses residentes no estrangeiro. É um trabalho de grande importância, tanto mais que as nossas Comunidades são muito vastas , inovadoras, influentes e desempenham um papel de grande relevância em todos os países de acolhimento. E, apesar disso, têm uma importância que nem sempre é devidamente reconhecida no nosso país.
O facto de, desde 2016, se celebrar o Dia de Portugal junto das Comunidades é também uma evidência desse reconhecimento acrescido da sociedade e das instituições de portugueses. Mas existe sempre muito trabalho a fazer para aproximar mais os portugueses residentes no estrangeiro do nosso país, com as instituições e com a nossa sociedade, para que possa existir um relacionamento mais fluído. Gostava muito que não houvesse nenhuma distinção, porque realmente não há, entre um português residente no estrangeiro e outro em Portugal. Portugal é sempre o lugar de reencontro dos portugueses que vivem no estrangeiro. E há sempre uma grande curiosidade dos portugueses residentes no estrangeiro e dos lusodescendentes em reencontrarem as suas raízes e origens.
Sente que muitos portugueses não voltam porque não se sentem valorizados?
Muitas vezes não voltam porque criaram raízes nos países para onde foram. Mas também pode acontecer não sentirem que a força do seu trabalho não é suficientemente valorizada; mas no final, creio que é sempre no nosso país que nos sentimos melhor, falamos a mesma língua, conhecemos as regras, as pessoas.
Que espaço ocupa o jornalismo na sua vida?
Ser jornalista é como andar de bicicleta: depois de aprendermos fica para sempre. E eu sou jornalista e continuo a exercer, porque escrevo muito e gosto muito de escrever. E escrevo com facilidade, o que ajuda muito porque fiz esse percurso como jornalista e tive essa formação. Daí que, muitas vezes, sou eu o assessor de imprensa de mim próprio.
Tendo vivido e estudado em Bruxelas. Quais os elos profissionais e emocionais que o ligam a essa cidade?
Tenho uma ligação forte a Bruxelas, porque, desde logo, a minha filha nasceu lá. Mas também porque ainda lá tenho muitos amigos e muitos também por toda a Europa, que conheci enquanto estive em Bruxelas.. Por isso, será sempre para mim uma cidade especial e muito familiar. Também porque tive uma boa experiência profissional e política e uma boa experiência académica e pessoal. E viver em Bruxelas só reforçou o meu sentimento e amor pela Europa e por tudo o que significa este espírito de partilha que existe entre os europeus. Aliás, recordo-me muito bem que entre os primeiros artigos que escrevi para os jornais estavam artigos sobre a importância da União Europeia. Portanto, a minha ligação a Bruxelas é muito forte por muitas razões, entre elas porque foi a partir de Bruxelas que me lancei de forma mais determinada na política e também porque a primeira vez que fui eleito para a Assembleia da República era lá que vivia.
Durante uma entrevista falou das transformações que as Comunidades têm sofrido devido à pandemia. Pode falar-nos um pouco sobre esse assunto e as principais preocupações relativamente às Comunidades portuguesas?
A pandemia trouxe diversas transformações à vida das nossas comunidades. Desde logo, porque muitos portugueses residentes no estrangeiro tiveram que abandonar os seus projetos de vida e muitos tiveram mesmo de regressar a Portugal, obviamente porque se sentiam mais seguros no seu país. Por outro lado, nas próprias estruturas das Comunidades, a nível associativo, houve uma dinâmica muito negativa devido aos confinamentos e as limitações à mobilidade, levando ao encerramento, em alguns casos definitivo, de muitas associações. O movimento associativo é um instrumento muito relevante para a nossa presença no estrangeiro, porque permite uma maior ligação entre as Comunidades e as e as instituições locais. O meu receio é que, com o encerramento de algumas associações, uma parte da nossa história se perca. A nível consular houve também uma redução do número de funcionários em trabalho, e deixou de haver presenças consulares, o que afetou muitos dos portugueses que vivem mais longe dos postos consulares para resolverem os seus problemas.
Sentiu maior dificuldade em exercer as suas funções desde que começou a pandemia?
Estive praticamente um ano e meio sem viajar, sem ir ao encontro das comunidades, e antes da pandemia todas as semanas tinha saídas. Entre março de 2020 e maio de 2021 fiz cinco deslocações, o que normalmente faria em três ou quatro semanas. Obviamente, eu procurei acompanhar as nossas Comunidades e os seus problemas através de reuniões virtuais para perceber o que passava e como estavam a reagir em termos associativos, sociais e consulares.
