Ângela da Ponte

© Rui Neto

Compositora, docente no Conservatório de Vila Real, Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo (IPP) e investigadora no CESEM – Centro de Estudos em Música, tem visto a sua obra tocada por inúmeras formações incluindo Smirnov Quartet (Basel Music Academy), Remix Ensemble Casa da Música (PT), Oregon Symphony (EUA), Vertixe Sonora (ES) e Ensemble New Babylon (DE).
O reconhecimento do seu trabalho inclui a atuação e estreias em vários festivais, e várias distinções que incluem, a representação de Portugal na 67.ª Tribuna Internacional de Compositores (RS), Prémio Ibermúsicas – Composição e Estreia de Obra 2022, obra selecionada no ISCM World Music Days 2023 em África do Sul e vencedora do 1º Concurso Internacional de Composição de Lied Alvaro García de Zúñiga.

© Alípio Padilha

Quem é Ângela da Ponte, para além da talentosa compositora e professora?

Talvez uma mulher simples, curiosa, que procura o lado simples da vida.

Ainda mantém ligação a Ponta Delgada?

Alguma, sim. Ainda tenho grande parte da minha família a viver na ilha de S. Miguel, e, claro, visito-a regularmente. Por vezes também mantenho contacto com a casa que me formou na música – o Conservatório de Ponta Delgada – em projetos e concertos. Gosto de manter contacto, por um lado rever antigos professores e colegas que agora são professores naquela instituição, mas também tenho muito gosto em poder contribuir de forma pedagógica e artística. Conhecer as novas gerações que por aquele Conservatório passam.

© Rui Neto

Tendo entrado para o Conservatório de Música com 5 anos, como foi a decisão de se tornar compositora?

Essa decisão chegou tarde na minha vida estudantil. Enquanto aluna muito nova, pensamos sempre em ser muitas coisas. Mas houve uma altura em que cheguei a pensar muitas vezes que ia seguir o instrumento e tocar na orquestra Gulbenkian (que era a grande referência nos anos 90, e talvez única, que nos chegava do continente). Contudo, e já expus isto noutras ocasiões, a minha professora de violino na altura (Shelley Ross) dizia que eu inventava melodias e mostrava-lhe durante a aula. O “bichinho” já lá estava. Só mais tarde, no ensino secundário, é que tive noção do que era ser-se compositora e foi para mim uma revelação surpreendente. De repente parecia que tudo fazia sentido ir por aquele caminho. A primeira experiência a sério foi num concurso interno de composição organizado pelo Conservatório Regional de Ponta Delgada, tinha 15 ou 16 anos. Se bem me lembro fiz uma peça para trio e ganhei um prémio. Achei tudo aquilo maravilhoso. Mais tarde, também tenho uma memória feliz de um projeto organizado pela prof. Ana Paula Andrade que permitiu aos alunos de Análise e Técnicas de Composição terem as suas peças tocadas. Foi nesse projeto que compus e dirigi um pequeno ensemble e o sentimento foi o de concretização de uma vocação. Depois disso preparei-me para as provas de acesso ao ensino superior e entrei para a ESMAE. A partir daí, tem sido uma aventura incrível.

Ainda toca violino?

Não. Foi importante no meu percurso enquanto estudante, mas abracei a atividade composicional e pedagógica totalmente, deixando naturalmente o estudo do instrumento de lado.

© Rui Neto

Prefere lecionar ou compor?

Compor! É definitivamente a atividade que mais ressoa comigo. Muitas vezes chega a ser uma necessidade. Como pão para a boca. Contudo, ao longo dos anos tenho vindo a usufruir da lecionação e encaro-a como um complemento à atividade artística. Acho muito importante trazer para a sala de aula os desafios provenientes do palco, da investigação também, pois isso traz discussão, desenvolvimento técnico, que depois é implementado no âmbito artístico e que conclui com a exposição de novos ou diferentes resultados. Uma coisa alimenta-se da outra e torna uma aula atual e viva.

Qual foi a importância de Birmingham no seu percurso musical?

Grande. Do ponto de vista pessoal, académico e artístico. Foi a primeira vez que vivi fora de Portugal e a vida académica da Universidade de Birmingham é bastante cosmopolita. Senti que desenvolvi ainda mais o sentido diplomático, artístico, e em específico o da música eletroacústica. Pode parecer curioso, mas também foi aí que aprofundei e compreendi as minhas raízes e com isso desenvolvi e consolidei (quero acreditar que o fiz) uma escrita própria.

Como é o seu processo de composição?

