Emídio Sousa

Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas

© Descendências/Tiago Araújo

Emídio Sousa, Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, assume-se como um entusiasta da ligação entre Portugal e a sua diáspora, numa altura em que mais de cinco milhões de portugueses e lusodescendentes espalham-se pelos quatro cantos do mundo.
Nesta entrevista, fala-nos do seu percurso pessoal e profissional, da experiência de ser filho de emigrantes, e, sobretudo, do ambicioso conceito que pretende tornar uma realidade concreta: “Portugal Nação Global”. Um projeto que visa não apenas fortalecer os laços culturais e económicos entre Portugal e os seus cidadãos no estrangeiro, mas também criar uma rede ativa de oportunidades, interação e pertença que possa projetar o país de forma global, mobilizando comunidades, empresários e novos talentos espalhados pelo mundo.

© Descendências/Tiago Araújo

Muitas vezes a opinião pública conhece apenas os cargos que uma pessoa ocupa, a sua biografia política ou o currículo institucional que o acompanha. No entanto, por detrás da função existe sempre o ser humano, com experiências, valores, influências e vivências que moldam a forma como governa e decide. Assim, deixando de lado títulos, funções e ofícios, quem é, em essência, Emídio Sousa?

Sou natural de Fiães, no concelho de Santa Maria da Feira. Sou casado e pai de três filhos.
Na minha juventude passei por várias experiências profissionais em diferentes empresas, que contribuíram muito para o meu crescimento pessoal e profissional. Licenciei-me em Gestão Pública e, posteriormente, desempenhei funções como secretário-geral de uma empresa de abastecimento de água e saneamento em Vila Nova de Gaia.
Em finais de 2005, ingressei na Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, onde fui vereador e vice-presidente, com responsabilidades sobretudo ligadas ao saneamento e ao abastecimento de água – um problema estrutural que o município enfrentava e para o qual fui convidado a contribuir, por ser especialista na área. Permaneci oito anos nesse cargo, até que o partido me desafiou a candidatar-me à presidência da autarquia. Fui eleito presidente da Câmara Municipal em 2013 e exerci funções durante cerca de 11 anos, até 2024.
Nesse ano, o Senhor Primeiro-Ministro e o partido convidaram-me para ser cabeça de lista pelo distrito de Aveiro nas eleições legislativas. Fui eleito deputado, cargo que exerci durante apenas uma semana, pois pouco depois recebi o convite para integrar o Governo como Secretário de Estado do Ambiente, funções que desempenhei durante 11 meses. Posteriormente, voltei a ser chamado pelo Primeiro-Ministro para assumir a Secretaria de Estado das Comunidades, missão que hoje desempenho com enorme honra e sentido de responsabilidade.
Sou filho de emigrantes. Os meus pais partiram para França quando eu tinha apenas 5 ou 6 anos. Tal como muitas famílias portuguesas da época, o objetivo era trabalhar para construir uma casa em Portugal e dar condições para que os filhos pudessem estudar. Eu e o meu irmão ficámos em Portugal com a nossa avó, enquanto os meus pais lutavam por esse sonho. Concretizaram-no em parte: fizeram a casa e permitiram que estudássemos, mas o regresso definitivo acabou por não acontecer. O meu pai já faleceu e a minha mãe continua a viver em França.
A ligação à emigração está, de resto, muito presente na minha família. O meu avô emigrou para a Venezuela, tenho primos a viver em Inglaterra, na Suíça, no Gana e no Brasil. Cresci com esse ambiente e com todas as emoções que a emigração envolve: lembro-me bem do mês de agosto, que era sempre vivido como uma festa à chegada dos meus pais e um mar de lágrimas na despedida. No Natal, ora eram eles que vinham, ora era eu que ia ter com eles a França. Por isso, digo sem hesitação: sou profundamente marcado pela condição de descendente de emigrantes e por tudo o que ela representa.
No plano pessoal, tenho vários hobbies. A leitura é, sem dúvida, o principal – ando sempre com um livro comigo. Gosto também de praticar desporto: quando era mais jovem joguei voleibol e futebol amador, e atualmente procuro manter o hábito de fazer caminhadas e exercício físico sempre que posso. Além disso, tenho uma grande paixão pela música e sou um verdadeiro apreciador da praia.