Recentemente numa entrevista à Descendências o Prof. Paulo de Morais sugeriu que na Europa não faz sentido termos Embaixadas e devíamos antes criar uma forte rede Consular, com pequenas lojas de cidadão e nas mesmas instalações escolas de ensino de Português. Partilha desta opinião?
Não. As embaixadas continuam a ser indispensáveis, porque a função das embaixadas é totalmente diferente da dos consulados. As embaixadas tratam das relações bilaterais entre os países, e a função dos consulados é responder aos seus problemas administrativos e acompanhar a vida das nossas comunidades. No entanto, dada a importância das nossas Comunidades, os embaixadores são cada vez mais solicitados a ter maior intervenção e presença junto das nossas Comunidades. É absolutamente indispensável que continuem a existir embaixadas e consulados. Os consulados deverão ser objeto de melhorias para aumentar a sua capacidade de resposta relativamente a todo o tipo de necessidades dos portugueses que estão no estrangeiro. Nos últimos anos tem havido uma modernização dos nossos postos de atendimento consular, de forma a melhorar os serviços prestados.
Que importância tem o relatório que elaborou “por uma política europeia para as diásporas”? Como é que os estados membros conseguem chegar a um consenso sobre esta temática?
Esse relatório é muito importante. Sugeri o tema e batalhei para ser o autor do relatório, que depois veio a ser aprovado numa sessão plenária da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. É um relatório importante, desde logo porque coloca as diásporas na agenda dos governos para que possam ser valorizadas, tanto relativamente aos países de acolhimento, como em relação aos países de origem. E as diásporas são uma realidade incontornável tanto no espaço da União Europeia como nos 47 países do Conselho da Europa e, na realidade, em todo o mundo. A história da Europa e do mundo é feita de mobilidades, de deslocações de um sítio para outro, levando as pessoas a constituírem-se em grupos, em comunidades… Estando em lugares diferentes daqueles de onde são originários, as pessoas têm necessidades específicas, quer a nível económico, de trabalho, cultural, associativo, de vida social, de criação de laços, tanto com o país de acolhimento como com Portugal.
Só nos países da União Europeia existem cerca de treze milhões de cidadãos comunitários a viver noutro Estado-membro. Além disso, existem cerca de vinte e um milhões de cidadãos de países terceiros, o que significa que temos mais de trinta milhões de cidadãos de outros países que se constituem em diásporas, alguns dos quais com relações difíceis com os seus países de origem. E cada país tem uma maneira diferente de se relacionar com as suas diásporas, com mais ou menos políticas e com mais ou menos direitos. Há países que têm excelentes relações com as suas diásporas, como a Irlanda, mas depois não lhes confere direitos de participação política. Mas, varia muito de país para país. Portugal é uma grande referência em termos mundial quanto à relação que tem com a sua diáspora, em virtude da sua representação no Parlamento, de políticas públicas definidas no Governo e da proteção na Constituição.
As recomendações destes relatórios são essencialmente três: primeiro, para que se crie um livro branco sobre as diásporas, para se saber melhor como cada país lida com os seus cidadãos residentes no estrangeiro, que estruturas de relacionamento têm, que programas e políticas lhes são dirigidos. A segunda recomendação, é para que se faça um mapeamento das diásporas de forma a conhecer melhor quem são, quantos são, onde estão, o que fazem e quais as suas expetativas relativamente aos países de acolhimento e de origem, o que permitirá depois desenhar melhores políticas públicas.
Por último, recomenda-se a criação de um fórum europeu das diásporas, para que se troquem experiências e conheçam os problemas de uns e outros. E, desta forma, também este tema estará sempre presente na opinião pública, assegurando assim uma visibilidade e presença das questões relacionadas com as diásporas.
É importante que não se crie a ilusão de que as diásporas não existem, porque elas estão bem presentes em todo o lado e têm necessidades e expetativas específicas. Na discussão do relatório fiquei particularmente satisfeito pelo facto de o Diretor-Geral da Organização Internacional das Migrações (OIM), António Vitorino, ter sido o orador principal e de ter dito que concordava com as recomendações do relatório e que colocava à disposição do Conselho da Europa todo o saber e conhecimento da OIM. Portugal tem muito a aprender sobre a sua diáspora, mas também pode servir de modelo em muitas coisas neste domínio.
Recebeu a Ordem de Mérito atribuída pelo Grão-Ducado do Luxemburgo. Que reconhecimento foi este? Como se sentiu?
