Joaquim Magalhães de Castro

Joaquim Magalhães de Castro nasceu nas Caldas de São Jorge, em Santa Maria da Feira. Escritor, jornalista independente, fotógrafo e investigador da História da Expansão Portuguesa, é autor dos livros “Mar das Especiarias”, Viagem ao Tecto do Mundo”, “No Mundo das Maravilhas” (integrados no Plano Nacional de Leitura), “Oriente Distante”, “Na Senda de Fernão Mendes Pinto” e “Costa da Memória”. Publicou ainda os álbuns fotográficos “Os Bayingyis do Vale do Mu – Lusodescendentes na Birmânia”, “A Maravilha do Outro – No Rasto de Fernão Mendes Pinto” e “Sagres – Nossa Barca”. É também autor dos documentários televisivos “Bayingyi, a Outra Face da Birmânia”, “Himalaias – Viagem dos Jesuítas Portugueses”, “De um Lado para o Outro – Diários da Mongólia”, “Sande” (sobre a vida e obra do jesuíta Duarte de Sande) e “No Reino do Dragão” (sobre a viagem pioneira ao Butão dos padres Estevão Cacela e João Cabral). Este último documentário estreou no passado dia 19 de abril na RTP 2.
Colabora na imprensa de Portugal e de Macau, onde habitualmente reside.

Viajante, escritor, jornalista, fotógrafo, investigador. Em qual destes papéis se identifica mais e se sente mais realizado?

Na fase inicial, o primeiro, sem dúvida. Será a paixão pela viagem que irá despoletar todas as outras. Com o tempo, porém, a investigação passou a fazer parte da viagem e absorvê-la quase na totalidade. Tudo o resto surge da combinação dos dois. Não podia ser doutra forma. Neste momento, talvez por algum desencanto (a cobertura que de dá em Portugal ao legado resultante dos Descobrimentos é mínima), apesar da investigação estar sempre presente, a viagem pela viagem volta a surgir como uma possibilidade que encaro com agrado.

Como se passa de viajar por lazer para uma missão de divulgar a história de Portugal na América, Ásia e em África?

Não concebo a viagem como lazer. Viajo para conhecer, para me instruir, para me desafiar, para me sentir vivo. E quando assim é o lazer não passa de uma parcela irrelevante num todo composto por conhecimento e múltiplas experiências. Quanto ao ter enveredado pela investigação da história da expansão portuguesa, foi algo de natural: tenho a História como formação académica. Tudo começou após um amigo de Macau me ter falado de uma comunidade luso-descendente do norte da Birmânia, os ditos bayingyis. Tratei de os ir visitar logo que pude. Sobre eles escrevi, fotografei e filmei, e a partir daí a viagem tomou um rumo novo. Bem mais produtivo, por sinal.

De onde nasceu o fascínio pelo Oriente?

Desde muito pequeno. Sempre me fascinaram os cabelos luzidios e os olhos amendoados das squaws dos “livros de cóbois”, como eram chamadas as bandas desenhadas de então. Como se sabe, os nativos norte-americanos têm origem asiática.

Acha que a literatura de viagem ainda é vista como um género menor da literatura?

Infelizmente sim, apesar de termos sido os pioneiros desse género. Após a publicação da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, expoente máximo da literatura de viagem, surgiriam pouco depois diversas edições em várias línguas europeias. Hoje, ao contrário do que acontece na França ou no Reino Unido, há por cá muito preconceito, desprezo até, em relação a esse género literário. Não admira pois que permaneça arredado das páginas dos jornais e revistas da especialidade e até dos festivais literários. A exceção parece ser o LEV – Literatura em Viagem, realizado anualmente em Matosinhos.

Segundo a Professora Clara Sarmento “Joaquim Magalhães de Castro escreve independentemente dos cânones, das instituições, das academias. Ele busca os vestígios da passagem dos portugueses nos apelidos e palavras de sonoridade familiar. O que mais lhe interessa nesta viagem são as pessoas”. Revê-se nesta análise?