Integrar um Governo é sempre uma decisão carregada de responsabilidade e de muita ponderação. Quando recebeu o convite para assumir a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, em que momento percebeu que era o tempo certo para dar esse passo? Que fatores pesaram mais — a confiança política que lhe foi transmitida, a experiência acumulada em cargos de liderança, ou a convicção de que poderia marcar a diferença numa área tão sensível e tão identitária para o país?

Estou na vida pública há quase 40 anos e na vida política há cerca de duas décadas. A minha experiência autárquica marcou-me profundamente, porque tive a oportunidade de transformar o meu território. Realizei inúmeras obras estruturantes, resolvi problemas antigos ligados ao abastecimento de água e ao saneamento, criei zonas desportivas, postos de saúde e infraestruturas que melhoraram significativamente a qualidade de vida da população.
Já nesse período, creio que um dos fatores que levou o Senhor Primeiro-Ministro a convidar-me foi precisamente a minha perceção do valor da diáspora. Por razões familiares conhecia bem o que significava ser emigrante e percebia claramente o imenso potencial que as nossas comunidades no estrangeiro representavam.
Recordo, por exemplo, que em 2012, ainda como vice-presidente da Câmara, participei numa viagem de negócios a Tours, em França. A região estava a organizar um grande evento empresarial, tendo Portugal como país convidado. Fiz questão de estar presente. Na altura atravessávamos um período muito difícil, com a intervenção da Troika e uma taxa de desemprego muito elevada. Logo nesse encontro percebi algo que me marcou: em França existiam cerca de 55 mil empresas de portugueses ou geridas por portugueses.
A maioria dos emigrantes nutre um amor profundo pelo país. O ato de partir deixa uma marca que os acompanha para sempre, e a grande maioria gostaria de ajudar Portugal, mas muitas vezes não sabe como fazê-lo. Nessa altura compreendi que, se oferecêssemos aos emigrantes um enquadramento claro para investirem em Portugal, abrir-se-ia um manancial de oportunidades. Foi exatamente isso que procurei fazer na Câmara Municipal de Santa Maria da Feira: atrair investimento e criar pontes com comunidades de todo o mundo.
Penso que essa ligação permanente à diáspora, a forma como soube valorizar esse potencial e a experiência prática de ter estabelecido contactos internacionais foram aspetos que pesaram na decisão do Primeiro-Ministro. Vim para esta função com uma experiência riquíssima: a de descendente de emigrantes e a de quem percorreu várias comunidades portuguesas, promovendo as nossas empresas no exterior e, ao mesmo tempo, atraindo investidores para Portugal.
Hoje estou muito entusiasmado. Tenho uma equipa competente e dedicada ao meu lado, pessoas que sei que me vão ajudar a concretizar esta missão. O Senhor Ministro já expressou claramente o entusiasmo com o conceito de “Portugal Nação Global”, que considerou uma ideia extraordinária. Agora, o nosso objetivo é trabalhar para transformar este conceito em realidade.
Quero lançar esta marca, dar-lhe força e consistência. Mas o meu verdadeiro objetivo é que ela seja interiorizada, vivida e partilhada por todos. Se conseguirmos que vingue e que mobilize os portugueses, em Portugal e no mundo, então poderei dizer que sou um homem feliz.

© Descendências/Tiago Araújo
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Referiu que um dos seus objetivos centrais deste mandato é lançar a marca “Portugal Nação Global”. Poderia explicar-nos em detalhe o que este conceito significa, qual a sua importância estratégica e de que forma pretende mobilizar as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, assim como os diversos setores da sociedade e os empresários portugueses, para que esta visão se torne uma realidade concreta e efetiva?

