D. Américo Aguiar

Bispo auxiliar de Lisboa

Fotografia ©Arthur Costa

É natural de Leça do Balio, Matosinhos, onde nasceu a 12 de dezembro de 1973.
Foi ordenado presbítero em 2001 e nestes dezoito anos serviu a diocese em diversas funções: chefe do gabinete episcopal, pároco, capelão da Misericórdia do Porto, assistente regional dos escuteiros e vigário geral. Destaque para a sua presidência da Irmandade dos Clérigos desde 2011 onde deixou marca, recuperando o ex-libris da cidade do Porto para uma grande projeção nacional e internacional.
Foi Diretor do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Conferência Episcopal Portuguesa. Presentemente, preside ao Conselho de Gerência do Grupo Renascença Multimédia. No dia 31 de março de 2019, na Igreja da Trindade, no Porto, foi nomeado bispo auxiliar de Lisboa, sendo-lhe atribuído o título de bispo de Dagno.

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Muito agradecidos por nos conceder a honra desta entrevista.

Eu é que agradeço o vosso generoso convite e a honrosa disponibilidade dos vossos estimados leitores.

Nomeado pelo Papa Francisco Bispo Auxiliar de Lisboa em 31 de março de 2019. Como sentiu este momento, esta nomeação e esta responsabilidade acrescida no seio da igreja?

Num primeiro momento, a palavra mais verdadeira é emoção. Seguiu-se a consciência da dimensão da escolha pontifícia e ao mesmo tempo, da minha pequenez e limitação.

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“In Manus Tuas” é o seu lema episcopal. Como tem sido vivida esta responsabilidade, nesta homenagem ao antigo bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos, que tinha o mesmo lema, mas também, as últimas palavras de Jesus Cristo na cruz?

É como diz, a escolha do lema é a minha homenagem ao muito saudoso Bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos, que faleceu aos 69 anos, no dia 11 de Setembro 2017. Mas é sobretudo, a força das palavras de Jesus, que tiveram no fim de semana da minha ordenação episcopal, um especial significado. Fui ordenado na tarde do dia 31 de Março e o funeral da minha mãe realizou-se nessa mesma manhã. Ela faleceu na manhã de sábado, 30 de Março e quando fui informado da sua hospitalização estava nos ensaios da celebração de ordenação. Com a generosidade fraterna do cerimoniário ausentei-me e fui para o hospital. Na tarde de Domingo estava totalmente IN MANUS TUAS…

Decorridos quatro anos, que balanço faz como Bispo Auxiliar de Lisboa? Quais têm sido os principais desafios?

Os balanços são mais verdadeiros quando feitos pelos outros… o próprio dificilmente é isento. Tenho, no entanto, a ideia de ser necessário cada vez mais e mais da minha parte. A sorte é que Deus completa sempre. Quanto aos desafios são vários: acompanhar pastoralmente as paróquias da Cidade de Lisboa (5 vigararias, arciprestados ou ouvidorias consoante a geografia de cada leitor); ser Moderador da Comissão de Proteção de Menores do Patriarcado de Lisboa; presidir ao Grupo Rádio Renascença e organizar a próxima Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023. E sempre… tudo mais que for necessário.

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Já conseguiu virar a página ou sente saudades de tudo o que deixou para trás no Porto, de todos os desafios que abraçou?

Tenho o Porto no coração. É o meu ADN. Mas o Porto é muito mais que um lugar… estando a 300 ou milhares de kms transporto sempre ser do Porto. Estou certo que cada leitor entenderá e poderá dizer e sentir o mesmo em relação às suas origens. Mas nada disto me condiciona em relação a Lisboa ou a qualquer outra geografia. A prioridade e urgência são as pessoas, cada pessoa… tudo o resto é relativo. Podemos momentaneamente, pensar que somos indispensáveis ou insubstituíveis, mas a primavera continua sempre.

Quando assumiu funções como Bispo Auxiliar de Lisboa, deixou a Direção do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, mas mantém-se à frente do Grupo Renascença Multimédia. A comunicação social e os media, sempre foram um gosto e um desafio pessoal?

Em Julho de 2015 quando o senhor D. António Francisco dos Santos acedeu ao pedido que os Cónegos João Aguiar (meu antecessor na Renascença) e Álvaro Bizarro (Patriarcado de Lisboa) lhe fizeram de ser eu o próximo responsável pelo Grupo Renascença, nunca tal me tinha passado pelo pensamento… nem em sonhos e muito menos em pesadelos, nunca. Um dia outra pessoa se seguirá. Já agora acrescento que ser eclesiástico não é nem poderá ser condição para estas funções. O atual mandato termina no verão de 2021.

