Rui Vieira de Castro

Reitor da Universidade do Minho

© Vera Bondar

A Universidade do Minho celebrou recentemente 50 anos de história, um marco que convida à reflexão sobre as lições do passado e os desafios do futuro. Em entrevista, o Professor Rui Vieira de Castro, reitor da instituição, destacou como a universidade se tornou um exemplo de integração interdisciplinar, qualificação dos seus recursos humanos e inovação no ensino. Agora, num contexto de rápidas transformações tecnológicas, sociais e ambientais, a UMinho projeta um futuro assente na flexibilidade organizacional, na aprendizagem ao longo da vida e na articulação com a sociedade, mantendo-se fiel à sua missão de ser um farol de conhecimento, inclusão e sustentabilidade.

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Quando assumiu a reitoria da Universidade do Minho, num período de grandes desafios para o ensino superior, incluindo o impacto da pandemia, mudanças no financiamento universitário e a crescente pressão para a internacionalização, que balanço faz do seu mandato até agora e quais foram os momentos mais desafiantes que moldaram a sua visão para a universidade?

Diria que, de facto, os anos da pandemia foram extremamente desafiantes. Naturalmente, todos os períodos de crise financeira, que vamos periodicamente conhecendo, arrastam consigo desafios importantes para a universidade. Mas o que a pandemia trouxe de diferente foi que acabou por interpelar aspetos normais do funcionamento da universidade.
A universidade, tal como a conhecemos, como um espaço em que, de forma presencial, estudantes interagem com professores, professores interagem com outros professores, e há toda uma estrutura de recursos humanos de suporte à atividade de ensino, mas também de investigação, viu todos estes modelos de funcionamento radicalmente colocados em causa. A instituição, a Universidade do Minho e as outras universidades, de alguma forma, viram-se obrigadas a reinventar-se, de forma a que, numa circunstância muito desafiante, pudessem manter um rumo em correspondência com aquilo que é o mandato que lhes é conferido. Estas instituições têm, como se sabe, a missão de prover educação superior às novas gerações, assegurar o alargamento das fronteiras do conhecimento humano e interagir com entidades do nosso contexto, de modo a desempenhar um papel ativo na promoção do desenvolvimento social, económico e cultural. Todos os modelos habituais de funcionamento ficaram, de repente, em causa.
A capacidade que as instituições demonstraram de se adaptarem rapidamente às novas circunstâncias foi a comprovação de que a plasticidade das universidades é uma característica fundamental, associada, evidentemente, à perceção de que a sua atividade é essencial para o desenvolvimento de um país e de uma região. Portanto, quando olho agora retrospectivamente, considero que esse foi, de facto, o momento mais difícil. Mas diria que, nesse contexto especialmente exigente, as universidades souberam reagir. E a forma como reagiram foi prova da sua maturidade e do seu compromisso com as pessoas, com a sociedade, com a economia e com o país.

O seu percurso enquanto professor catedrático e investigador é amplamente reconhecido, com contributos significativos na área da Educação e Linguística. Como tem a sua experiência académica influenciado a forma como aborda os desafios administrativos e estratégicos enquanto Reitor da UMinho?

