A herança migratória da minha família…
Tudo começou em 1952, quando o meu avô materno, decidiu imigrar para Angola. Fê-lo porque trabalhava para o seu sogro e um dia desentendeu-se com ele, tinha o desejo de deixar a Beira Alta e rumar para sul. Esteve indeciso entre Angola e o Brasil, mas como tinha um tio em Angola resolveu optar por Luanda e pedir-lhe uma carta de chamada. Decidiu deixar a minha avó e a minha mãe (na altura com 7 meses) e comprar uma passagem para Angola, em 2.ª classe, no Barco Moçambique.
O intuito era começar a trabalhar e arranjar condições para que a família se pudesse juntar a ele assim que possível. No dia 1 de Julho de 1952 o meu avô Freitas desembarcou em Angola… como tinha ouvido dizer que era o tempo do fresco (e não conhecia o clima dos trópicos) resolveu vestir o fato do dia de casamento para desembarcar, completando a vestimenta com um chapéu preto e sapatos de polimento. Quando desembarcou toda a gente teve a impressão que ele era um diplomata e todos o vieram saudar.
Depressa se apercebeu que o tempo fresco era, ainda assim, quente e abafado… e começou a transpirar pois o fato era de Inverno (havia casado com a minha avó em Fevereiro).
O meu avô arranjou um trabalho como comerciante numa loja na província do Kwanza Norte, mais propriamente no Gulungo Alto. Poucos meses depois conseguiu com que a minha avó e mãe se juntassem a ele, e elas chegaram a Luanda na véspera do primeiro aniversário da minha mãe, que puderam já festejar em família.
Entretanto, o meu avô criou o seu próprio negócio – uma loja “completa” onde vendia desde produtos de mercearia e drogaria, roupa e calçado, e até um espaço para bar onde servia refrescos e alguns snacks. Não muito tempo depois tinha a sua própria fazenda de café e adquiriu ainda uma quinta onde fazia a lavagem, secagem e venda de café. Tornou-se um verdadeiro empreendedor do comércio local devido aos contactos que estabeleceu, fruto do seu carisma e caráter magnetizante, reconhecidos por todos ainda hoje.
Por outro lado, a minha avó paterna ficou viúva quando o meu pai e o meu tio tinham apenas 5 e 4 anos de idade, respetivamente. Sem saber bem o que fazer com tamanho desgosto e com duas crianças pelas mãos, a minha avó Maria, que sempre foi corajosa e independente, resolveu lançar-se numa aventura e rumar a sul na esperança de atenuar a dor e dar um futuro melhor aos seus filhos. Em 1962 desembarcaram os 3 em Luanda no navio Pátria. Rapidamente a minha avó arranjou emprego como administrativa nos serviços de Geologia e Minas em Luanda, cargo que manteve até à data da independência de Angola.
Em 1973, tinha a minha mãe com 21 anos quando conheceu o meu pai, na altura com 17 anos. Começaram a namorar e um ano depois deu-se a independência de Angola. A minha mãe veio para Portugal na ponte área com os meus avós e o seu irmão mais novo. O meu pai, teimoso e que dizia não ter afinidade nenhuma com a metrópole resolveu ficar em Luanda, sozinho e à revelia de toda a família.
Em tempos de grande confusão os meus pais estiveram sem se ver e praticamente sem saberem um do outro durante um ano. O meu pai não queria deixar Angola e tinha medo de sair e não o voltarem a deixar entrar no país. Mas o Amor falou mais alto e decidiram casar para que a minha mãe se pudesse juntar a ele.
Assim, em 8 de Agosto de 1976, os meus pais casaram por procuração, uma vez que se encontravam em continentes diferentes. A minha mãe foi levada ao altar pelo seu pai, meu avô Freitas, que, entretanto, deixou para trás a fazenda de café e os seus outros negócios, mas apoiou sempre a decisão dos meus pais.
Quando regressou a Luanda, em Setembro de 1976, a minha mãe vestiu-se de noiva e o meu pai pôs o seu melhor fato para tirarem as fotos que supostamente deveriam ter sido tiradas na cerimónia.
Permaneceram em casa dos meus avós maternos e pouco conseguiram reaver daquilo que outrora lhes pertencera. Em 1980, em plena guerra civil de Angola, nasci eu!
Nasci em Lisboa mas fui para Luanda com 4 meses de idade e por lá permaneci até à minha adolescência, altura em que decidi vir estudar para Portugal. Cresci com acesso a 2 culturas diferentes o que me enriqueceu bastante e sinto-me, ainda hoje, perfeitamente adaptada a cada uma delas. Por vezes, não sei se sou imigrante em Portugal ou se o fui em Angola. Apenas sei que amos os 2 países como sendo meus, o que me viu nascer e onde hoje vivo, e o pais onde cresci a aprendi valores que muito prezo como a tolerância, a solidariedade e a resiliência!
No fundo, foi toda esta história, que é a minha, mas que poderia ser a de tantas outras famílias, que começou em 1952 e que fez de mim o que sou hoje, fruto do legado das migrações dos meus antepassados, que me inspirou a criar a Ei! uma empresa voltada para as questões migratórias e que tem como missão agilizar e simplificar a vida de quem, tal como os meus, pretendem mudar de país.