Grande Entrevista Carlos Fiolhais

Professor, autor premiado e cientista condecorado

Fotografia ©Joana Silva

Carlos Fiolhais nasceu em Lisboa em 1956, mas cedo partiu para Coimbra, onde estudou e se formou em Física, na Faculdade de Ciências e Tecnologia, daquela cidade universitária. Por lá ficou, durante vários anos, tendo-se tornado num dos nomes mais conhecidos do país na divulgação da ciência. Pelo caminho publicou dezenas de livros e centenas de artigos científicos, pedagógicos e de divulgação. Em 2021, após 44 anos a exercer a docência, a investigação e a extensão cultural na Universidade de Coimbra, despediu-se da vida catedrática, sem nunca se despedir do seu papel de cientista, ensaísta e do país. Fique a conhecer nas próximas páginas desta edição da Descendências Magazine um dos cientistas e divulgadores de ciência de maior renome em Portugal.

É físico, guardador de livros, divulgador de ciência. Foi também professor catedrático da Universidade de Coimbra, durante 44 anos, posto do qual se despediu em 2021, com uma última lição sobre história da ciência. Comecemos a nossa conversa por conhecer um pouco melhor o homem por detrás da ciência. Quem foi e quem é Carlos Fiolhais?

Não sou a melhor pessoa para falar de mim.  Somos todos a acumulação do nosso passado. Fui um rapazinho cheio de curiosidade, que descobriu a ciência nos livros de divulgação científica. Tive a grata oportunidade de entrar na aventura do conhecimento, correndo vários sítios do mundo, e conhecendo pessoas, em cuja companhia pude dar alguns contributos para a física porque nessa ciência como na vida nada se faz sozinho. Ajudei a lançar novas áreas da investigação em Coimbra e em Portugal, baseadas em meios computacionais. Na Universidade de Coimbra tive muitos alunos em várias disciplinas: ensinei e aprendi. Ajudei na modernização dos equipamentos e serviços informáticos, fazendo surgir os primeiros supercomputadores, e também nos serviços de biblioteca, à frente da Biblioteca Geral da Universidade, criando repositórios digitais e facilitando o acesso aos livros e a cultura. Para além da investigação, do ensino e dos serviços universitários procurei sempre dar aos outros aquilo que me foi dado: tenho, por isso, procurado comunicar ciência através dos livros e de vários outros meios. A receção encontrada tem-me encorajado a prosseguir. É preciso reforçar a confiança na ciência e, para isso, é preciso mostrar que a ciência é parte da vasta cultura humana. Hoje continuo, como ontem, a interessar-me pelo mundo à minha volta, que a ciência ajuda a iluminar.

Carlos Fiolhais tem agora 65 anos e um percurso marcado pela divulgação da ciência, com 60 livros publicados. Em que momento da sua vida ocorre o seu “entrelaçamento” com a ciência e com a Física?

No liceu, hoje chamada escola secundária. Tendo de escolher entre letras e ciências, escolhi ciências sem nunca me ter desinteressado das letras. De entre as ciências escolhi a Física, por ser a ciência da Natureza mais geral. Ela trata das leis universais do funcionamento do mundo e nela assentam a Química, a Biologia, a Geologia, etc. Interessou-me desde o início a Física do muito pequeno: os átomos, os núcleos atómicos e as partículas. Afinal, tudo é feito de átomos ou das suas partes. Nós também. Mais tarde percebi que nem tudo se percebe olhando apenas para as partes. No mundo, o todo é na maior parte das vezes maior do que a soma das partes.

Após 44 anos a exercer a docência, a investigação e a extensão cultural na Universidade de Coimbra, despediu-se das aulas em julho de 2021. Apesar disso, podemos afirmar que não se despediu do seu papel de cientista, ensaísta, e do país?

Claro que não. Eu continuo a ser eu, as minhas circunstâncias é que mudaram. Era chegada a altura de dar lugar aos mais novos, dando-lhes as oportunidades como aquelas que eu próprio tive. A ciência é uma construção humana permanente, onde é sempre precisa a maior criatividade que as mentes jovens têm em abundância. Já não tenho a mesma criatividade científica que tive, mas, com a experiência acumulada, continuo a contribuir para o país e o mundo com aquilo que posso. Procuro ter a mente ativa, leio e escrevo muito (ninguém pode escrever, pouco ou muito, sem ler muito!), vou falar a alguns dos sítios onde me convidam… Tenho uma atitude otimista perante a vida, o que é aliás uma marca da maioria dos cientistas. Portugal é o sítio do mundo onde vivo e julgo que, no meu sítio, ainda se pode saber mais e ser melhor. Estou convicto que amanhã poderemos saber mais e que, com base nesse conhecimento (não é garantido, porque ao conhecimento têm de acrescer os valores…) poderemos ser melhores.