O conceito que considero central e que mais quero desenvolver é o de “Portugal Nação Global”. Trata-se de uma ideia que fui consolidando ao longo dos contactos que mantenho com os nossos emigrantes e com a diáspora portuguesa, mas que, de certa forma, já fazia parte do meu percurso pessoal e familiar. Sempre tive a perceção de que Portugal possui um potencial imenso, que ainda não foi plenamente aproveitado.
De facto, somos uma nação global. Tradicionalmente, a definição académica de “nação”, aprendida no liceu ou na universidade, está associada a um território geograficamente delimitado, habitado por uma população com língua e cultura comuns. É por isso que, por exemplo, em Espanha podemos falar em várias nações e, noutros países, encontramos múltiplas expressões desse conceito. O que eu proponho é uma mudança de perspetiva: pensar a nação não apenas como território, mas como pessoas – uma “nação-pessoas”. E é precisamente aí que Portugal ganha uma dimensão extraordinária.
As nossas comunidades estão presentes em 178 países. Muitas vezes, dentro de um mesmo país, encontramos várias comunidades, espalhadas por diferentes regiões. O resultado é uma rede absolutamente notável, presente em todos os continentes. Da América do Norte à América do Sul, de África à Ásia, passando pela China ou pela Índia – há sempre portugueses, há sempre comunidades portuguesas. Se, em vez de olharmos para a nação como espaço geográfico, a entendermos como esta rede de pessoas, de comunidades, Portugal afirma-se como uma das maiores nações do mundo. É por isso que faço questão de trabalhar e consolidar esta marca: “Portugal Nação Global”.
Acredito que o primeiro passo passa pelo setor dos negócios. Entre os portugueses espalhados pelo mundo encontramos grandes empresários e empreendedores que querem investir em Portugal, estabelecer parcerias e criar novas oportunidades com empresas nacionais. É precisamente nesse sentido que, já no próximo ano, iremos organizar o primeiro grande evento ligado ao conceito de “Portugal Nação Global”, com foco especial na área económica.
Quando falo de negócios, não me refiro apenas a bens transacionáveis. Falo também de setores como a educação, a saúde, a agricultura, a tecnologia, o software, a inovação ou os equipamentos. Existe aqui um imenso leque de áreas em que podemos gerar valor acrescentado e contribuir para o desenvolvimento da nossa economia. E não se trata apenas do empresário português que está no estrangeiro e quer investir cá; trata-se também de abrir caminho para que empresas portuguesas possam criar relações comerciais com essas comunidades no exterior. O grande objetivo deste primeiro evento é, portanto, promover interligações B2B, criando uma verdadeira comunidade económica global de portugueses.
Pretendemos lançar as bases de um conceito estruturante, que reforce a consciência de que a diáspora portuguesa é uma rede viva, dinâmica e permanentemente ligada ao país. Quero, igualmente, envolver neste processo os municípios portugueses, porque são eles que conhecem em profundidade as potencialidades e necessidades dos seus territórios. Fui presidente de câmara e sei bem a importância que as autarquias têm na diplomacia económica, na captação de investimento e na criação de oportunidades. Por isso, os autarcas que assim o desejarem terão também espaço neste evento para apresentar as oportunidades dos seus concelhos.
Hoje vemos que Portugal é cada vez mais procurado por grandes investidores, empresários, desportistas de topo ou artistas de renome. E porquê? Porque temos condições únicas: qualidade de vida, segurança, serviços públicos de referência, gastronomia, clima agradável e, sobretudo, um ambiente de paz que é cada vez mais raro no mundo atual. Estes fatores explicam a crescente atratividade do país, e é fundamental que saibamos preservá-los e potenciá-los. Contudo, enfrentamos um grande desafio interno: os baixos rendimentos. O custo de vida tem vindo a aumentar e, para muitas famílias, a realidade é difícil. O nosso dever, enquanto nação, é encontrar caminhos para criar valor, aumentar os salários e melhorar o bem-estar e o rendimento das pessoas. Só assim Portugal poderá desenvolver-se plenamente e concretizar todo o potencial que efetivamente possui.