Sim, mas não só. Os apelidos, os vocábulos e a fisionomia das gentes, são alguns dos indícios. Há muitos outros que se revelam a quem esteja atento. Na música que se ouve, na arquitetura que se admira, nos pratos que se degustam, nas lendas locais que se ouvem, e em tantos, tantos outros aspetos por esse mundo fora. O património é tudo isso, o material e o imaterial.

Índia, Nepal, Paquistão, Afeganistão, Birmânia, Indonésia, China, Japão alguns dos países onde já viveu. Qual foi o país que mais o seduziu? Já fez a viagem que lhe faltava (Coreia do Norte )?

Viver propriamente, apenas na China (Macau), Japão e Indonésia. Nos restantes, passei grandes períodos de tempo. Recuso-me a colecionar países. Alguns visito-os até diversas vezes, para os melhor conhecer. Quanto a favoritismos, bem, essa é aquela “pergunta para um milhão”. Difícil dizer. Toda a Ásia Central, pela sua história, paisagem e cultura, é um dos chamarizes mais aliciantes. Quanto à Coreia do Norte, sim, já a visitei, completando assim o rol asiático.

Nas suas inúmeras viagens em que conheceu mais de 100 países viveu inúmeros episódios, um dos quais no Irão onde teve uma arma apontada à cabeça. Como foi esse momento? Também deve ter tido situações divertidas e curiosas. Quer-nos contar algumas?

Não foi muito agradável. Nessa altura o Irão e o Iraque estavam em guerra. Acompanhado da Ingrid, a minha namorada belga, regressava da Índia, aproveitando a boleia de um casal de alemães. Curiosamente, meses antes tínhamos viajado em sentido oposto com a nossa carrinha, que depois vendemos no Nepal, uma prática comum na época. Num dos múltiplos postos de controlo um dos guardas revolucionários (fanáticos religiosos) implicou com a Ingrid porque deixara uma madeixa do cabelo fora do véu. E para mostrar o seu desagrado atirou com o passaporte dela ao chão. Protestei veementemente e ele, sem a menor hesitação, tirou arma do coldre e apontou-a à minha cabeça perguntando: “não posso, o quê?!” Foi convincente, acreditem. Nessa altura, o mote em voga era “Abaixo os EUA!, Abaixo a URSS!”, pelo que de nada valiam os protestos. Fora isso, devo dizer que o povo iraniano é dos mais hospitaleiros que conheço. E o Irão, um país fascinante. Recomendo. Quanto às “situações divertidas e curiosas”, convido-os a lerem os meus livros. Estão lá todas. Uma coisa vos prometo: não se aborrecerão.

Como escolhe os temas e os destinos para as suas viagens? Que preparação faz (roteiro, orçamento, preparação física, calendarização, etc)?

Não costumo fazer nada disso, a não ser que esteja a preparar um documentário ou uma reportagem pré determinada e com datas marcadas. Sempre que posso só compro bilhete de ida. Depois logo se vê.

Quais são os seus projetos para 2022?

Projetos são sempre muitos. O problema é conseguir concretizá-los. Também me habituei a não falar muito deles, por causa dos “esconjuros”… Não dizem que o segredo é alma do negócio? Do que está em curso (há sempre coisas em curso), posso adiantar a estreia televisiva do meu documentário “No Reino do Dragão”, sobre a epopeia terrestre dos padres jesuítas João Cabral e Estêvão Cacela, os primeiro europeus a visitar o Butão. Foi transmitido na RTP 2, no passado dia 19 de Abril. Agradeço a todos aqueles que viram o documentário. É importante que o nosso canal público de televisão reconheça a importância deste tipo de trabalhos e os apoie em termos de produção e divulgação.

Pensa regressar um dia em definitivo a Portugal?

Nunca deixei de estar em Portugal, já que este está impregnado no mundo. E a um nível tal que as pessoas nem imaginam.

Qual é o seu maior sonho?

Neste momento?! Muita paz e toda a saúde possível. Sem isso, é escusado sonhar.

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