Ensino e preconceitos

Ainda é bastante comum associar a emigração portuguesa a uma imagem pejorativa.

Um exemplo é a perceção que têm alguns responsáveis políticos sobre a forma como encaram o ensino de português no estrangeiro (EPE) quando este é dirigido a descendentes de portugueses. Neste preciso contexto, não têm receio em falar preconceituosamente de “escolas de gueto” que podem “potencialmente fomentar o insucesso escolar”. As ideias veiculadas são essencialmente fundamentadas com base em dois elementos: em primeiro lugar, porque incentivaria a uma suposta falta de integração no país de acolhimento, e em segundo lugar, porque a aprendizagem de várias línguas poderia “baralhar as crianças”.
O mito do segundo argumento foi desmontado há largos anos por “n” estudos científicos. De facto, sabe-se hoje que a aprendizagem simultânea de várias línguas contribui para um maior desenvolvimento cognitivo das crianças.
Quanto ao primeiro argumento defendido por parte da classe política lusa, respondo primeiramente com base na realidade que melhor conheço: a experiência vivida por milhares de antigos alunos portugueses que, nos últimos 50 anos, seguiram na Bélgica aulas de língua e cultura portuguesas através da rede oficial do EPE. Ainda mantenho amizade com parte dessa gente que, com o passar dos anos, seguiu percursos profissionais muito diferenciados: informáticos, bancários, contabilistas, professores de francês e de história, trabalhadores na construção civil, marketers, webmasters, assistentes sociais, choferes de autocarros, advogados, médicos, educadores de infância, funcionários das instituições europeias, secretários,… A coisa até não correu muito mal para esses “filhos do gueto” para os quais não creio existirem problemas substanciais de integração.

Perfeitamente integrados no país para o qual os pais emigraram, estes jovens mantêm uma ligação forte com Portugal de tal forma que representam uma oportunidade considerável para o nosso país: constituem um ativo económico relevante pela frequência das deslocações que continuam a fazer a Portugal, por exemplo


Mas representam também outras oportunidades geopolíticas notáveis pois Portugal pode contar, além-fronteiras, com os tais “Embaixadores informais” em domínios como a cultura, a ciência, a política ou a economia, precisamente graças a essa ligação afetiva que se construiu e desenvolveu em grande parte através da aprendizagem da língua e cultura portuguesas na rede oficial do EPE.

Outro dado de relevo é a conclusão de um estudo que também veio contrariar outro mito. Efetivamente, uma publicação divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística em 2017 avançava que “os descendentes de emigrantes têm um perfil escolar superior aos nascidos em Portugal e até ligeiramente acima da média europeia” .

Então porquê tanto preconceito em relação a este tema?

E porquê dar cada vez mais espaço ao ensino de português para estrangeiros ao mesmo tempo que se vai paulatinamente extinguido o ensino de português para portugueses?

Aproveito esta última interrogação para concluir com uma convicção: a principal preocupação das Conselheiras e dos Conselheiros das Comunidades Portuguesas são as comunidades portuguesas. No mesmo sentido, seria oportuno que Governantes e Parlamentares com responsabilidades na temática das comunidades portuguesas se preocupassem menos com o ensino de português para estrangeiros para se debruçarem mais, e sem preconceitos, no ensino de português dirigido a crianças e jovens portugueses residentes nos 5 cantos do mundo.

Este é, conjuntamente com a revogação da propina, um dos principais desejos que tenho para os próximos 50 anos da rede oficial do ensino de português no estrangeiro.

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