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Como avalia a igreja em Portugal, do ponto de vista da fé e da atitude dos Homens perante a fé cristã, perante os valores da Igreja, mas sobretudo, os valores humanos, do amor, da solidariedade, do respeito pelo próximo? A Igreja tem conseguido passar essa mensagem de fé e de amor ao próximo?

Nas questões da fé há sempre muito caminho a percorrer. Cada pessoa merece toda a nossa entrega, de uma forma única. E a Igreja em Portugal, somos todos nós, todos os que procuram viver os valores de que fala, com alegria, esperança e caridade…a avaliação torna-se pessoal. No meu caso, a resposta é afirmativa.

Construir lideranças religiosas cada vez menos institucionais, num quotidiano mais próximo das pessoas, da sociedade, dos seus problemas, pode ser um caminho a seguir para a conquista de uma imagem positiva da igreja, do seu papel e da sua ação?

O modelo é e deverá ser sempre, Cristo o Bom Pastor. Como nos tem dito o Papa Francisco, repetidamente, precisamos de pastores que conhecem o cheiro das ovelhas, próximos de Deus, do seu Bispo e Presbitério e do povo que lhes é confiado.

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Como Bispo Auxiliar de Lisboa, o que considera ser a função e a urgência da Igreja?

A minha função primeira é auxiliar o pastor da igreja de Lisboa, o senhor Cardeal Patriarca, D. Manuel Clemente, no seu cuidado pelos padres, diáconos, religiosos, consagrados, leigos e todo o povo em geral. Lisboa viveu recentemente a realização de um sínodo diocesano e estamos nesse caminho sinodal, que nos fala da urgência, da vontade, do sonho de chegar a TODOS. O ano pastoral que agora finda foi vivido sob a temática da CARIDADE e atendendo à Pandemia será também a temática do ano pastoral 2020/2021.

Recentemente, temos sido surpreendidos com novos casos de abusos sexuais no seio da Igreja Católica em Portugal. O relatório da Comissão Independente aponta que mais de 4800 crianças e jovens foram abusados nos últimos 70 anos. De que forma está a Igreja portuguesa a trabalhar no sentido de criar condições para que não se permitam, de modo nenhum, a ocorrência deste e de qualquer tipo de abuso?

Estes casos não deviam, não devem e não deverão acontecer. Transparência e tolerância zero são as palavras de ordem. O Papa Francisco ordenou que todas as dioceses do mundo criassem Comissões próprias para tratarem este assunto e o prazo para que tal acontecesse terminou em meados de junho. Em Portugal estão criadas todas as comissões, 20 diocesanas e 1 do Ordinariato Castrense. Acredito e estou totalmente empenhado para que tudo decorra da melhor forma, salvaguardando sempre as vitimas. Trabalhar na Prevenção é um dos grandes desafios que as Comissões também abraçam. A Igreja e a sociedade em geral têm caminho a fazer. Todos somos responsáveis por criar condições que não permitam, de modo nenhum, a ocorrência de qualquer tipo de abuso . E se acontecer não pode existir qualquer dúvida quanto à sua prioridade.

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Depois dos resultados do relatório da Comissão Independente, a hierarquia da Igreja portuguesa pediu publicamente perdão pelos crimes sexuais cometidos contra menores pelo clero católico. O impacto junto das vítimas é indiscutível, mas qual tem sido o impacto deste escândalo junto da Igreja?

A Igreja somos todos nós. Penso que ninguém ficou indiferente, antes pelo contrário, todos sentimos a dor de quem reconhece o drama dos abusos sexuais contra menores. Mas também precisamos de reconhecer que milhares e milhares de crentes continuam a ir à Missa ao Domingo e o Santuário de Fátima continua a receber peregrinos de todos o mundo. Saliento que a Igreja continua a insistir na tolerância zero em tudo o que diga respeito a abusos cometidos contra menores ou pessoas vulneráveis em contexto de vida da Igreja.

A exortação apostólica do Papa Francisco em março de 2019, sobre os jovens, Christus Vivit, a par da próxima edição das Jornadas Mundiais da Juventude em Portugal, são uma oportunidade de apelo à participação e à sua reaproximação à Igreja?