Essa é uma boa pergunta. Naturalmente, provenho de uma área de saber que podemos, de forma muito genérica, caracterizar como Ciências Sociais e Humanas. A minha formação é, antes de mais, em Humanidades, com posteriores especializações na área da Educação. E não posso negar que essa formação me confere um olhar específico sobre o mundo e sobre aquilo que é a nossa realidade, seja em contexto local, regional, nacional ou internacional. Essa formação também influencia a forma como percebo a instituição “universidade”. Eu diria que, estando em boa companhia, porque sei que estou, e em linha com os estatutos da Universidade, a visão que procurei transpor — e continuo a procurar transpor — é a de uma instituição que, por exemplo, esteja muito atenta à formação das pessoas nas múltiplas dimensões que constituem cada um de nós. Nós não somos apenas sujeitos profissionais; somos também sujeitos culturais e éticos. Estas diversas dimensões do humano devem impregnar toda a atividade educativa que a Universidade desenvolve.
No domínio da investigação, percebemos que há hoje expectativas muito fortes relativamente ao impacto que as universidades podem ter no desenvolvimento económico. No entanto, é crucial nunca esquecer que faz parte da missão das universidades perceber, ajudar a compreender e refletir sobre tudo aquilo que é humano e o contexto do humano. Para mim, o perfil de universidade que a Universidade do Minho assume — o de uma universidade completa, que opera em vários domínios do saber — deve materializar-se numa valorização efetiva das áreas das Ciências Sociais e Humanas. São áreas que, mesmo não gerando produtos ou processos novos de forma imediata, têm um enorme potencial transformador pela sua capacidade de nos ajudar a pensar o mundo e a nós próprios. Nesse sentido, a minha formação de base não é indiferente ao modo como encaro o papel que a Universidade deve desempenhar.
O terceiro eixo da missão das universidades, a participação no desenvolvimento regional e nacional, para mim, foi sempre claro. Sempre tive a convicção — e a minha prática reflete isso — de que a Universidade deve ser um ator na promoção do desenvolvimento económico, mas também na promoção do desenvolvimento social e cultural. Diria que esta visão é premiada pela minha formação de base e pelo conjunto de formas de olhar para o mundo e para as instituições.

Durante o período em que liderou a rede CRUSOE, foram desenvolvidas várias iniciativas que visaram reforçar a cooperação transfronteiriça na área do ensino e investigação. Na sua visão, quais foram os contributos mais significativos desta rede para a promoção da integração e do desenvolvimento regional? Que projetos ou boas práticas concretizadas no âmbito da CRUSOE poderiam servir de modelo para outras regiões europeias?

Estamos a falar de uma dimensão que considero fundamental as universidades desenvolverem: a internacionalização. A universidade é, por definição, uma instituição aberta à comunicação com outras instituições semelhantes, com as quais partilha objetivos, modos de organização, formas de trabalho e preocupações. Nesse sentido, sempre entendi que a universidade deveria reforçar a sua presença em redes. A participação em redes é fundamental para o desenvolvimento do projeto universitário.
Atualmente, temos uma presença bastante ativa na Associação Europeia de Universidades, que congrega cerca de 900 universidades e é verdadeiramente a voz das universidades europeias. Mas, por outro lado, a Universidade do Minho também pretende integrar redes de outra natureza. A Arqus – European University Alliance e a CRUSOE são dois bons exemplos.
A CRUSOE é uma rede de universidades do norte e centro de Portugal e de um conjunto de regiões autónomas de Espanha. Um número significativo de instituições organiza-se em torno de um objetivo comum: apoiar os governos regionais e as estruturas de governação no desenvolvimento de projetos de desenvolvimento regional. Este elemento é particularmente distintivo desta rede. Essa intenção é materializada desde logo através de um apoio muito forte na elaboração das estratégias de desenvolvimento inteligente de todas estas regiões. Seja na Galiza, Astúrias, Cantábria ou na região Norte de Portugal, as universidades atuam em conjunto para prestar apoio às lideranças regionais na definição das suas estratégias. Não conheço outra rede de universidades que se organize em torno deste objetivo, e os resultados obtidos têm sido muito positivos. Existe a expectativa de contribuir para que este conjunto de regiões se constitua como uma macro-região com uma voz forte junto da Comissão Europeia. Este é um exemplo do impacto que instituições podem ter ao organizarem-se em função de objetivos diversos e relevantes.

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A UMinho tem sido apontada como uma universidade inovadora e orientada para o futuro. Qual é a sua visão sobre o papel que a UMinho deve desempenhar no contexto do ensino superior em Portugal, especialmente na articulação com políticas públicas para a educação e ciência?

