A tartaruga e a lebre no mundo dos vinhos

O dicionário ensina que o cansaço é o mesmo que a fadiga, esfalfamento, fraqueza ou, em sentido figurado, enfastiamento. Mas não é preciso ir ao dicionário para sentir no dia-a-dia os autómatos em que nos transformamos, sem rasgo, sem emoção, em modo de apatia quase permanente. Vivemos uma época de cansaço crónico, de esgotamento físico e mental. E de astenia cultural. Não deixa de ser pedagógico, por isso, perceber o que despoletou as grandes transformações sociais. A História é cíclica, claro. E as fases de grande tormenta, ou depressão, seguiram-se a fases de crescimento, de evolução, num ciclo contínuo que tem empurrado a humanidade para um notável crescimento e domínio da envolvente.
A estratégia foi indubitavelmente o denominador comum do crescimento. Mas a operacionalização, a colocação no terreno, pesou sempre de forma decisiva. Átila foi bem sucedido porque as suas tropas se deslocavam mais rapidamente do que o inimigo conseguia esconder-se ou fugir. A cavalaria, com arco e flecha, atacava de surpresa e na Europa os hunos foram um pesadelo difícil de suportar. A velocidade do ataque fez a diferença também na II Grande Guerra, com a possibilidade de transportar armamento pesado em velocidade, através de tanques e aviação. E os exemplos sucedem-se sem parar. O sucesso precisou sempre de estratégia e de pessoas capazes de a operacionalizar.
A metáfora serve perfeitamente ao mundo dos vinhos, onde vemos regiões vitivinícolas a crescer a velocidades distintas.
A região dos Vinhos Verdes tem sido apontada como exemplo na forma como tem sido desenvolvida. A revolução começou há uns anos, com a articulação de agulhas entre a CVRVV – que regula a região – e os diferentes estilos de produtores. Com grandes players, capazes de arrastar o mercado; com pequenos produtores, capazes de instigar os pequenos nichos; e com uma estratégia de promoção bastante eficaz, a região diminuiu os stocks que tinha em excesso e enfrenta um desafio novo: aumentar o preço médio e ver reconhecido um posicionamento premium, mais coerente com o estilo dos produtores-âncora que dominam a comunicação e a prescrição de vinhos verdes.

O Douro e o Porto são também uma região reinventada nas últimas décadas. O lastro histórico do Porto assegurou sempre o posicionamento alto (excepção talvez em França, onde o vinho do Porto é ainda usado sobretudo para cozinhar). Mas a quebra de vendas dos vinhos fortificados gerou um trilho novo, associado aos vinhos tranquilos do Douro, que dominam a conquista de mercado e dos mais importantes prémios internacionais. As dificuldades inerentes a uma região que depende do Estado (numa fase em que os restantes organismos reguladores são entidades privadas de interesse público, com autonomia) não ajudam a desenvolver um trabalho mais estratégico e coerente. E o investimento dos produtores em selos de certificação vendidos é muitas vezes cativado, impedindo o seu uso previsto, na promoção. Mas inúmeros produtores – a começar pelas grandes casas – têm uma gestão profissional e muito competente, capaz de alavancar o Douro. Com o inestimável auxílio dos vinhos, claro, cuja qualidade tem sido quase sempre irrepreensível.
A região da Madeira tem vindo a desenvolver igualmente um trabalho meritório, muito por fruto da qualidade humana e da entrega das pessoas que trabalham os seus vinhos, mas também com o contributo singular das empresas históricas que actuam no sector. São vinhos de nicho, mas o seu perfil sensorial rico e a durabilidade sem fim emprestam um reconhecimento crescente junto dos opinion makers.
Pese embora o reconhecimento mediático de alguns casos de sucesso, a maioria das regiões vitivinícolas portuguesas tem avançado de forma lenta, em modo de revolução silenciosa. O prestimoso auxílio do turismo contribuiu para o dinamismo interno. Mas o trabalho com os críticos de vinho e os agentes mais relevantes dos mercados internacionais têm contribuído muito para um crescimento (lento, mas) sólido dos nossos vinhos. Ainda assim, continuamos a ocupar a 11ª posição entre os maiores produtores mundiais. E precisamos ainda de uma estratégia mais coerente e sobretudo mais rápida, para assegurar que os nossos vinhos deixam em definitivo de ser confundidos com os espanhóis, afirmam uma categoria própria, de “vinhos de Portugal”, e abandonam as prateleiras do fundo nos supermercados e nas garrafeiras internacionais. Seja imitando a lebre ou a tartaruga das Fábulas de Ésopo, certo é que a meta está bem à vista e todos estamos a caminhar para lá chegar.

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