Quem poderá esquecer o pedido do Papa Francisco aos jovens, para que saíssem do sofá e se lançassem à vida, uma vida mais atenta aos pobres, aos refugiados, aos mais velhos, mais participativa na defesa do planeta Terra…? Uma vida menos centrada no ter e mais atenta ao ser. A Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, será certamente mais um momento inesquecível nesta dimensão de todos nos sentirmos interpelados a viver em Igreja. A evangelização dos jovens, tal como a educação dos jovens, a saúde dos jovens, o seu empenho e os seus valores são o garante da sociedade que todos queremos mais justa e solidária.

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Tendo os jovens como protagonistas, a Jornada Mundial da Juventude de 2023, cuja responsabilidade e operacionalidade foi entregue à Diocese de Lisboa, procurará uma vez mais dar um novo impulso à fé, à esperança e à caridade de toda a comunidade do país de acolhimento. Considera esta uma oportunidade única de, junto dos jovens, preparar e garantir um futuro melhor do ponto de vista da fé cristã e de uma sociedade mais justa e mais solidária?

Não sou capaz de afirmar que é uma oportunidade única. Em questões de Fé, Jesus Vivo e Ressuscitado é que sabe qual é a oportunidade única para cada um de nós. Mas que será certamente um tempo único para Portugal inteiro, um tempo em que somos convidados a abrir as portas de nossas casas, do nosso tempo, dos nossos corações, a conhecermos a juventude do mundo inteiro e assim o seu futuro, isso sim, certamente…

Afirmou que “nós, portugueses, seremos capazes de – como se diz nos Jogos Olímpicos – fazer a melhor Jornada Mundial da Juventude de sempre”. Falamos de entusiasmo ou esta é efetivamente uma meta a atingir?

Somos portugueses e gostamos muito da expressão «melhor de sempre» … claro que o entusiasmo foi e é muito grande. Mas na realidade, a nossa meta é receber o melhor que formos capazes, todos os peregrinos que cheguem a Portugal para participar na JMJ. Queremos também receber o melhor que pudermos o Papa Francisco e todos os que o acompanham. Essa é a meta e acredito que tenha sido assim em todos os países que já acolherem outras Jornadas.

Caminhamos a passos largos para acolher o encontro católico, que contará com a presença do Papa Francisco e que decorrerá entre 1 e 6 de agosto. Que podemos esperar desta edição?

Muitos milhares de jovens, uma confusão enorme nas ruas, nos restaurantes, nos transportes. A alegria da música e da dança um pouco por toda a cidade. Centenas de jornalistas e repórteres. Muito sol, muita beleza e as palavras únicas do Papa Francisco. Esperamos também que se torne inesquecível o acolhimento do povo português, que se destaca sempre e em todas as situações, pela sua qualidade e generosidade.

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Tem vindo a afirmar que “O mais importante da jornada não é a jornada, mas a sua preparação e depois o que se segue à jornada”. O que isso significa na prática?

Exatamente o que disse. Os dias da Jornada passam a voar, de tão cheios que estão de acontecimentos, de programas, de encontros. Mas o que temos vivido por todo o Portugal, continente e ilhas, na Peregrinação dos Símbolos já é um verdadeiro tesouro, que não podemos esconder ou enterrar. O futuro será aquilo de que formos capazes…

Considera que esta iniciativa mundial, para além de proporcionar a todos os participantes uma experiência de Igreja universal, fomentando o encontro pessoal com Jesus Cristo, poderá também impactar positivamente outras áreas e setores do nosso país?

O impacto de uma iniciativa desta dimensão é importante a todos os níveis e naturalmente, também ao turismo. Os jovens vão chegar antes da Jornada, vão visitar a cidade e circular pelo país. Alojamentos, transportes, alimentação, bens de consumo… e muitos irão querer voltar, passar a palavra…Portugal tem esta caraterística: quem nos visita, quer voltar! Para não falar de tudo o que diz respeito à preparação da Jornada, que terá também, um impacto relevante em muitas dimensões da nossa vida económica. Haverá maior e melhor publicidade para o nosso país, do que anunciar a milhões de jovens de todo o mundo, este evento? Todos estes jovens serão certamente embaixadores de Portugal no mundo…

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A dois meses da Jornada Mundial da Juventude, o Papa Francisco divulgou um vídeo dirigido aos jovens que se preparam para o evento. O líder da Igreja Católica pede aos mais novos que se foquem na “esperança” e no “entusiasmo”. Que mensagem gostaria também de deixar?