Considera que este aumento do investimento estrangeiro, que tem vindo a ganhar expressão em Portugal, pode assumir um papel determinante no crescimento económico e, consequentemente, na melhoria dos rendimentos e da qualidade de vida dos portugueses?

Acredito firmemente que é a economia – através dos negócios, das empresas e da capacidade de gerar riqueza – que permite criar valor e, com isso, pagar melhores salários. O aumento do rendimento das pessoas não se consegue por decreto. Se fosse apenas uma questão de lei, seria fácil, mas a realidade é bem diferente.
A verdadeira criação de riqueza resulta do desenvolvimento económico, da dinâmica empresarial, da inovação, da cultura e de todos os fatores que contribuem para acrescentar valor a um território. Só quando tivermos essa base sólida de crescimento e investimento seremos capazes de garantir melhores condições de vida para todos os portugueses.

No âmbito do conceito “Portugal Nação Global”, como vê a integração das regiões autónomas, nomeadamente os arquipélagos da Madeira e dos Açores, que têm uma presença histórica e significativa nas nossas comunidades espalhadas pelo mundo?

Não encaro esta questão como uma separação entre continente e regiões. Vejo o conceito “Portugal Nação Global” de forma verdadeiramente global, envolvendo todos os portugueses, independentemente do território de origem.
As nossas ilhas têm, de facto, uma presença enorme nas comunidades portuguesas nos Estados Unidos, no Canadá, no Brasil e em África, o que é notável. Mas para mim, o objetivo é que o “Portugal Nação Global” seja um conceito abrangente, inclusivo e mobilizador, onde todos se sintam representados e integrados.
O presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, é um grande entusiasta desta ideia e tem uma dedicação exemplar à causa da diáspora. O mesmo se aplica ao presidente do Governo dos Açores. As regiões autónomas são, de facto, territórios que já têm esta consciência fortemente interiorizada. O meu objetivo agora é expandir essa visão e transformá-la numa marca global, que mobilize e una todos os portugueses, dentro e fora de Portugal.

No Orçamento do Estado para 2025 foi anunciado um investimento adicional de cerca de 48 milhões de euros para reforçar redes consulares, ensino da língua portuguesa e apoio ao associativismo. Como será de forma concreta distribuído esse montante? Que programas ou serviços já reforçados com estes fundos e quais são os indicadores que permitirão às comunidades perceber, no terreno, esse investimento?

Estamos neste momento a reforçar a nossa rede consular, com a abertura de novos consulados e o aumento de recursos humanos em alguns já existentes. No que respeita ao ensino de português no estrangeiro, contamos com a Escola Portuguesa no Estrangeiro e estamos a proceder a uma revisão do regime jurídico, que será atualizado para melhor responder às necessidades atuais.
Mantemos também um conjunto de apoios destinados a eventos, concursos e associações das comunidades portuguesas, fundamentais para a preservação da nossa identidade cultural além-fronteiras. Paralelamente, queremos abrir novas possibilidades de apoio aos órgãos de comunicação social da diáspora, que desempenham um papel crucial na ligação das comunidades ao país, mas que enfrentam dificuldades significativas.
Diria, por isso, que temos quatro eixos prioritários de intervenção: os projetos da diáspora, o ensino do português, a rede consular e a comunicação social. São áreas que nos preocupam e às quais queremos dar todo o apoio possível, dentro dos meios disponíveis.

A língua portuguesa é, sem dúvida, o maior elo de ligação entre as comunidades e o país. Mas sabemos que em muitos países existem dificuldades de recursos, falta de professores e comunidades geograficamente dispersas. Que medidas estão em cima da mesa para reforçar o ensino do português em contextos tão desafiantes?

No que respeita especificamente ao ensino português no estrangeiro, estamos já a avançar com a revisão do respetivo regime jurídico. Existe, neste momento, uma equipa de juristas dedicada a este processo, cujo trabalho interno se encontra praticamente concluído. A nossa expectativa é que até ao final do ano todo o enquadramento legal esteja revisto. Naturalmente, segue-se depois a fase de auscultação, que exige diálogo com os representantes dos trabalhadores, com outros ministérios e com diferentes entidades relevantes, de modo a assegurar que o resultado final seja equilibrado, robusto e eficaz.