É muito variável consoante o tipo de música e agrupamento para o qual vou escrever. Isto é, se componho música instrumental ou vocal, mista ou acusmática. No entanto, a composição assistida por computador tem sido consistente nos últimos anos. Para além de encontrar um conceito que me inspire e me oriente fortemente nas decisões sonoras, este procedimento ajuda-me a gerar e a desenvolver rapidamente materiais musicais que depois serão validados como sendo plausíveis dentro do contexto e do meu discurso musical.

© Luís Belo
© Luís Belo

Qual foi até à data a peça mais desafiante de escrita?

Todas as peças que compus até hoje apresentavam os seus próprios desafios. Mas devo dizer que a que levei mais tempo a solucionar foi uma composição mais recente (estreada este ano) por efetivamente não ser o agrupamento mais comum – uma peça composta para a Orquestra Portuguesa de Guitarras e Bandolins. Foi deveras um desafio, pois embora conhecesse algum do repertório mais emblemático para bandolim (do período barroco) a imagem do som de uma tuna académica era difícil de sair da minha cabeça (risos). A estratégia que encontrei foi, sem retirar as técnicas idiomáticas, que a sonoridade do conjunto estivesse num contexto sonoro diferente e intrinsecamente ligado ao mundo sonoro da eletrónica. Nesse aspeto, a eletrónica ajudou-me a sair dessa imagem que eu tinha ou que pudesse sugerir do contexto mais popular que conhecemos.

Como está Portugal no panorama dos compositores de música erudita?

Por um lado, penso que melhor que nunca sendo que os últimos 10 anos revelaram-se extraordinários na quantidade e qualidade de compositores que têm visto a sua música nas grandes salas de concerto, a ganhar prémios nacionais e internacionais e a terem uma visibilidade internacional que há 20 ou 30 anos seria impensável. Por outro lado, sinto sempre que ainda há muito a fazer em relação à música composta por portugueses ou compositores que residem em Portugal, pois está concentrado num nicho. Se olharmos para grande parte da programação, o nome de um compositor atual aparecer é quase insignificante, e são efetivamente poucas as casas que têm investido numa cultura contemporânea. É quase cómico, pois no tempo de L. van Beethoven as pessoas ouviam Beethoven e os compositores contemporâneos dele. Ainda, e embora com esforços feitos por casas que incluem na sua programação um Serviço Educativo, na tentativa de aproximar as pessoas deste e outro tipo de música, tenho a sensação que grande parte das pessoas ainda acha que a música clássica contemporânea é algo inacessível e só para as elites. A desculpa também não pode ser a do lado monetário, pois um bilhete para ver a Orquestra Gulbenkian ou o Remix Ensemble é mais barato do que ir ver os Coldplay ou a Madonna! Portanto, há ainda várias lacunas que se assiste no concerne à música erudita ou música clássica contemporânea. Mas penso que é uma lacuna que atravessa quase toda a atividade cultural no país e que só com paciência e sentido educativo pode ser ultrapassado.

Projetos próximos, o que nos pode revelar?

Estão para sair dois CDs. O primeiro, penso que o nome do disco será “Despojos”, pois o projeto teve esse título, com a gravação de um conjunto de peças encomendadas pelo Borealis Ensemble em que “Ombres Resonantes”, obra composta para esse agrupamento, se encontrará no CD. Nesta encomenda do Borealis Ensemble, com a interpretação dos músicos António Carrilho, Helena Marinho e Catherine Strynckx, foram compostas sete miniaturas com uma duração entre 1 a 2 minutos e cujo objetivo foi homenagear compositores que faleceram recentemente e que de certa forma ressoam em mim e na minha música, como, por exemplo, a Kaija Saariaho, Thomas Kessler, Clarence Barlow, entre outros.
O segundo CD será gravado pela Orquestra Portuguesa de Guitarras e Bandolins, numa encomenda que também fizeram a vários compositores portugueses para o projeto “Nova Música” e que neste âmbito surgiu a obra “String Theory”, para a orquestra, eletrónica e vídeo. Estes são os projetos em que brevemente me debruçarei.

Uma mensagem para todos os artistas do mundo.

É um pedido difícil. Penso que serei mais feliz se parafrasear David Bowie: “Nunca trabalhem para outros, não irão aprender nada com isso. Lembrem-se sempre que a razão pela qual começaram esta jornada foi porque sentiram que podiam manifestar algo importante e compreender mais sobre vós e como se posicionam na sociedade. É muito perigoso para um artista satisfazer as expectativas do público, nada emocionante advém daí, e se sentem seguros na área onde estão a trabalhar, então é porque não estão na melhor posição e deverão ir além do seguro.
É quase no limite que o nosso melhor trabalho vem à tona.”

© Rui Meireles

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