O papel de uma instituição de ensino superior constrói-se à luz daquilo que é a sua história, da sua realidade e também da projeção do futuro. Para a Universidade do Minho, é muito claro o papel que a instituição deve ter como entidade inovadora nas várias dimensões da sua atividade. Quando hoje, no plano da educação, seja ao nível da formação de primeiros ciclos, licenciaturas, mestrados, mestrados integrados ou doutoramentos, desenhamos uma nova oferta educativa, procuramos que esta corresponda às necessidades socialmente pressentidas ou manifestadas. Temos uma orientação para a construção de uma oferta educativa que seja inovadora, distinta e capaz de responder às necessidades emergentes.
Recentemente, abrimos uma licenciatura em Engenharia Aeroespacial e um mestrado na mesma área. Porquê? Primeiro, porque percebemos que esta é uma área de formação com futuro e procurámos que estas opções considerassem as estratégias assumidas pelo próprio país. Fomos igualmente sensíveis ao contexto europeu, onde esta área começa a ter uma expressão muito relevante, criando novas oportunidades para a economia portuguesa que irão requerer profissionais qualificados. Sabemos, igualmente, que a formação qualificada deve assentar numa investigação sólida desenvolvida pela instituição. Assim, a articulação entre educação e investigação é uma preocupação contínua da nossa parte.
A UMinho distingue-se, no contexto nacional e até europeu, pelo contínuo esforço em construir redes de relações com entidades externas, sejam do setor económico, social ou cultural. Costumo referir que a Universidade do Minho, enquanto instituição aberta, deve estar disponível para construir ativamente essas relações e procurar impacto. Ter impacto é transformar qualitativamente. Se analisarmos o município de Braga, por exemplo, destacaria a parceria exemplar no setor automóvel com a Bosch, que tem gerado resultados amplamente reconhecidos, seja em termos de impacto na economia, na geração de emprego qualificado ou mesmo no emprego científico. Fazendo educação tal como é definida e promovendo investigação de ponta, estamos continuamente a procurar impacto transformador nos três setores-chave: economia, sociedade e cultura.

Em tempos de transformação digital, as universidades enfrentam o desafio de modernizar métodos pedagógicos para atender às expectativas de uma geração digitalmente nativa. Que medidas a UMinho tem adotado para renovar as práticas pedagógicas e que resultados têm observado na aprendizagem dos estudantes?

Os desafios associados à transformação digital, ou transição digital, residem sobretudo na sua velocidade. O ritmo a que estas transformações ocorrem é alucinante. Diria que há dois anos pouco falávamos dos impactos da Inteligência Artificial nas práticas de educação e formação. Hoje, é um tema quente. Percebemos que as mudanças em curso terão impactos duradouros. Do ponto de vista das universidades, os avanços tecnológicos têm provocado uma profunda transformação nas formas de relação entre as pessoas e o conhecimento. Como a universidade articula pessoas e promove o diálogo em torno do saber, estas mudanças impactam profundamente a sua essência. Além disso, as universidades são ativamente envolvidas neste processo de transformação, tanto pelas pessoas que formam e qualificam quanto pela investigação que desenvolvem.
Em Portugal, os principais investigadores em Inteligência Artificial estão, fundamentalmente, dentro das universidades. Este cenário impõe uma responsabilidade adicional às instituições para repensarem práticas pedagógicas, relações interpessoais e formas de interagir com o conhecimento. Por exemplo, os desenvolvimentos em IA desafiam práticas tradicionais, como os métodos de avaliação, exigindo revisões à luz destas novas realidades.
Na UMinho, estamos empenhados na transformação e inovação pedagógica. Criámos grupos internos com papel ativo nesta temática e participamos em vários projetos nacionais e internacionais voltados para a capacitação dos nossos professores, adaptando-os às novas realidades. Estas iniciativas são centrais para continuarmos a promover o desenvolvimento ético, cultural, profissional e científico dos nossos estudantes.

A UMinho tem expandido a sua oferta formativa para incluir cursos direcionados a profissionais em diferentes etapas da carreira. Como a universidade está a responder à crescente procura por programas de educação ao longo da vida e qual é a sua visão para o papel das universidades neste contexto?