Fotografia ©Joana Silva
Fotografia ©Joana Silva

Recentemente, afirmou confiar nas novas gerações, mas mostrou-se triste com a falta de investimento na ciência.  A ciência é muito usada na boca dos políticos, mas não tem sido posta em prática?

Portugal ainda gasta muito pouco com a ciência. Os últimos números indicam 1,6% do PIB de investimento em ciência e tecnologia, mas a média da União Europeia é 2,2% e a meta europeia para 2030 é 3%. Estamos nesse aspeto como noutros atrás. Sim, a ciência anda muitas vezes na boca dos políticos, que a usam como palavra da moda, mas a realidade fica muitas vezes atrás das suas afirmações. Por exemplo, o nosso sistema científico ainda está algo desligado do ensino superior. Cresceu muito, mas cresceu sobretudo com o pé fora das universidades e politécnicos, sem um bom entrosamento institucional. E está muito desligado da economia: toda a nova economia se baseia inteiramente no conhecimento científico e, apesar de alguns bons exemplos, a inovação ainda nos é arredia. Basta ver quão poucos doutorados estão a trabalhar nas empresas; não sendo absorvidos nem pelas escolas de ensino superior nem pelas empresas, muitos jovens continuam a procurar carreiras lá fora, o que podendo ser bom para eles, não o é necessariamente para nós.  Por cima de tudo, a cultura nacional prevalecente ainda vê muitas vezes a ciência como coisa estranha. Temos de pensar na ciência como um fonte de riqueza não só material como intelectual.

O Primeiro-Ministro, António Costa, afirmou que Portugal conhece bem o valor da ciência enquanto força transformadora e que essa tem sido a motivação que pautou a estratégia dos últimos anos, com investimentos significativos e, muito importante, com investimentos continuados na investigação e inovação feita em Portugal. Será necessário fazer ainda mais?

O discurso do governo – como é costume dos governos – está cheio de retórica. Mas na ciência ninguém está satisfeito: as instituições estão terrivelmente subfinanciadas, os jovens não têm lugares,  os concursos para projetos deixam de fora algumas das melhores ideias, fazendo uma razia incompreensível. E as comparações internacionais, tanto quantitativas como qualitativas, não enganam: o sistema científico português tem crescido com alguns acidentes de percurso (mal fora se não fosse assim, pois partimos de muito baixo), mas não conseguimos  competir nesta área com os países da Europa e do mundo mais desenvolvidos. Quanto ao futuro, a esperança nunca pode ser perdida, mas olhemos para a chamada «bazuca» (um nome horrível!), que é um auxílio exterior para cobrir parte das nossas insuficiências, e praticamente não vemos investimento direto em ciência. Claro que é necessário fazer ainda mais, fazer muito mais. Ultimamente a ciência tem andado aliás muito apagada, quando os grandes desafios aqui e no resto do mundo têm soluções que dependem dela: na saúde (por exemplo na genómica), nas alterações climáticas (um desafio para as próximas décadas), na inteligência artificial (as máquinas estão a substituir-nos em muitos aspetos), etc.

Em tempo de pandemia torna-se ainda mais imprescindível a reivindicação por mais verbas para a investigação?

Sim. Foi a investigação, primeiro fundamental e depois aplicada, que permitiu o desenvolvimento de vacinas revolucionárias baseadas na genómica que não só foram feitas como aplicadas, pelo menos nalguns países do mundo, em tempo recorde. Nunca se tinha feito e aprovado uma vacina em menos de um ano.  Não foi só nas vacinas: a ciência fez um esforço extraordinário de resposta a esta pandemia, mobilizando-se nas suas várias disciplinas. Há cem anos houve uma outra pandemia devida a um vírus – a gripe espanhola – e nem sequer se sabia o que era um vírus e, muito menos, um genoma do vírus.  Quero crer que as pessoas se vão apercebendo mais do valor da ciência. Mas haverá sempre  gente  a recusá-la, estou ciente disso. Além de uma pandemia, estamos a ter uma infodemia, uma enxurrada de informações falsas, que curiosamente são canalizadas pelos meios que a ciência colocou à nossa disposição, como a Internet.

Recentemente, tivemos a oportunidade de entrevistar o Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, que referiu que o número de investigadores nas empresas cresceu 81% entre 2015 e 2020 e espera-se que até 2030 o país triplique a sua investigação científica. Na sua opinião, o que ainda somos capazes de atingir?

