As regras de português nascem nos livros?

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Não será impossível imaginar um mundo em que uma qualquer espécie de símio inventasse palavras – mas só isso. Nada de regras para criar frases a partir dessas palavras. Esse animal imaginário – levemente parecido connosco, que somos conhecidos símios sabichões – saberia dizer:
– Árvore!
– Céu!
– Tigre!
Imagino que as palavras fossem úteis para apontar para a árvore que cai, o céu que escurece, o tigre que aparece com vontade de comer macacos falantes.
Mas, e depois? O que aconteceria?
– Ainda me lembro bem do tempo em que vivíamos perto daquele lago… Aquele lago a que chamávamos Grande Poça Divina! Bons tempos… E ainda o Grande Chefe estava vivo e eu vivia com a Carla…
Não, esta frase nunca sairia das bocas desses seres inventores de palavras. Não haveria regras e, logo, para eles poderia sair qualquer coisa como:
– Lembrar. Tempo. Viver. Lago. Perto. Nome. Lago. Poça. Tempo. Bom. Chefe. Vivo. Carla. Casa.

Nem Grande Poça Divina seria possível, pois «grande» e «divina» já seguem algumas regras de concordância e colocação… E, para dizer a verdade, a sequência de palavras que inventei segue uma vaga ordem que talvez seja um pouco excessiva para os nossos seres produtores de palavras.

As regras dizem-nos onde pôr as palavras, por que ordem, como transformá-las de acordo com o tempo, entre muitas outras coisas.

Que regras são estas? São regras que nos dizem como mudar a forma das palavras (por exemplo, passar de «falar» para «falei») ou como pôr as palavras numa determinada ordem («o cão» e não «cão o»).

Há línguas que preferem usar a forma das palavras (o turco, por exemplo), enquanto outras investem na ordem das palavras (o chinês, por exemplo) – embora, na verdade, quase todas usem ambas as estratégias aqui e ali para criar frases com sentido a partir das palavras individuais.

Em português, por exemplo, se disser «O João falou com a Maria.», estou a usar a forma da palavra «falar» para mostrar que o verbo está no pretérito passado e a ordem das palavras para mostrar que o sujeito é o João, e não a Maria. «A Maria falou com o João.» usa as mesmas palavras, com a mesma forma, mas em ordem diferente.

Este uso das especiarias gramaticais (ordem e forma) varia de língua para língua e de época para época – o latim usava muito mais a forma das palavras para determinar a sintaxe (e é, assim, chamada uma língua mais sintética do que as línguas latinas), enquanto as línguas latinas tendem a usar palavras diferentes numa determinada ordem para chegar ao mesmo sítio (e são, assim, línguas mais analíticas do que o latim).

Todas as línguas têm partes de palavras e palavras inteiras que são peças da maquinaria gramatical. Por exemplo, no verbo «falei», o «-ei» é um pedaço de palavra que lhe dá a forma particular do pretérito perfeito do indicativo (na primeira pessoa). Já na frase «falei de ti», o «de» é uma preposição que liga o verbo ao «tu», que também está numa forma particular (por causa da função sintáctica que tem na frase). Tanto o «de» como o «ti» são peças da maquinaria da língua.

Mudam muito mais lentamente – e raramente aparecem novos companheiros nas suas categorias (preposições e pronomes).

O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico

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