Começaria por afirmar que as universidades não podem deixar de encarar a formação ao longo da vida como uma parte essencial da sua atividade educativa. Nós formamos e graduamos pessoas ao nível das licenciaturas, mestrados e doutoramentos. Contudo, cada vez mais, devido às rápidas mudanças nos mercados de trabalho, as universidades são convocadas a oferecer formação contínua, voltada para a atualização de competências e saberes.

Na Universidade do Minho, temos uma longa tradição na oferta de cursos direcionados para profissionais, geralmente de curta duração e não conferentes de grau. Estes cursos são focados em pessoas já inseridas no mercado de trabalho. Atualmente, estamos a reorganizar essa oferta, aproveitando programas nacionais como o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR). Desenvolvemos um programa com mais de 100 cursos de formação não conferente de grau, especificamente direcionados para profissionais.

Para garantir que esta formação é realmente relevante, trabalhamos em estreita articulação com uma vasta rede de entidades parceiras, incluindo empregadores. Estas parcerias permitem-nos desenhar e desenvolver cursos que atendem de forma precisa às necessidades do mercado de trabalho. Todas as áreas de formação da UMinho estão envolvidas neste programa ambicioso, que visa alcançar um grande número de estudantes e oferecer uma formação alinhada com as exigências atuais. Embora o núcleo central da nossa atividade continue a ser os cursos graduados — licenciaturas, mestrados e doutoramentos —, reconhecemos que a formação ao longo da vida é cada vez mais indispensável. Como tal, continuaremos a atender às novas necessidades das pessoas que já estão a desenvolver as suas carreiras profissionais.

O financiamento das universidades públicas tem sido tema de debate recorrente. Qual a sua visão sobre o atual modelo de financiamento e que mudanças considera necessárias para garantir que instituições como a UMinho possam inovar e crescer de forma sustentável?

Nos últimos 15 anos, a Universidade do Minho tem-se destacado pela sua capacidade de inovar e crescer. Vivemos, contudo, uma situação paradoxal. Ao crescer, a universidade respondia à maior procura social, acolhendo mais estudantes que procuravam o ensino superior. Naturalmente, os custos também aumentavam com o crescimento do número de estudantes, mas nunca vimos esse aumento de procura refletido no financiamento atribuído pelo Orçamento de Estado.Ao longo de muitos anos, esta foi uma das minhas principais batalhas. Era necessário acabar com práticas que considerava iníquas e que resultavam, por exemplo, em diferenças incompreensíveis no investimento do Estado por estudante, que podia ser o dobro ou o triplo noutras instituições em comparação com a Universidade do Minho. Este efeito afetava três ou quatro universidades e exigiu uma grande luta para convencer os responsáveis políticos de que era impossível manter esta situação.

Felizmente, há cerca de dois anos, a situação mudou. Foi reconhecida a injustiça do modelo de financiamento adotado anteriormente. Hoje temos um modelo mais transparente e escrutinável, no qual sabemos exatamente o que nos é devido e o que recebemos. A Ministra Elvira Fortunato, no governo anterior, estabeleceu regras claras de financiamento, sensíveis ao número de estudantes, e o atual Ministro Fernando Alexandre reiterou o compromisso com a manutenção desse modelo.

O modelo atual baseia-se essencialmente no número de estudantes e inclui também um fator relevante, que é o custo associado às áreas de formação. O que poderá ainda estar em falta é a introdução de critérios de qualidade, como a eficiência formativa, a qualidade da investigação realizada e o envolvimento dos estudantes em atividades de pesquisa. Estes são elementos que podem aperfeiçoar a fórmula em vigor.

A UMinho é reconhecida pela sua investigação de ponta em áreas como biomedicina, materiais avançados e sistemas de informação. Pode partilhar como a universidade tem conseguido atrair financiamento competitivo e consolidar a sua posição enquanto líder nestes domínios?

