Libertem as crianças
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- 1 de Outubro, 2023
O impacto do ar livre na saúde mental infantil
Embora pareça óbvio aos olhos da maioria, tenho contactado com pessoas que acham o que vou dizer em seguida uma afronta.
Há ainda locais que têm como forma de “educar”/”disciplinar” crianças, privá-las do tempo de recreio. Mesmo sabendo que poderá ser esse o único tempo ao ar livre que aquela criança tem, naquele dia.
E essa forma de proceder é uma forma de mau trato, mau trato por negligência, mas não deixa de ser mau trato.
E passo a explicar, privar as crianças do recreio, e do ar livre, pode estar relacionado e parece contribuir para o aumento da incidência dos problemas de saúde mental em idade escolar.
Um artigo de fevereiro de 2023 faz uma revisão sistemática sobre a evidência científica atualmente existente relativa a como a diminuição ou declínio da brincadeira/atividade independente pode ser a causa do declínio do bem-estar mental das crianças: ao longo das últimas 5-6 décadas tem havido uma diminuição nas oportunidades para as crianças brincarem, passearem e envolverem-se em outras atividades independentes sem supervisão direta e controlada dos adultos. Tais atividades podem ter um impacto com efeitos mais imediatos na saúde mental, por serem fonte direta de satisfação, e efeitos a longo prazo, contribuindo para a construção de características mentais que fornecem uma base para lidar eficazmente com as adversidades da vida.
Aqueles que nasceram nas décadas anteriores a 80 certamente lembrar-se-ão de brincar na rua, ir a pé sozinhos para a escola ou até de fazer pequenos trabalhos enquanto jovens, como tomar conta de crianças mais novas, fazer recados, e por aí fora.
Os estudos constataram que, como é óbvio, estas práticas são cada vez mais raras e, com o avançar dos anos, o caminho tem-se feito na direção do aumento da supervisão e proteção. As crianças passam mais tempo “ocupadas” com a escola e, mesmo em casa, ocupadas com trabalhos para a escola. Para além disto, os tempos médios de recreio nas escolas estão cada vez mais baixos, com uma média assustadora de 26.9 minutos/dia. A acompanhar esta diminuição nas oportunidades para ter atividades independentes, aparece também uma diminuição no bem-estar mental das crianças: com um aumento óbvio, suportado por inúmeros estudos, nas taxas de ansiedade e depressão, com o que parece ser uma epidemia de psicopatologia nas crianças.
Quando se fala de atividade independente, nas crianças fala-se maioritariamente de brincar. Brincar é uma fonte direta e imediata de alegria e prazer, mas é o brincar livre, sozinho ou com outras crianças, e sem interferência ou direcionamento do adulto. Há estudos que indicam que aumentar o tempo de recreio, aumenta o bem-estar emocional das crianças, que as crianças na presença dos adultos brincam de forma diferente ficam inibidas; e que outras formas de atividade independente, como ir para a escola de bicicleta ou a caminhar sem um adulto, aumentam o bem-estar. Por outro lado, há uma coisa muito óbvia que quem trabalha em saúde mental infantil sente: no verão, com o aumento do tempo livre (e aqui acrescento, com as férias e diminuição das exigências escolares) a psicopatologia parece quase desaparecer.
Mas os efeitos positivos mantém-se a longo prazo: brincar e outras atividade independentes contribuem para que as crianças sejam capazes de tomar as suas decisões e resolver os seus problemas, dando-lhe uma sensação de controlo, o que, ao longo do tempo, faz com que experiências prolongadas de sensação de controlo interno contribuam para o bem-estar emocional. Dito isto, vamos por favor retroceder um pouco e libertar as nossas crianças?
