Diáspora: há votos que valem mais do que outros
Não se sabe ao certo quantos Portugueses residem fora de Portugal.
Parece estranho, mas não se sabe. Sabe-se apenas que são muitos. Há quem fale em 5 milhões e recentemente, o Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, Augusto Santos Silva, disse que são quase 6 milhões.
Portugal é pois um povo espalhado pelo mundo. Até porque há Portugueses em praticamente todos os países.
Destes Portugueses que residem no estrangeiro, há aqueles que foram obrigados a sair de Portugal à procura de melhores condições de vida, há aqueles que saíram por vontade própria – por vezes para formação, por razões profissionais ou até por amor – e há aqueles que nunca emigraram porque já nasceram no estrangeiro.
Quem anda pelas Comunidades ouve muitas vezes dizer aos Portugueses que moram no estrangeiro que são tratados como “Portugueses de segunda”.
Na maior parte dos casos ninguém dá importância a este tipo de afirmações. Os políticos, os diplomatas e certamente a maior parte de nós, acredita que não é verdade, que são afirmações
que ultrapassam a realidade e que são expressões próprias de quem está “de mal” com Portugal.
Mas quem tiver a inteligência de olhar com calma para a situação dos Portugueses residentes no estrangeiro, perceberá que há evidentes indícios de discriminação que saltam aos olhos de quem efetivamente é tratado como “Português de segunda”.
Desde logo o “apagão” de que os Portugueses residentes no estrangeiro são vítimas nos órgãos de comunicação social em Portugal. É estranho que os tais 6 milhões de Portugueses residentes no estrangeiro não tenham notícia, salvo, de vez em quando, uma nota quando há um atentado em Paris, quando há um novo jogador português na Inglaterra, ou quando fazem subir uns pontos na abstenção, por exemplo nas eleições presidenciais.
O assunto é bem mais discriminatório quando sabemos como é tratada em Portugal, a informação sobre o mundo. Em Portugal fala-se mais do “mundo” do que propriamente em França, onde resido. Mas mesmo assim, consegue-se evitar falar dos Portugueses que residem… no mundo.
É como que 6 milhões de pessoas desaparecessem do mapa. Não existissem! Ignoram-se!
Depois também podíamos falar da forma como funciona a Administração portuguesa no estrangeiro. Se eu quiser tirar um Cartão de Cidadão, em Paris, no dia em que escrevo este texto, tenho de esperar pelo menos 6 meses para obter vaga de atendimento no Consulado Geral de Portugal em Paris. Esta não é uma situação normal na Administração de nenhum país, quanto mais na Administração de um país que considera importante as remessas dos emigrantes. Tanto mais que os serviços consulares são pagos pelos utentes!
Não é por mal que se deixa degradar os serviços consulares, mas sim por desleixe, que é bem mais grave ainda.
E se falássemos de deveres cívicos?
Nesta eleição do Presidente da República, os cerca de 1,4 milhões de eleitores no estrangeiro tiveram de votar presencialmente nos postos consulares. É uma das decisões mais estranhas que eu conheço. É como se em Portugal houvesse apenas uma mesa de voto para todo o país.
Para melhor ilustrar esta situação, basta perceber que um Português que reside na cidade francesa de Brest, se quis votar, teve de se deslocar ao Consulado Geral de Portugal em Paris que dista de cerca de 590 km. Ou seja, teve de percorrer 6 horas de carro para votar e mais 6 horas de carro para regressar a casa. Um Português que reside na Guadeloupe, nas Caraíbas, teria de percorrer cerca de 9 horas de avião até ao Consulado de Paris para exercer o seu direito de voto.
Conhecem muitos Portugueses disponíveis para percorrer tantos quilómetros para votar por candidatos que nem se dignam a vir fazer campanhas eleitorais nas Comunidades?
E a nossa representação na Assembleia da República?
Ainda há pouco tempo havia cerca de 300.000 eleitores recenseados nas Comunidades Portuguesas – porque nos dois círculos eleitorais da emigração o recenseamento não é obrigatório – e agora há 1,5 milhões de recenseados. Se antes tínhamos 4 Deputados no Parlamento, agora continuamos a ter… os mesmos 4. Estranho, não é?
Em todos os distritos portugueses, o número de Deputados é definido proporcionalmente ao número de eleitores do círculo eleitoral. Por isso, que dizer do facto que no círculo eleitoral do Porto, com cerca de 1,5 milhões de eleitores, sejam eleitos 40 Deputados e no círculo eleitoral da emigração, com o mesmo número de eleitores, sejam eleitos… 4 Deputados? Não será discriminação?
O voto de um Português que reside no estrangeiro não tem o mesmo valor que o voto de um Português que resida em Portugal. Quem quer ousar desmentir-me?
Deixo agora duas considerações finais:
A primeira para dizer que Diáspora é uma expressão que se aplica a um povo disperso em consequência de preconceito ou perseguição política, religiosa ou étnica. Por isso, tendo em conta a forma como Portugal discrimina alguns dos seus cidadãos pelo simples facto de residirem no estrangeiro, eu continuo a considerar que estamos, efetivamente, perante uma Diáspora!
A segunda, para dizer que, no caso português, apesar de discriminados, os cidadãos residentes no estrangeiro guardam uma relação muito forte com Portugal. E Portugal sabe disso. Por isso, é frequente ver vários Ministros juntos para debaterem as formas de captar o investimento dos emigrantes. Foi até criado recentemente, um Programa Nacional de Apoio ao Investimento… da Diáspora!
Pena que não haja a mesma mobilização para alterar as Leis eleitorais, uniformizando-as e aproximando-as dos eleitores.
Na minha humilde opinião, o país que organiza o Web Summit vai ter de dar o passo e organizar, de uma vez por todas, o voto eletrónico.