Que outras mudanças estão a ser preparadas para tornar o ensino da língua portuguesa mais acessível, digital e culturalmente rico?

O ensino da língua portuguesa é muito acessível e continua a ser um instrumento de ligação fundamental às nossas comunidades. No entanto, há dois fatores que, na minha perspetiva, explicam a diminuição do número de alunos.
O primeiro é a natalidade. Esquecemo-nos, muitas vezes, que Portugal e a maioria dos países onde temos comunidades vivem hoje um contexto de baixa natalidade. Naturalmente, com menos crianças, existem também menos alunos potenciais para o ensino do português.
O segundo fator tem a ver com a evolução geracional. A consciência da importância de aprender português tende a ser mais forte na primeira geração de emigrantes, mas pode ir diminuindo nas segundas e terceiras gerações. Isso acontece porque, frequentemente, a ligação direta ao país de origem já não é tão intensa, e muitas vezes há casamentos ou uniões com pessoas de outras nacionalidades, o que torna a prioridade do ensino da língua portuguesa menos evidente.
O que temos de continuar a fazer é incentivar as famílias a valorizar essa aprendizagem. E o lugar mais importante para começar é em casa. Uma criança tem uma enorme capacidade de aprendizagem e pode facilmente dominar três, quatro ou cinco línguas. O português deve ser uma delas. O papel da escola é depois otimizar e aprofundar esse conhecimento, mas a base está no ambiente familiar.
Este é, aliás, o apelo que faço sempre: falem português em casa com os filhos. Para além de ser uma mais-valia cultural e afetiva, aprender português pode também abrir portas no futuro. Conheço inúmeros casos de pessoas que foram contratadas por multinacionais, ou que encontraram oportunidades no estrangeiro, precisamente porque dominavam o português – seja porque a empresa queria investir em Portugal, seja porque valorizava a ligação a mercados de língua portuguesa. A língua é, assim, não apenas um elo de identidade, mas também uma ferramenta estratégica para a vida profissional e pessoal.

© Descendências/Tiago Araújo
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Nos últimos anos, tem-se assistido a um número crescente de estrangeiros a aprender português e a uma expansão de escolas fora de Portugal que oferecem a língua como segunda ou terceira opção curricular. De que forma este fenómeno pode contribuir para o reconhecimento internacional do português como uma língua de futuro?

Esse fenómeno confirma precisamente aquilo que tenho defendido: Portugal é, de facto, uma nação global. Hoje, o português é falado por cerca de 300 milhões de pessoas, espalhadas por diferentes países e continentes, o que lhe confere uma amplitude geográfica notável. Não por acaso, o português ocupa já a posição de sexta língua mais falada do mundo.
Se, para além dos números absolutos de falantes, considerarmos também a dispersão geográfica – as nossas comunidades em 178 países, distribuídas por centenas de localidades – poderíamos mesmo dizer que o português é, em termos de presença territorial, uma das línguas mais difundidas do planeta.
Este é um potencial que não podemos desperdiçar. Portugal é hoje reconhecido internacionalmente como um país atrativo para viver, trabalhar e estudar. Essa perceção positiva, associada ao peso crescente da língua portuguesa, constitui um valor estratégico que temos de saber aproveitar, reforçando a nossa posição cultural, económica e diplomática no mundo.

A cidadania portuguesa, enquanto direito fundamental, tem sido um processo demasiadas vezes marcado por burocracias, longos prazos e complexidades jurídicas que dificultam a vida de quem procura apenas ver reconhecida a sua ligação a Portugal. Muitos lusodescendentes sentem-se afastados ou até injustiçados por estas barreiras. Que reformas legislativas ou simplificações administrativas pretende promover para que os processos de atribuição de nacionalidade, reconhecimento de filiações e validações documentais se tornem mais céleres?