O discurso dos ministros é isso mesmo, o discurso dos ministros. Em geral, aqui como noutros países, os governantes gostam de escolher estatísticas de acordo com os seus desejos e  conveniências. É humano, embora não seja muito científico.  Em breve haverá novo governo e não tenho dúvidas que também o próximo procurará fazer a sua publicidade. Mas a realidade é o que é e a verdade é que, vistos com cuidado, os números não enganam. Os números de doutorados portugueses nas empresas são infelizmente baixíssimos: segundo dados do próprio governo, as duas maiores empresas com mais despesas em investigação e desenvolvimento são a NOS e a Altice, que têm 12 e 5 doutorados respetivamente. Qualquer grupo de investigação tem mais do que isso. No 13.º lugar das empresas com mais despesa desse tipo está o Banco BIP, que tem zero doutorados. Se contratar um único – e não faltarão candidatos – o crescimento será infinito…

Em  2021 Portugal tivemos a triste notícia de que Portugal tinha dado um tombo de sete lugares num importante “ranking” europeu de inovação. E quanto aos números de patentes registadas por nacionais eles são muito baixos há muito tempo. Esperamos todos que o país cresça, mas para isso é preciso um impulso transformador que não se tem visto. Bem gostaria eu que fosse de outra maneira. Muito há a fazer e o próximo governo, de maioria absoluta, não terá desculpas. Terá um período único de quatro anos com estabilidade assegurada. Tem é de pensar não em manter o passado mas em ganhar o futuro.

Em conversa, Manuel Heitor, referiu ainda que devemos estar orgulhosos com estes resultados, mas que devemos ser críticos em relação ao que ainda não somos capazes de atingir. Quais os principais fatores que poderão condicionar este crescimento? A falta de estabilidade ainda continua a ser um dos principais problemas enfrentados por estes profissionais?

Sim, estou de acordo que devemos ser críticos. As nossas políticas nesta área têm sido claramente insuficientes. Não há reformas desde o tempo do saudoso ministro José Mariano Gago. Estava na hora de fazer mudanças decisivas: integrar a ciência de um modo maior no ensino superior, apostar no rejuvenescimento dos quadros, trazer de volta muitos cientistas que emigraram, dar verdadeiros estímulos às empresas para que promovam investimento em ciência, em particular contratando pessoas qualificadas, aumentar a educação científica e a cultura científica das populações (veja-se, por exemplo, a pouca atenção que a rádio e televisão públicas têm dado à ciência), etc. Os empregos precários de que falam derivam não só de falta de investimento como de falta de organização. A Fundação para a Ciência e Tecnologia, a agência que distribui boa parte das verbas para a ciência, não tem verdadeira participação da comunidade científica e está, emaranhada em burocracia, com atrasos inadmissíveis. Não consegue, por vezes, executar todo o orçamento que tem.  Precisamos de instituições sólidas e autónomas, que não dependam tanto dos gabinetes ministeriais, tal como acontece de resto nos países mais desenvolvidos.

Portugal só terá futuro se os jovens, em especial os novos doutores, tiverem futuro, se investirmos e confiarmos neles?

Sim, não me canso de dizer isso: o nosso futuro depende criticamente do futuro que dermos aos nossos jovens, em particular aos mais qualificados. De nada serve darmos bolsas aos jovens se não lhes dermos vidas. Ora nós temos neste momento uma geração sacrificada, com vidas a prazo e incertas, uma geração que tem dificuldades em ver o futuro. A geração anterior fez pela minha – contra mim falo – o que a minha ainda não fez pela seguinte.  A sociedade portuguesa não tem sabido renovar-se da forma resoluta como já fez no passado. 

Fotografia ©Joana Silva
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É possível haver uma suficiente literacia científica na sociedade sem haver boa educação de ciências nas escolas? Qual o papel dos comunicadores de ciência neste desafio?

A escola é essencial para a formação científica. Tenho feito o possível – quer formando professores, quer escrevendo manuais, quer indo diretamente às escolas, para fortalecer o papel da escola. A escola é o meio  que a Humanidade inventou, há séculos, para assegurar o seu futuro. A nossa escola, neste momento, está muito prejudicada pelo cansaço (não há progressão nas carreiras nem reconhecimento do mérito)  e pelo envelhecimento dos professores. Em breve muitos se vão reformar e receio que não tenha sido pensada a sua substituição. O tempo de pandemia foi de enorme desgaste para os professores, pois tiveram de trabalhar em condições muito difíceis. A profissão de professor deixou de ser socialmente muito considerada e não tem atraído os jovens. Os melhores alunos não vão para cursos de professorado. Mas nós precisamos de professores bem preparados para o ensino e entusiasmados com o ensino.  Quanto aos comunicadores de ciência, incluindo neles muitos jornalistas, eles têm um papel suplementar da escola. A ciência e a tecnologia têm avançado muito e a escola é muito lenta a responder. Tem de haver uma educação informal para além da educação formal. E os dois tipos de educação podem e devem dialogar um com o outro.