Eu tenho uma relação muito importante com todos os países da Europa, mas tenho uma relação particular com o Luxemburgo por ser já há algumas legislaturas o Presidente Parlamentar do Grupo da Amizade com o Luxemburgo, pelo que sempre procurei intervir para contribuir para o desenvolvimento da relação entre os dois países, em benefício dos dois povos, mas salvaguardando também os interesses da nossa comunidade, que representa cerca de 18 por cento da população total do Grão-Ducado. Tendo o Luxemburgo 18% da sua população de origem portuguesa, considero que os dois Estados têm de ter uma relação e uma responsabilidade muito particular. E é neste sentido que sempre tenho tentado desenvolver a minha ação sempre que Portugal, o Luxemburgo e a nossa comunidade estão em jogo. Creio que terá sido por estas razões que as autoridades luxemburguesas terão decidido atribuírem-me a condecoração com o grau de Cavaleiro da Ordem de Mérito.
Foi aprovado recentemente um conjunto de alterações no processo eleitoral dirigido aos portugueses residentes no estrangeiro. Que medidas são essas e que impacto terão no futuro das Comunidades portuguesas?
A alteração mais importante foi o recenseamento automático, que é para mim uma das medidas mais corajosas e ousadas que algum Governo alguma vez tomou para valorizar para dar voz às nossas Comunidades. Isto permitiu que o número de inscritos nos cadernos eleitorais passasse de cerca dos trezentos e vinte mil para mais um milhão e quatrocentos mil eleitores. Isto tem um significado enorme, sobretudo porque estávamos a assistir de eleição para eleição a uma participação cada vez menor dos portugueses residentes no estrangeiro. Nas eleições legislativas de 2019, a participação aumentou seis vezes!
Como está a correr o projeto do Museu Nacional da Emigração em Matosinhos?
Durante o mês de julho tive uma reunião com a presidente da Câmara de Matosinhos. A criação deste museu nacional é uma forma de todos os portugueses reencontrarem, reconhecerem e viajarem até às suas raízes. A proposta de criação de um Museu Nacional da Emigração é um anseio antigo das nossas comunidades, que ganhou força quando em 2016 apresentei uma moção setorial a um Congresso de PS que foi aprovada e, depois, em outubro de 2017, através de um Projeto de Resolução que foi aprovado na Assembleia da República sobre o mesmo tema. O que defendo é que este museu seja dinâmico, digital, interativo, um lugar de estudo e de reflexão, um lugar onde seja feita a valorização e o reconhecimento de toda a história da emigração portuguesa, de todos os tempos. O poder transformador que a emigração portuguesa tem demonstrado em todos os lugares para onde tem ido é absolutamente notável, e se não procurarmos localizar, identificar, problematizar, reconhecer e divulgar toda essa história riquíssima, provavelmente a tendência será perder-se, como, de resto, muitas coisas já se perderam. O museu vai permitir a centenas de milhar de portugueses residentes no estrangeiro e lusodescendentes recuarem no tempo para descobrirem melhor as suas origens, de onde vêm, de que matéria são feitos. Este projeto tem uma importante dimensão humana, económica, cultural, turística, académica, que de estar sempre bem presente. Com efeito, um país como Portugal, que tem a emigração como parte relevante da nossa identidade coletiva não pode negligenciar esta realidade. Neste momento, ainda não existe prazo para a conclusão do projeto, mas interessa que ele seja retomado, interessa também conseguir os apoios adequados e avançar, de preferências de acordo com os critério que têm sido definidos e que, na minha opinião, deviam seguir o museu da emigração irlandesa, que também é inteiramente digital e retrata a história da emigração irlandesa de uma forma muito positiva, em que é valorizado o papel de cada irlandês no mundo.
Gostava de deixar uma mensagem aos leitores da Descendências Magazine, sabendo que o seu público são os portugueses espalhados pelo mundo?
É nosso dever coletivo valorizar as nossas Comunidades, como sendo parte integrante da nossa nação e de reconhecerem o seu valor: não olharem os portugueses que estão lá fora com distância ou indiferença, ou pior ainda, com preconceito. Não há nada que distinga um português que resida no país ou no estrangeiro. É necessário atribuir o devido valor a todos os portugueses que vivem no estrangeiro e que os reconheçamos e valorizemos, porque a sua importância para Portugal é gigantesca.
Muito obrigada, por nos ter concedido esta entrevista.
Eu é que agradeço esta oportunidade.