Gostei muito daquela expressão famosa do Papa dirigida aos jovens: «levantem-se do sofá» e também de uma outra «Façam confusão, façam barulho». Precisamos de jovens inquietos com o mundo e determinados em fazer a diferença. E acredito que a Esperança que Jesus nos dá com a sua Ressurreição é um verdadeiro motor para uma vida nova.

Falemos agora de um dos temas fraturantes da igreja: a eutanásia. Recentemente, o Presidente da República devolveu à Assembleia da República, sem promulgação, o projeto de lei que despenaliza a morte medicamente assistida. Pergunto-lhe, falamos do direito à vida ou do direito a escolher morrer com dignidade?

Prefiro a expressão viver com dignidade. Viver com dignidade até quando Deus quiser. Mais do que legitimar a eutanásia, precisamos de ter cuidados paliativos sem discriminações sociais e económicas; precisamos de cuidar dos idosos com dignidade; precisamos de respeitar a Vida, que na verdade é o bem mais precioso que existe.

A longa-metragem “Amén. Francisco responde” apresenta uma conversa de mais de uma hora entre o Pontífice e 10 jovens – quase todos distantes da Igreja – que o questionam sobre as principais preocupações da sua geração em relação às posições da Igreja: identidade sexual, feminismo, aborto, migração, abusos, perda da fé e o papel da mulher. Qual a importância que esta conversa tem para desmistificar alguns preconceitos dos jovens em relação à igreja, mas também para os aproximar da Igreja?

Penso que o maior valor desta conversa que o Papa Francisco teve com um grupo de jovens, nos mostra de forma exemplar o que significa a palavra «escutar». Saber escutar o outro, sem o interromper, nem julgar. Mas ser também capaz de responder sem hesitações, nos valores e nas palavras. E escutar os jovens, significa escutar o presente é bom não esquecermos. Aceitar este encontro, esta diversidade de vidas, dores e anseios é claramente uma aproximação, uma barreira que se afasta. O Papa quer anunciar a paz e o amor de Jesus ao mundo inteiro.

Fotografia ©Arthur Costa
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O caminho passa sempre pelo diálogo, compreensão e partilha de opiniões?

Eu diria que começa sempre pelo diálogo, a compreensão e a partilha de opiniões. Depois é preciso fazer o caminho, tomar decisões, escolher o que se quer e o que não se quer.

Na sua opinião e dos dados de que dispõe, como estão a evoluir em Portugal as vocações sacerdotais? A cobertura nacional de padres por paróquias/dioceses é suficiente? Existe porventura uma crise de vocações?

Compreendo que a pergunta se faça nestes termos, mas não gostaria de falar de crises de vocações, ou da falta de cobertura nacional de padres… as vocações não se encomendam, não se compram nem se vendem. Pode acontecer o tal lavrar da terra, mas optar por Deus de uma forma tão radical é mais do que nunca, uma decisão pessoal. Claro que muitos Padres têm a seu cargo inúmeras comunidades, principalmente no interior do país. E a maioria acumula esta realidade com outras funções e serviços à Igreja. Faz parte do compromisso que assumimos no dia da ordenação. Temos de trabalhar com o que temos e não com o que gostaríamos de ter. Andamos nisto há mais de dois mil anos e assim será até quando Deus quiser. Não esqueçamos de permitir ecoar no nosso coração e nas nossas orações as palavras de Jesus: A messe é grande e os trabalhadores são poucos. Pedi ao Senhor da Messe trabalhadores…

Deseja fazer uma saudação especial dirigida aos milhões de portugueses que vão ter o gosto de ler a sua entrevista? Que mensagem deixaria hoje aos portugueses que residem no território nacional e às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo? Pode inclusivamente, aproveitar o momento para uma mensagem de divulgação da JMJLisboa2023.

Começo por agradecer. Quem lê uma entrevista até ao fim, merece sempre um Obrigado! A mensagem que quero deixar está assente na palavra «esperança». Todas as crises se atravessam, porque existe a esperança. Esperança no dia de amanhã, na capacidade de fazer mais e melhor, na confiança em Deus, o Pai que nunca nos abandona. Somos portugueses, com uma história e uma geografia únicas. A JMJLisboa 2023 precisa de todos e é para todos. Peço que estejam atentos e dispostos a participar, ajudar e fazer acontecer um dos maiores eventos da juventude de todo o mundo. Peço a cada um que seja embaixador da JMJ LISBOA 2023 no mundo…

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