Helena Amaral

Fotografia © Pedro Silva

Trazia na bagagem seus pincéis, tintas e um sonho de desenvolver aquilo que tinha aprendido. Os Açores foram um refúgio para pintar, um isolamento muito diferente do que sentiu na ilha de Moçambique. Helena Amaral é licenciada pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, onde concluiu o curso de Artes Plásticas. Já expôs em várias ilhas, no continente português e sua arte encontra-se em coleções privadas por vários países. Ao longo de quase quarenta anos dedicou-se à pintura, e nela e através dela percorreu caminho labirintos feitos de cor, lugares, vivências passadas e presentes. Com a cor cessou temporariamente e lançou o seu olhar às pedras da ilha e delas começou a esculpir sorrisos das bombas de lava da ilha montanha. Professora aposentada, agora dedica-se mais ao projeto dos Sorrisos de Pedra, que inclui um roteiro de mais de 200 esculturas a dar a volta à ilha do Pico, nos Açores.

Em 1952 nasceu em Vila Nova de Gaia. O que se lembra das décadas de 1950 para 60?

Da infância lembro-me dos tempos felizes. Brincar, andar nos campos. Vivia entre o campo e a cidade do Porto onde o meu pai lecionava e íamos regularmente. A vida no campo proporcionou o encanto pela natureza. Com 8 anos lembro-me de ir ajudar semear batatas no terreno da própria casa. Tínhamos flores por todo o lado. Rosas, um vermelho lindo de veludo. O fascínio pela cor vem daí. Três cores principais na memória de criança: roxo das tulipas, amarelo das azedas e magenta de uma planta espécie trevo. Os campos floriam de cor. Eu cresci com a cor, e isso é o que me lembro sempre dos tempos de criança.

Só quando foi para Moçambique começou a pintar e desenhar. Como foi essa experiência?

Moçambique foi uma experiência muito rica. Desfrutava de uma liberdade onde não havia barreiras, embora a comunidade branca tivesse os seus hábitos. Fui a África do Sul tirar um curso e só quando voltei à ilha de Moçambique senti que era realmente uma limitação, um cerco, e comecei a pensar em sair. Da África do Sul trouxe na memória a estrelícia e a prótea. Sobre contraplacado comecei a pintar com guache. Eram os indianos goeses e paquistaneses que mandavam vir da China as tintas. Lembro-me a loja era numa esquina perto de casa. Era a loja que mais me encantava por ter pincéis e guaches. Para conservar a pintura dava verniz de banana. Comecei a pintar flores. Fazia exercícios a partir de caixas de chocolates que tinham flores. Foi aí que comecei a pintar e desenhar, tinha eu por volta dos 18 anos. Fui bancária por dois anos devido a meu pai. Mas não me satisfazia. Ainda não tinha bem o meu rumo. Pintava como forma de isolar e ultrapassar o limite que sentia da própria ilha.

Fotografia © Pedro Silva

Porquê o regresso a Portugal?

Não estava satisfeita em África. Com a família tínhamos ido a Lisboa quando eu tinha 20 anos e um ano mais tarde disse a meus pais que queria voltar a Lisboa para estudar artes. Fui para o Externato de Marques de Pombal e depois para a António Arroios, porque queria ser desenhadora de tecidos, influenciada por um vendedor de capulanas em Moçambique. Geometria descritiva, desenho, cerâmica, mas não era bem o que pretendia. Depois de 4 anos já podia ir dar aulas, mas como não me dava suficiente decidi entrar na faculdade.

Foi então que entrou para as Belas Artes?

Manhãs na Escola de Belas Artes, trabalhava na Brisa à tarde e ao final do dia voltava às Belas Artes para teoria. Muitas disciplinas. Pensava que era o que queria, mas foi uma desilusão. Não éramos livres de criar por nós próprios. Os Mestres tinham as suas diretrizes e os alunos tinham que executar o que eram mandados. Aquela subjetividade caia sempre mais que a objetividade e tive dificuldade. Destacava-me na área do desenho, mas não no modelo. Criatividade na composição, em compor, a partir de. Na pintura não foi fácil. Terminei as Belas Artes sempre trabalhando e estudando.

Fotografia © Pedro Silva

Como chegou aos Açores?

A nostalgia de África nunca tinha desaparecido. Tornei-me professora para me libertar da cidade. Vim parar aos Açores, sem saber que existia. Apenas tinha ouvido falar da Madeira, mas nada dos Açores. No dia dos meus anos, em 1989, cheguei à ilha do Faial. Uma angústia. Senti-me perdida. A humidade. Não conhecia ninguém. Foi um desafio.

Neste tempo a pintura já era forte na sua vida. Começou a expor assim que chegou aos Açores?

Comecei a expor desde a chega à cidade da Horta e mais tarde nas outras ilhas. Uma grande exposição de pintura percorreu várias ilhas, patrocinada pelo departamento da Cultura dos Açores, com notas de Victor Rui Dores. Essa foi a exposição que me levou a muitas ilhas. E agora, estamos fazendo esse mesmo tipo de percurso, mas com as esculturas.

Fotografia © Pedro Silva

Chegou a um ponto que parou de pintar. Mas voltou à arte através da escultura. Porquê essa transição, numa idade já avançada?

Cheguei a um ponto que parei mesmo. Digo que foi fruto da idade. Parece que houve um corte. Agora olho para trás e nem sei como pintei tanto. A criação é um prazer, um apetite por criar na tela, e recriar vivências que na vida real não se conseguem. E foi um período de encantamento, desses encontros sonhados através das formas em espaços. E depois esse prazer que eu tinha deixou de existir. Isto é, libertei-me de qualquer paixão. E ao libertar-me deixei de me expressar por dois anos. Os Sorrisos vêm na ausência das telas. Da pintura, eu passo para a pedra, como que reunir, construir uma nova paixão centrada no rosto.

E nunca mais parou. Desde que encontrou esta nova paixão na pedra da ilha do Pico tem sido um fervilhar de criação.

Tive ainda uns anos de experimentação antes dos Sorrisos, transferindo as minhas paixões geométricas em forma de animais e máscaras. Isto antes de chegar aos Sorrisos de Pedra, onde encontro novamente a paixão. Toda esta movimentação artística vem numa busca de mim própria dos afetos, da relação, mas que eu me submeto nesse caminho. A relação que tenho com os Sorrisos é algo que não se pode ter com um ser humano. Não me desiludem, não se divorciam. E acho que vou fechar o meu ciclo de vida artística com os Sorrisos. Não é a pedra, é o sorriso que consigo dela com a rebarbadora.

Fotografia © Pedro Silva

Os Sorrisos de Pedra têm vindo a seduzir muita gente. O roteiro com mais de duas centenas de esculturas a dar a volta à ilha do Pico; uma exposição itinerante que pretende chegar às 9 ilhas dos Açores, e que já foi ao Porto; uma dança contemporânea; um livro de poesia; série de fotografias; e a celebração do Dia do Sorriso que faz parte das novas tradições. Como vamos terminar esta conversa?

O sorriso revela a personalidade do rosto, mas revela muitas mais coisas que nem sabemos. Os Sorrisos calam no silêncio.

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