Estes resultados prendem-se, fundamentalmente, com duas características: a qualidade dos grupos e a excelência dos investigadores. Formamos pessoas altamente qualificadas e atraímos talentos de grande qualidade. Além disso, contamos com estruturas adequadas, como os centros de investigação ou as unidades orgânicas que apoiam estas atividades. A valorização da investigação pela universidade é outro fator crucial. Redes de colaboração, tanto internacionais quanto nacionais, também desempenham um papel essencial nesse sucesso.

Projetos como as colaborações com a Bosch e a Sonae são frequentemente destacados como exemplos de boas práticas. Como avalia o impacto destas parcerias na competitividade e inovação regionais? Há planos para expandir este modelo para outras áreas de atuação?

Certamente. A excelente experiência com a Bosch e a Sonae só nos motiva a desejar que estes exemplos se multipliquem. Para que isso aconteça, é fundamental reconhecer o valor acrescentado que resulta da colaboração entre a universidade e as empresas em atividades de desenvolvimento e inovação. Temos exemplos concretos que demonstram os benefícios económicos, sociais e na qualidade do emprego proporcionados por estas parcerias.Na minha equipa reitoral, há um pró-reitor dedicado ao desenvolvimento de relações com empresas, refletindo a nossa convicção de que esses exemplos devem multiplicar-se.

Relatórios recentes da Comissão Europeia destacam a competitividade e a inovação como fatores-chave para o desenvolvimento económico. A investigação científica desempenha um papel central nesse processo. É crucial que tanto os responsáveis empresariais quanto os decisores políticos compreendam essa importância e atuem de forma consequente. A inovação é, sem dúvida, um poderoso motor de fortalecimento da nossa economia.

A UMinho é um pilar para o desenvolvimento das regiões de Braga e Guimarães. Pode descrever iniciativas recentes que destacam a colaboração entre a universidade e os municípios, tanto na área do conhecimento como em projetos culturais e sociais?

Vou abordar, por um lado, a questão do conhecimento e, por outro, a atividade cultural. Estamos envolvidos em vários projetos com a Câmara Municipal de Guimarães. Um deles é o “Guimarães Space Hub”, um hub do espaço que integra componentes de formação e visa promover investigação e inovação. Este projeto pretende também atrair empresas ligadas às novas indústrias do espaço.
Outra iniciativa é o Fibernemics, que se concentra na criação de soluções inovadoras e no desenvolvimento de novos processos e produtos na área das fibras. Este é um exemplo notável de colaboração entre o poder local, representado pela autarquia, a universidade, enquanto produtora de conhecimento, e as empresas, mesmo num território predominantemente constituído por pequenas e médias empresas.
Na área cultural, destaco os Encontros da Imagem, um dos principais eventos de fotografia em Portugal. Esta iniciativa resulta de uma estreita colaboração entre a entidade Encontros da Imagem, a Câmara Municipal de Braga e a Universidade do Minho. Estes são apenas alguns exemplos de como a integração entre autarquias e universidade é essencial para concretizar o nosso objetivo de sermos um motor de desenvolvimento regional. Para nós, é muito claro que as autarquias são parceiros fundamentais.

A UMinho integra redes como a Arqus e a CRUSOE. Que benefícios concretos estas redes têm trazido para a universidade, em termos de oportunidades para estudantes e investigadores? Há projetos internacionais recentes que gostaria de destacar?

A Arqus é a rede onde a universidade mais tem investido e da qual pode, naturalmente, retirar maiores benefícios. Esses benefícios manifestam-se, desde logo, no âmbito da mobilidade de estudantes, investigadores, professores e pessoal não académico, que podem circular dentro desta rede, usufruindo de experiências diversificadas e enriquecedoras. Estamos a falar de universidades de grande qualidade, que oferecem oportunidades valiosas para o desenvolvimento profissional e pessoal.
Mas os ganhos não se limitam à mobilidade. Recentemente, lançámos um programa de mestrado em cibersegurança, uma área crítica para muitas instituições, que envolve várias universidades da aliança Arqus. Além disso, no domínio da investigação, temos projetos partilhados por diversas instituições, beneficiando de um movimento constante de troca de experiências, incluindo formas inovadoras de interação com entidades locais e de apoio ao desenvolvimento regional.