Este desafio resulta essencialmente da falta de recursos humanos, uma necessidade que temos de suprir com urgência. O número de pedidos de nacionalidade portuguesa tem vindo a crescer de forma muito significativa, sobretudo por parte de lusodescendentes, e isso gera naturalmente alguma demora nos processos. No entanto, essa situação está já a ser solucionada com o reforço dos meios disponíveis.
Ainda assim, importa sublinhar que, quando a documentação exigida está devidamente reunida – mesmo em casos de netos ou bisnetos de portugueses – o processo tende a ser relativamente célere.
No que diz respeito a estrangeiros, a situação é distinta. Existe uma lei que deve ser cumprida e um processo de atribuição de nacionalidade que é, e deve continuar a ser, prudente.

O Conselho das Comunidades Portuguesas é, em teoria, o grande órgão representativo das comunidades portuguesas, mas há muito que é criticado por falta de eficácia e de influência real. Está agora em discussão a revisão da sua lei orgânica. Que mudanças defende como indispensáveis para que o CCP seja, de facto, uma voz respeitada e ouvida na formulação das políticas públicas? Acredita que é possível passar de um órgão meramente consultivo para um mecanismo com mais capacidade de intervenção efetiva?

Neste momento, a lei define o Conselho das Comunidades Portuguesas como um órgão consultivo, e parece-me que tem cumprido bem essa função. Tive o meu primeiro contacto com o Conselho há cerca de dois meses e estou previsto ter uma nova reunião em outubro.
Na ocasião, proporcionei aos membros do Conselho encontros com os grupos parlamentares e com a Assembleia da República, assim como reuniões com o Senhor Primeiro-Ministro e com o Presidente da República. Julgo que dificilmente seria possível organizar algo mais abrangente. Durante essas sessões, estiveram presentes, apresentaram as suas questões e trouxeram as suas ideias e preocupações.
Trata-se, portanto, de um órgão consultivo que funciona de forma eficaz, contribuindo de maneira relevante para a ligação do Governo às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo.

Apesar de existirem milhões de portugueses inscritos para votar no estrangeiro, a participação efetiva continua a ser baixa. Que medidas estão previstas para reforçar a participação cívica e eleitoral das comunidades portuguesas? A digitalização e a possibilidade de voto eletrónico à distância — cuja introdução foi já anunciada como prioridade — são caminhos viáveis ou ainda demasiado sensíveis do ponto de vista da segurança?

O apelo ao voto é permanente e depende, acima de tudo, da vontade dos cidadãos. Recentemente, reuni-me com o primeiro conselheiro em Genebra, que me transmitiu o seu empenho em mobilizar os portugueses para participarem nas eleições comunais a que têm direito. Infelizmente, verificou-se uma elevada abstenção. Na diáspora, de facto, a abstenção continua a ser significativa. Muitas vezes, os emigrantes não estão totalmente informados sobre o processo ou encontram dificuldades práticas: o consulado pode estar distante, ou o voto enviado por correio pode não ser aceite devido a pequenas falhas, como a ausência de uma fotocópia do cartão de cidadão conforme as instruções. Por isso, o nosso apelo é claro: utilizem os mecanismos de votação atualmente disponíveis. Com a aproximação das eleições para a Presidência da República, é fundamental que todos participem.
Existe um debate constante sobre o voto eletrónico. Pessoalmente, sou um grande adepto do voto presencial, que considero um verdadeiro dia de festa da democracia. No entanto, compreendo plenamente os argumentos em favor do voto eletrónico, especialmente para os emigrantes que enfrentam deslocações de centenas de quilómetros para votar presencialmente. Por isso, considero urgente avançar rapidamente para a implementação do voto eletrónico, garantindo que todos os portugueses, independentemente do país onde residam, possam exercer o seu direito de forma prática e segura.

A emigração portuguesa já não é apenas a de décadas passadas: hoje falamos de mobilidade de quadros altamente qualificados, de migração temporária, de jovens que procuram experiências internacionais. Como está a acompanhar estas mudanças e de que forma pretende desenhar políticas que se adaptem a realidades tão diversas, garantindo que nenhuma comunidade fica esquecida?