Recentemente, criticou o Governo dizendo que não se pode pedir consenso científico quando a ciência nunca foi ouvida de forma organizada e coerente no combate à pandemia. Considera que se queremos apurar a opinião da ciência, num assunto interdisciplinar, como é a pandemia, há que criar um Conselho Científico?

Com certeza. Países mais desenvolvidos têm meios de aconselhamento científico institucionalizados, quer do governo, quer do presidente (quando o há), quer ainda do Parlamento. Um dos aspetos da reforma da Ciência e Tecnologia que precisamos é a criação desses meios. Tal como está anda tudo ao sabor das circunstâncias, dos desejos  e das conveniências.  Um problema grave de saúde pública exigiria a formação de um Conselho Científico independente, onde se pudessem reunir vários tipos de saber. As reuniões do Infarmed não foram mais do que um pobre simulacro disso.

Neste contexto, deu como exemplo outros países, nomeadamente os EUA, onde o professor Anthony Faucci é o porta-voz da ciência. É exatamente este diálogo entre pares que não existe em Portugal?

Em países mais desenvolvidos, com comunidades científicas fortes, acabam por emergir líderes científicos que os governos decentes respeitam (o governo de Trump dificilmente se pode enquadrar nessa categoria). São pessoas experientes, que conseguem comunicar para a sociedade a posição consensual da comunidade científica. Em Portugal não vemos isso: a nossa comunidade científica cresceu muito desde que entrámos na União Europeia em 1986, mas não está unida. Sendo parco o financiamento, coloca a competição à frente da cooperação. Não há sociedades científicas coesas e fortes. Não estão criados mecanismos de diálogo e convergência entre cientistas, fora naturalmente do diálogo que tem de haver entre os pares internacionais para haver ciência. Claro que os cientistas têm a maior responsabilidade neste estado de coisas, não foram até agora capazes de se auto-organizar e de apresentar porta-vozes credíveis. Os governos aproveitam-se dessa desorganização.

Afirma que não perdeu a confiança na ciência, mas que também não acredita que a humanidade sairá deste surto tão diferente assim. Como vai ficar o mundo depois desta pandemia?

Não sei, ninguém pode saber o futuro. O poder da ciência, ou mais em geral da racionalidade, ficou mais uma vez à vista. Mas também o ficou o poder da irracionalidade: vivemos num mundo de notícias falsas e teorias da conspiração. Nós somos assim, racionais e irracionais, capazes da maior racionalidade e também da maior irracionalidade. Com a ajuda da educação há que aprofundar a racionalidade, há que formar espíritos críticos. Mas não tenho ilusões: o enorme desenvolvimento da astronomia não arredou a astrologia, à qual continua a ser dado mais espaço nos média.  Isso não vai mudar, por muitas sondas que se lancem para o espaço.

Como em jovem entrou para a ciência através dos livros de divulgação científica, em particular os de Rómulo de Carvalho, nos últimos 30 anos preocupou-se em escrever livros para os mais variados públicos: desde livros infantis, até obras de divulgação erudita e manuais escolares. O que o motiva a continuar a escrever?

Há sempre coisas novas para dizer, até porque há sempre coisas novas e  há sempre pessoas novas. Gosto de ler e de dar a ler. Ler e escrever são a minha paixão e, se continuo, é porque não se pode viver sem paixão. Acresce que as pessoas que me leem têm sido muito generosas comigo. E eu quero também ser generoso com elas. Gosto da ideia de fazer crescer a biblioteca: a minha e a dos outros. Fundei há 13 anos uma biblioteca de cultura científica, a Rómulo, em homenagem a Rómulo de Carvalho, estou a  fazê-la crescer com livros que dou e apelo a outros que também deem. Nas bibliotecas está a indispensável memória do mundo.

Considera que ainda falta no nosso ensino básico um maior contacto direto com a ciência? Como podem os jovens ser “seduzidos” para a ciência e qual o papel das escolas nesse processo?