A Aliança Europeia de Universidades visa, precisamente, uma maior integração entre as instituições que a compõem. O objetivo é alcançar uma taxa de mobilidade em torno de 50%, incluindo mobilidade física e virtual. Para os estudantes, a oportunidade de frequentar três ou quatro das nove universidades que integram a Arqus, convivendo com colegas de diferentes países e conhecendo novos contextos académicos, representa uma mais-valia significativa. Para a universidade, esta rede proporciona um contexto de maior coesão e compromisso no desenvolvimento de projetos partilhados, reforçando a sua posição no panorama europeu.

Como avalia o posicionamento de Portugal no ensino superior global? Quais os passos que a UMinho tem dado para competir com as melhores universidades do mundo, especialmente no contexto europeu?

Portugal ainda enfrenta desafios significativos no ensino superior global. Não temos nenhuma universidade nas 100 primeiras posições dos principais rankings internacionais. Embora se possa argumentar que os rankings nem sempre refletem as realidades contextuais ou utilizam critérios claros, eles continuam a ser indicadores importantes da maturidade e do desenvolvimento das instituições, e Portugal não surge bem neste retrato. No entanto, há sinais encorajadores. Contamos com meia dúzia de universidades com desempenhos que se comparam favoravelmente com outras instituições europeias. Nas últimas décadas, temos assistido a transformações importantes, como o fortalecimento do corpo de investigadores profissionais e a avaliação da produção científica por padrões internacionais. Por exemplo, investigadores em várias universidades têm obtido bolsas do European Research Council, que são extremamente competitivas.

Na Universidade do Minho, 55% do orçamento provém de receitas próprias geradas pela instituição, o que surpreende muitos dos meus colegas europeus. Ainda assim, gostaria de ver um maior investimento público nas universidades, acompanhado de um sistema de maior responsabilização. Defendo a criação de contratos-programa que dotem as instituições de recursos financeiros adequados, em troca de compromissos concretos para o desenvolvimento do país. Estou convicto de que as universidades estão preparadas para assumir esse desafio.

A UMinho tem investido em programas de mobilidade e na captação de estudantes estrangeiros. Que estratégias têm sido implementadas para consolidar a posição da UMinho como um destino académico de excelência a nível global?

A consolidação da UMinho como destino académico global depende de dois fatores principais: a qualidade da universidade e a perceção dessa qualidade. A nossa capacidade de atração, com algumas exceções em áreas de nicho, é limitada, sobretudo no mercado europeu e norte-americano. Em comparação com outros países da Europa Central, cujos sistemas de ensino têm níveis de qualidade similares aos nossos, as universidades portuguesas enfrentam dificuldades em atrair estudantes internacionais.
Na UMinho, os estudantes estrangeiros representam cerca de 10% do total, enquanto algumas universidades europeias chegam a 40% ou 50%. Um dos grandes entraves ao nível das licenciaturas é a questão da língua. Universidades com grande capacidade de atração utilizam o inglês como língua de ensino, algo que só conseguimos aplicar em nichos muito específicos, garantindo que isso não prejudique negativamente os nossos estudantes.
Apesar dessas limitações, a política de internacionalização da Universidade do Minho está bem definida e alinhada com os desafios e oportunidades do contexto global.

O Contingente Especial para Lusodescendentes tem permitido a integração de jovens das nossas comunidades nas universidades portuguesas. Que impacto esta medida tem tido na UMinho?