Hoje, cerca de 16% da nossa emigração é altamente qualificada. Recentemente estive na Suíça e soube que, no CERN – Centro Internacional de Investigação em Energia Atómica, há 150 portugueses a trabalhar. Tive também a oportunidade de conhecer uma jovem cientista ligada a uma grande indústria farmacêutica.
Em Basel, por exemplo, existe uma comunidade muito significativa de portugueses com doutorados e pós-doutorados. No setor da saúde, médicos e enfermeiros portugueses têm uma presença enorme, praticamente em todos os países da Europa.
Estamos, portanto, perante uma nova emigração altamente qualificada. É natural que muitos lamentem a partida destes profissionais, mas com o conceito “Portugal Nação Global” espero que possamos mobilizar estas pessoas, valorizando o seu potencial e criando formas de manter a ligação a Portugal, para benefício das nossas comunidades e do país.

As comunidades portuguesas têm um peso cultural, económico e político imenso para o país, mas muitas vezes o debate público centra-se apenas em questões administrativas ou consulares. Como imagina a relação entre Portugal e as suas comunidades daqui a uma década?

Espero que seja a tão falada e desejada ”Nação Global”.

A diáspora portuguesa tem vindo a diversificar-se geograficamente, com crescimento significativo em regiões como a Ásia e a Arábia Saudita. De que forma a Secretaria de Estado pretende envolver estas comunidades emergentes e criar mecanismos de interação que potenciem a sua ligação a Portugal?

Tive a oportunidade de conhecer melhor a Arábia Saudita ainda no meu percurso no Ministério do Ambiente, quando participei numa Conferência dos Oceanos. Percebi, então, o potencial estratégico e económico do país. Acredito que a agenda do Senhor Ministro já prevê uma visita a esta região, o que será crucial para reforçar os laços e aproveitar as oportunidades que surgem num contexto de crescente deslocalização económica para estes territórios.
Também é importante recordar a visita do Senhor Primeiro-Ministro à China, enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros. Portugal foi recebido com uma cordialidade e atenção ímpares; o presidente chinês elogiou expressamente o nosso país, reconhecendo a nossa relevância e amizade. Estamos a falar da segunda maior potência económica mundial, pelo que esta receção e este reconhecimento assumem um valor estratégico significativo.
O atual Governo demonstra uma perceção clara da importância da Ásia e do Médio Oriente, e essa visão é absolutamente correta. Portugal tem uma história de ligação com estas regiões – desde Macau até Malaca e outras comunidades históricas na Índia – e já dispõe de uma base sólida de contactos e de património cultural. O desafio agora é potenciá-la, estruturá-la e expandi-la. O Senhor Primeiro-Ministro tem dado sinais inequívocos de que entende este desafio e da importância estratégica que representa para Portugal. Há, de facto, um trabalho profundo em curso, que visa consolidar e ampliar estas relações, fortalecendo o conceito de “Portugal Nação Global”.

Há cada vez mais portugueses interessados em regressar, seja por razões económicas, familiares ou de mobilidade profissional. Que políticas estão a ser desenvolvidas para apoiar esse regresso?

Neste momento, existe o Programa Regressar, ao qual continuaremos a dar total apoio, introduzindo eventuais melhorias sempre que necessário.

© Descendências/Tiago Araújo
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É frequente ouvir-se dizer que, ao contrário de muitos outros povos, os portugueses que emigram mantêm sempre viva a ideia de regressar. Ainda que a vida os leve a criar raízes noutros países, o desejo de voltar parece ser uma característica muito própria da nossa identidade. Concorda que este sentimento distingue particularmente os portugueses em relação a outras comunidades emigrantes?