Os jovens têm a chama natural da curiosidade. São seduzidos pela curiosidade para a ciência. A escola, acima de tudo os professores porque não há escola sem professores, só tem que manter essa curiosidade viva, o que nem sempre acontece. Importa que a escola mostre a ciência tal qual ela é, no laboratório ou na Natureza. Eu gosto muito de computadores, fiz a minha carreira científica baseada neles, mas receio a demasiada digitalização da escola. Há um mundo real para além dos mundos virtuais. Hoje em dia os responsáveis políticos, aqui como em todo o mundo, querem modernizar a escola enchendo-a de computadores, mas isso podendo ser útil pode também ser apenas encher a escola de quinquilharia que depressa ficará obsoleta. O investimento fundamental devia ser nas pessoas, nos professores, e não tanto nas máquinas. Mas sei bem que é mais difícil.

Fotografia ©Joana Silva

Ao longo dos últimos anos têm sido lançados alguns livros sobre a ciência ligada ao novo coronavírus, à infeção que provoca e à resposta do nosso sistema imunitário. Que livros aconselharia aos milhares de portugueses que neste momento se encontram em confinamento?

Espero que me desculpem se recomendar o meu próprio livro que escrevi com o bioquímico David Marçal, “Apanhados pelo vírus”, saído no final de 2020 na Gradiva: conta a chegada da pandemia (e também da infodemia) ao mundo nesse ano. De outros autores, há vários livros sobre a história das pandemias. Gostei, por exemplo, de ler «Contágio» de David Quammen, saído na Objectiva em 2020, que mostra quão próximos estamos dos outros seres vivos. Somos apenas um pequeno ramo da grande árvore da vida. Mas há mais obras.

Fotografia ©Joana Silva
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O seu percurso académico foi também uma viagem, da qual fez parte a organização do GPS (Global Portuguese Scientists). Qual a importância que projetos como este têm na compreensão da comunidade científica portuguesa no mundo? Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes?

Tive o maior gosto em ajudar a desenvolver para a Fundação Francisco Manuel dos Santos essa rede de cientistas portugueses no mundo. Fazia falta um instrumento que recenseasse a Comunidade da ciência portuguesa e nos pusesse em contacto com os seus membros. Sei que muitos cientistas portugueses lá fora gostariam de ajudar mais o país. A sua experiência da organização científica de outros países poder-nos-ia ser imensamente útil. Uma ferramenta interessante do GPS é permitir a um jornalista encontrar especialistas portugueses numa determinada área. Ou a um jovem que vai estudar para um sítio encontrar portugueses perto. A língua e a cultura portuguesas unem-nos mesmo estando distantes.  Desde que vivi na Alemanha para fazer o doutoramento no início dos anos 80 me interessei pelas comunidades portuguesas no estrangeiro. Eles também são Portugal. Tive um convívio íntimo com elas e ainda hoje sigo a evolução da emigração portuguesa, agora já na segunda ou mesmo terceira gerações.

Atualmente, qual é o impacto do que os cientistas portugueses alcançam no plano internacional?

Alguns cientistas portugueses são muito conhecidos no mundo: por exemplo, António Damásio, nos Estados Unidos, e Caetano Reis e Sousa, no Reino Unido. O primeiro é mundialmente conhecido em boa parte graças aos seus livros. O segundo é, desde o início do século XIX, o primeiro português na Royal Society, a sociedade científica mais antiga do mundo em funcionamento ininterrupto. Dos que trabalham em Portugal alguns alcançaram impacto nas respetivas áreas. Um bom meio de medir o impacto é medir o número de citações ao longo dos anos. É curioso verificar, nos «rankings» feitos do trabalho nos últimos 10 ou 20 anos, que os cientistas portugueses com mais impacto internacional não são, em geral, os mais falados nos média. Há toda uma geração jovem que merece ser mais conhecida. Alguns estão lá fora, pois encontraram condições que em Portugal não têm.

Ao fim de mais de quatro décadas, chegou a altura de dar a vez aos mais jovens, certo de que os temos brilhantes e merecedores de oportunidades. Apesar das nuvens que nos toldam o horizonte, mantém-se confiante no futuro da ciência e investigação em Portugal?

Sim, absolutamente. Tenho esperança na ciência e tenho esperança em Portugal. E terei mais esperança em Portugal quanto maior for a esperança que este depositar na ciência.

Que mensagem e que conselho gostaria de deixar aos jovens investigadores portugueses?

Deixo a mensagem do médico português Garcia da Orta que, em 1563, escreveu em Goa, na Índia, no seu livro «Colóquio dos Simples» sobre plantas medicinais: «O que não sabemos hoje amanhã saberemos». Confio neles, qualquer que seja o sítio do mundo onde estejam: vão saber mais, vamos todos saber mais.

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