As “Pedras da Fome”
Decorria o Inverno de 1946/47. A Alemanha estava a sair derrotada da Segunda Guerra Mundial. Para agravar a situação precária das populações, uma grande fome eclodiu no país. Três grandes ondas de frio congelaram 60 quilómetros do rio Reno. O transporte fluvial da região parou, de tal modo que, nem a comida, nem o carvão para aquecimento chegaram à casa das pessoas. A somar às mortes provocadas pela guerra nos anos anteriores, as mortes por frio e fome foram muitas nesse Inverno.
A inscrição “Ano da Fome 1947” numa das pedras, deu o nome a todas as outras, que desde então se passaram a chamar – “Pedras da Fome”. Ao longo dos tempos, sobre essas pedras, localizadas nos leitos dos rios Reno e Elba, foram-se registando vários anos de seca. Esse “ano de fome” de 1947 ficou profundamente gravado não apenas nas pedras, mas também na memória das pessoas que o vivenciaram. A privação de alimentos foi de tal ordem que, sobre esses tempos difíceis, Herr Erdmann Höra escreveu o seguinte: “Somente a fome nos tocava na época. Não ansiamos mais por carne assada e molho, não, apenas batatas, mesmo que fossem bem verdes. (…) Algumas pessoas infelizmente só sonhavam com isso…”.
As pedras escondidas em águas profundas, perto de Worms-Rheindürkheim , só ficam visíveis quando os níveis da água estão muito baixos, em anos muito quentes e secos – 2022 está a ser um desses anos!
Entre as várias inscrições gravadas nas pedras, pode ler-se: “Ano 1857”. Um pouco mais abaixo: “Ano da Fome 1947”. Seguindo-se os anos de seca de “1959” e “1963”. No “Anno 2003”, uma nova inscrição. Em 2009 (“2009 DS”), mais um ano de pouca chuva, que fez reaparecer as “Pedras da Fome”. No final de 2011, um novo registo, tendo sido o mês de Novembro mais seco, desde 1881. Nesse ano, o nível do Reno media apenas 22 centímetros e, além das “Pedras da Fome”, apareceram algumas relíquias da Segunda Guerra Mundial.
Esses anos de seca e fome foram imortalizados por desconhecidos, que esculpiram nas rochas, para memória futura, as datas desses eventos extremos.
Estas inscrições sobre as pedras, além de reminiscências de tempos difíceis provocados pela seca, alertam para as consequências da falta de água e para as repercussões decorrentes da escassez desse bem essencial, nomeadamente, para a quebra das produções agrícolas e para a fome. Os baixos níveis de água impedem a navegabilidade dos rios, dificultando desse modo, as trocas comerciais e a entrega de alimentos.
Uma das “Pedras da Fome” mais famosas é a de Děčín, na República Tcheca, na qual se pode ler: “Se você me vir, chore”, esculpido em alemão. Esta inscrição é uma das mais antigas, datando de 1616. Localiza-se no rio Elba, próxima da fronteira entre a Alemanha e a República Checa.
Numa outra pedra da fome, localizada na Baixa Saxónia, está escrito: “Se esta pedra desaparecer, a vida florescerá novamente”.
Apesar de serem eventos que foram acontecendo ao longo dos séculos, as secas extremas, como a que actualmente assola Portugal e o resto da Europa, são apenas mais uma de entre as várias consequências do aquecimento global e os seus impactes são consideráveis, não só nas plantas e nos animais selvagens e domésticos, mas também no desenvolvimento económico e na vida das pessoas.
O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico
Celeste Cardoso
2 anos agoO artigo carrega uma profundidade temática notável! Foi um deleite poder ler e descobrir a história impactante das “Pedras da Fome”. Os meus enormes parabéns! Fico ansiosa pelo seu próximo artigo!