Concordo plenamente. Essa vontade de regressar é uma marca muito portuguesa, embora nem sempre seja possível concretizá-la, como aconteceu com os meus próprios pais. O sonho vai-se muitas vezes desvanecendo por razões muito simples: quando os portugueses partem, deixam geralmente os pais em Portugal, mas acabam por ter os filhos já no país de acolhimento. Com o tempo, quando chega o momento de ponderar o regresso, os pais já não estão cá e os filhos já não têm ligação direta ao território de origem. Isso condiciona inevitavelmente a decisão.
Ainda assim, muitos acabam mesmo por regressar, porque o amor à terra é fortíssimo. Não é por acaso que a palavra “saudade” existe apenas em português: ela traduz bem esse sentimento profundo que acompanha sempre quem emigra.
Portugal tem também hoje outra vantagem determinante: é um país onde vale a pena viver e regressar. Veja-se o caso da comunidade brasileira, que tem procurado cada vez mais Portugal, num contexto em que o Brasil atravessa dificuldades complexas. Também muitos emigrantes portugueses radicados no Brasil alimentam esse desejo de voltar.
E há uma razão central que explica esta atratividade: a segurança. Num mundo marcado por instabilidade e incerteza, Portugal continua a ser visto como um país seguro, um verdadeiro bem precioso que temos de proteger a todo o custo. Muitas vezes, o regresso é motivado precisamente pela consciência de que se está a voltar para uma zona de conforto, estabilidade e paz.

As novas gerações das comunidades portuguesas vivem numa realidade híbrida, divididas entre a cultura do país onde nasceram e cresceram e a herança portuguesa que recebem das famílias. Muitas vezes não se identificam com os moldes tradicionais do associativismo emigrante. Que políticas poderão aproximar estes jovens, oferecendo-lhes espaços de participação, de cultura e de liderança que correspondam às suas necessidades contemporâneas?

Recentemente estive em Genebra, num evento cultural que terminou com música portuguesa de Cabo Verde e com a atuação de um rancho folclórico. Visitei também a Casa do Benfica em Genebra e assisti a um ensaio do rancho, onde estavam mais de 100 pessoas, incluindo crianças, pais e avós.
Quando participei num festival em Paris, por exemplo, estavam cerca de 40 mil portugueses a assistir, o que demonstra a força da nossa comunidade.
O desporto, e em particular a seleção portuguesa, tornou-se hoje o maior fator de ligação à portugalidade. Cristiano Ronaldo e outros atletas são uma verdadeira marca global, que nos une e nos representa internacionalmente. Este é um potencial enorme que devemos aproveitar para reforçar os laços culturais e identitários da nossa diáspora.

Durante o Festival do Emigrante em Paris, cerca de 40.000 portugueses cantaram em uníssono o hino nacional, num momento de rara intensidade coletiva. Quem esteve presente descreve ter sentido um arrepio, uma fusão de vozes e corações que, mesmo longe de casa, pareciam recriar Portugal naquela praça. Quando assiste a manifestações tão poderosas de identidade e pertença, o que sente pessoalmente? Acredita que estes instantes de emoção partilhada dizem mais sobre o que une a comunidade portuguesa do que muitos relatórios ou estatísticas?

De facto, ouvir 40 mil portugueses a cantarem o hino nacional, com lágrimas a correr pelo rosto, não deixa ninguém indiferente. Confesso que fiquei profundamente emocionado. O hino emociona-me sempre, mas aquele momento foi verdadeiramente inesquecível.
Foi um evento único: apesar do calor intenso, ninguém arredou pé até que o hino fosse cantado por todos. Sem dúvida, uma das experiências mais marcantes da minha vida, que guardarei para sempre na memória.

Sabemos que ainda é cedo, mas que marca gostaria de ver associada ao seu nome depois de terminado o seu mandato? Que mudança estrutural espera que fique para que, no futuro, se diga que Emídio Sousa não foi apenas mais um Secretário de Estado das Comunidades, mas alguém que contribuiu para transformar de forma decisiva a relação entre Portugal e as comunidades portuguesas, deixando um legado duradouro?

“Portugal Nação Global”. Se conseguir que todos os portugueses espalhados pelo mundo se sintam parte desta nação e conseguir que este conceito se consolide e se torne realidade, com tudo o que representa, serei, sem dúvida, um dos portugueses mais felizes do mundo.

© Descendências/Tiago Araújo

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