Dimensões sociais do alcoolismo
Desde os tempos mais remotos que as bebidas alcoólicas são conhecidas pelos seus efeitos tónicos e euforizantes e consumidas pelas civilizações.
Desde os anos 50 que a questão do abuso do consumo de Álcool vem sendo objeto de discussão na Organização Mundial de Saúde (OMS), mas só em 1967 o Alcoolismo foi considerado na Classificação Internacional das Doenças, no Grupo 2 pela sua grande dependência física e psicológica, com capacidade para modificar o funcionamento do organismo e dos sentidos. O Álcool é uma das poucas drogas psicotrópicas, uma vez que atua a nível do comportamento de quem a consome e com capacidade para desenvolver dependência, cujo consumo tem uma ampla aceitação social.
A problemática do Alcoolismo enquanto problema social tem atualmente repercussões em todas as suas dimensões. O Alcoolismo é um dos maiores problemas de saúde pública na sociedade portuguesa, mas também a nível mundial, dado a sua prevalência e gravidade com forte impacto social.
Considerando que a dependência em Portugal aumentou quase 50% na última década, atingindo atualmente valores que rondam os 4,5% e que continua a ser um dos países com mais elevado consumo de bebidas alcoólicas per capita (consumo médio 12 litros per capita por ano) registando a taxa mais elevada de consumo diário da União Europeia e em que 80% são homens a par do aumento de consumo por parte dos jovens e das mulheres, que bebem cada vez mais cedo e bebidas cada vez mais graduadas, não é de estranhar que os problemas familiares e de violência doméstica, laborais, de sinistralidade rodoviária, comunitários e criminais tenham cada vez mais a presença do consumo de álcool.
O reconhecimento da doença e das suas especificidades e complexidades é regra geral tardio no diagnóstico, tratamento e reabilitação tendo como resultado um profundo impacto com efeitos sentidos em todas as dimensões do social. Assim sendo, a visão do Alcoolismo tem de englobar a análise da doença alcoólica como uma dependência com consequências patológicas e psicológicas, com compromisso de todos os órgãos e sistemas, particularmente considerando os “modelos” de ingestão, as intoxicações agudas e o alcoolismo crónico, assumindo o consumo excessivo de Álcool uma das principais causas de doença e morte prematura a nível mundial.
Em Portugal, se é verdade que deixamos de ter de uma forma generalizada, como há algumas décadas, as “sopas de cavalo cansado” como fonte complementar de energia, inclusive na primeira infância, também é verdade que a atual idade de início de consumo de Álcool está registada aos 12 anos pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) em conjunto com o Observatório Europeu e o consumo excessivo de bebidas alcoólicas se mantém com repercussões médicas marcadas e altos custos para a sociedade com implicações familiares, profissionais, económicas e legais.
São necessárias estratégias de avaliação e de intervenção que permitam uma resposta mais eficaz considerando a multidimensionalidade do Alcoolismo.
A procura de ajuda médica, nomeadamente em consultas de alcoologia, de doentes com alcoolismo tem aumentado, não só com novos casos, mas também de casos mais antigos com recaídas, o que é positivo no sentido de adesão terapêutica, mas por outro lado tem demonstrado as fragilidades existentes nas respostas dos serviços de saúde.
Estima-se que só uma percentagem muito pequena, que ronda os 10% dos cerca de um milhão de doentes com perturbações do uso do Álcool, estão em tratamento. Considerando que as manifestações clínicas são muito variadas com quadros clínicos diversos, agudos e crónicos, é fundamental aumentar e diversificar as respostas médicas e melhorar a acessibilidade aos tratamentos. Tem de haver concomitantemente a estas respostas uma intervenção de prevenção primária, secundária e terciária com papel relevante da Saúde Pública, com respostas integradas, com uma consciencialização social e cultural, para que se possam registar diminuições de consumos a par da reintegração social e readaptação à sociedade. É de vital importância dotar o País e a Saúde de recursos humanos e estruturas para o desenvolvimento e implementação de campanhas de prevenção geradoras de mudanças de comportamentos socioculturais.
Umas palavras sobre os efeitos do Álcool durante a gravidez. Desde tempos imemoriais que o álcool foi associado a efeitos nocivos sobre a criança que irá nascer. De facto, o etanol atravessa livremente a barreira placentária pelo que a difusão do Álcool vai fazer-se facilmente apenas em dependência do fluxo sanguíneo da placenta. Assim, a possibilidade de efeitos teratogénicos é uma realidade. O Álcool é responsável por variadíssimas alterações na gravidez com um aumento de incidências de malformações por efeitos tóxicos diretos no processo de divisão celular no período embrionário, mas também são significativas as repercussões sobre o período fetal e mesmo alterações do desenvolvimento pós-natal. Neste contexto é um fator de agravamento o facto de o consumo excessivo de Álcool nas mulheres ser particularmente grave, uma vez que o seu organismo tem menor capacidade de metabolizar grandes quantidades pelo que atinge mais facilmente níveis de toxicidade mais elevados. É um imperativo o combate ao modo despreocupado e permissivo como ainda é encarado em alguns setores pela população em geral o consumo do Álcool na conceção e na gravidez tendo em conta a prevenção e promoção da Saúde na sua globalidade.
Sendo atualmente o Álcool, em Portugal, uma droga legal e comercializada e aceite socialmente, associada numa larga maioria da população a uma cultura e estilo de vida ou mesmo de identidade de grupos sociais, faz com que seja acrescida a dificuldade de intervenção nas diferentes vertentes da problemática do Alcoolismo com uma larga interação de fatores.
A Alcoologia como área da Medicina que se dedica ao estudo, diagnóstico, prevenção e tratamento dos problemas relacionados com o consumo excessivo de álcool, é uma disciplina multidisciplinar que envolve diferentes especialidades médicas, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais de saúde com um papel fundamental na Saúde no seu conceito global e em particular na Saúde Mental.
Concluímos destacando todo o trabalho feito nesta área da Alcoologia, mas também a necessidade de um maior esforço de todos os intervenientes e de todas as estruturas com programas abrangentes e inovadores de divulgação e de intervenção na prevenção, no diagnóstico e no tratamento do Alcoolismo, contribuindo para a alteração desta problemática no nosso País. Questões como as subidas dos preços das bebidas alcoólicas ou a fixação de preços mínimos ou mesmo as questões de publicidade e de marketing terão de ser considerados numa abordagem mais global das vertentes económicas e em particular na repercussão nos custos da Saúde.
Todos podemos colaborar na luta contra o Alcoolismo. Vamos todos empenharmo-nos em intervenções geradoras de conceitos, de atitudes e de comportamentos compatíveis com uma Qualidade de Vida desejável.