Ainda não atingimos a expressão desejada com este contingente, em parte devido a problemas financeiros e burocráticos, como a questão dos vistos. Frequentemente, estudantes admitidos nos nossos cursos enfrentam atrasos na obtenção dos vistos, chegando ao país com os cursos já em andamento ou, em alguns casos, desistindo. Apesar das conversas prolongadas com sucessivos governos para agilizar este processo, ainda não alcançámos uma solução satisfatória. As segundas e terceiras gerações de lusodescendentes são um público estratégico para a universidade. Iniciativas realizadas em países como os Estados Unidos ou na Europa podem ser muito promissoras. Contudo, reconheço que o trabalho feito até agora é insuficiente, e há um esforço significativo que ainda precisa de ser realizado para reforçar esta integração.

A UMinho celebrou recentemente o seu 50.º aniversário. Que lições do passado orientam as decisões para o futuro? Quais são os objetivos estratégicos para os próximos 10 anos?

Os 50 anos de uma instituição são um marco simbólico que convida a dois movimentos importantes: olhar para o passado, revisitar a trajetória percorrida e compreender os desafios superados, e projetar o futuro com base nessa história e no contexto atual. Ao refletir sobre a história da UMinho, acredito que o nível de excelência que alcançámos seria difícil de imaginar para os seus fundadores. Quais são as grandes lições aprendidas? Em primeiro lugar, a integração das várias áreas do saber foi uma decisão estratégica fundamental. A consciência de que articulamos melhor as necessidades do país no campo da educação, da ciência e da inovação ao trabalhar de forma interdisciplinar tornou-se uma orientação-chave. Outra lição essencial foi o investimento na qualificação dos recursos humanos. Nas duas primeiras décadas, a aposta no recrutamento e na formação de profissionais em centros de excelência internacionais – particularmente na Europa e na América do Norte – foi determinante para afirmar a universidade como referência. Além disso, a abertura ao exterior desde cedo permitiu que a UMinho ultrapassasse os seus próprios muros. Isso traduziu-se na identificação de problemas reais, na aposta em áreas estratégicas e na criação de respostas inovadoras que moldaram o seu papel no panorama nacional e internacional.
Por fim, a ênfase na inovação no ensino tornou-se uma marca distintiva da UMinho. Essa inovação vai além dos programas curriculares, abrangendo a organização, a avaliação das aprendizagens e a autoavaliação dos cursos, assegurando uma melhoria contínua na qualidade formativa.

Para terminar, que papel acredita que a UMinho deverá desempenhar nas próximas décadas, especialmente num contexto de rápidas transformações tecnológicas, ambientais e sociais? Que contributos considera essenciais para que a universidade continue a ser um farol de inovação, sustentabilidade e inclusão no futuro?

O futuro exige uma reflexão sobre a organização interna da universidade, já que a estrutura influencia diretamente os seus resultados. Acredito que a UMinho deve caminhar para uma maior autonomia institucional e para modelos organizacionais mais flexíveis. Isso permitirá responder de forma mais ágil às mudanças tecnológicas, sociais e ambientais que moldam o nosso tempo. Na educação, será essencial reforçar a oferta formativa não conferente de grau, promovendo a aprendizagem ao longo da vida. Isso implica explorar modalidades diversificadas de ensino – presenciais, à distância, híbridas, de curta ou longa duração – focadas em competências específicas e adaptadas às novas exigências do mercado e da sociedade. Essa transformação já está em curso na UMinho, refletindo um esforço contínuo de reconfiguração educativa.
No plano da investigação, prevejo que seremos cada vez mais desafiados a produzir conhecimento que tenha impacto imediato na inovação e na economia. Isso poderá dar protagonismo a determinadas áreas, mas o grande desafio será preservar a identidade da UMinho como uma universidade completa, valorizando igualmente áreas como o Direito, as Ciências Sociais, as Humanidades, a Educação e a Psicologia. O reforço das articulações interdisciplinares será fundamental para responder às exigências futuras sem comprometer essa diversidade. Finalmente, espero e acredito que a UMinho continuará a aprofundar o seu diálogo com a sociedade, a região e o país. O nosso compromisso deve ser o de interpretar e responder aos desafios e aspirações das pessoas, organizações e comunidades, mantendo-nos como um parceiro estratégico no desenvolvimento sustentável e inclusivo.

© Vera Bondar

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