Migrações. Cultura e Saúde Mental

As migrações têm moldado profundamente a sociedade portuguesa ao longo da sua história, com implicações não só na organização social e económica, mas também na saúde mental da população. Portugal tem sido, historicamente, um país de emigração, mas, nas últimas décadas, o perfil migratório tem-se alterado. Em vez de ser um país de destino de emigrantes, Portugal tornou-se, desde a década de 1990, um destino atrativo para migrantes de várias regiões do mundo. Em 2020, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), cerca de 10% da população residente em Portugal era de origem estrangeira, oriunda de vários países. Esta tendência tem sido crescente, com o acumular de várias línguas, religiões, crenças e valores culturais, especialmente em grandes centros urbanos como Lisboa e Porto. Esta diversidade de origens culturais e étnicas reflete-se também nas necessidades de saúde mental dos migrantes, uma vez que a experiência migratória pode ser única e profundamente influenciada pelo contexto de origem, pela situação económica e pelas redes de apoio existentes no país de destino. Este artigo visa explorar a relação entre migrações e saúde mental, abordando os desafios enfrentados pelos migrantes e as soluções propostas para melhorar o acesso e a qualidade dos cuidados. O contexto das migrações implica uma série de fatores psicológicos e emocionais que podem afetar profundamente o bem-estar dos migrantes, com diferentes expressões físicas e emocionais. Compreender essas dinâmicas é essencial para promover políticas públicas eficazes e inclusivas no âmbito da saúde mental. A migração, embora muitas vezes seja uma procura por melhores condições de vida e oportunidades de trabalho, envolve desafios significativos. A transição para um novo país pode ser uma experiência traumática e marcada por uma série de stressores, como a perda de redes de apoio, a adaptação a uma nova cultura e idioma, a discriminação e o racismo, e, em alguns casos, a separação da família e das raízes culturais. Para muitos migrantes, a experiência de não compreender a língua e de não conseguir estabelecer uma comunicação eficaz com os outros pode levar a sentimentos de isolamento social. Essa sensação de alienação pode ser agravada pelo medo de ser rejeitado ou pela dificuldade em encontrar um espaço de pertencimento numa sociedade que, muitas vezes, pode ser pouco acolhedora.

Além dos desafios culturais e emocionais, muitos migrantes, especialmente os que vêm de países em conflito ou com situações de extrema pobreza, trazem consigo experiências traumáticas, como violência, tortura e perseguições. Estes traumas podem ter efeitos duradouros na saúde mental, contribuindo para o desenvolvimento de perturbações mentais. A discriminação racial, étnica e cultural, aliada ao preconceito em relação à procura de apoio psicológico, pode dificultar o diagnóstico e o tratamento de problemas de saúde mental entre estas populações. Em algumas culturas, procurar ajuda profissional para perturbações mentais pode ser considerado uma fraqueza ou um tabu, o que dificulta ainda mais a procura de tratamento. Já em outras, a busca por soluções dentro da comunidade ou de líderes espirituais pode ser a primeira opção, em vez de recorrer a um psicólogo ou psiquiatra. A discriminação no mercado de trabalho, no sistema educacional e nos espaços públicos pode gerar sentimentos de impotência, frustração e depressão, além de minar a confiança na capacidade de integração e aceitação na sociedade portuguesa. A insegurança económica também é uma das principais fontes de stress para os migrantes, especialmente em Portugal. Muitos imigrantes chegam com poucos recursos financeiros e enfrentam dificuldades para encontrar trabalho formal, o que contribui para uma situação de vulnerabilidade económica e social. Além disso, a falta de acesso adequado aos serviços de saúde, incluindo os serviços de saúde mental, agrava ainda mais os problemas psicológicos enfrentados por esta população. A precariedade laboral, a falta de proteção social e as condições de habitação inadequadas são outros aspetos determinantes que também afetam saúde destas pessoas. Para a comunidade local, a chegada de pessoas de diferentes culturas e origens pode gerar, em alguns casos, sentimentos de insegurança ou até mesmo xenofobia. O medo do “estranho” e a resistência à diversidade podem criar divisões sociais e dificultar o desenvolvimento de respostas integrativas. Têm surgido no espaço público, discursos que defendem que as migrações podem ser vistas como uma ameaça à identidade cultural e ao mercado de trabalho, o que pode gerar tensões sociais relevantes. Por outro lado, a convivência com diferentes culturas traz benefícios emocionais e sociais evidentes, como o enriquecimento cultural, a ampliação de horizontes e a promoção da solidariedade.


Os serviços de saúde e em particular os dedicados à saúde mental devem estar preparados para lidar com estas questões e adotar várias estratégias de acesso aos cuidados e tratamento:

  1. Acesso aos Cuidados de Saúde Mental – Uma das primeiras necessidades dos migrantes é o acesso a cuidados de saúde mental adequados, nomeadamente através do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Contudo, muitas vezes os migrantes enfrentam barreiras no acesso, como o financimento, a falta de conhecimento sobre os seus direitos, a barreira linguística ou a falta de profissionais capacitados para lidar com as necessidades específicas desta população. A criação de serviços especializados para migrantes e a disponibilização de intérpretes são medidas que ajudam a reduzir essas barreiras. Médicos, psicólogos e outros profissionais de saúde mental devem ser sensibilizados para as questões culturais, de modo a garantir que o diagnóstico e o tratamento sejam realizados de forma apropriada. A compreensão das dinâmicas culturais das comunidades imigrantes e a adaptação dos métodos terapêuticos são essenciais para garantir que as pessoas de diferentes origens se sintam acolhidas e compreendidas nos serviços de saúde.
  2. Programas de Apoio em Populações de Risco – Diversas organizações e instituições de solidariedade social em Portugal têm desenvolvido programas de apoio psicológico e social para migrantes. Estes programas oferecem serviços de aconselhamento, apoio psicológico individual e em grupo, além de atividades comunitárias que promovem o bem-estar social. A criação de redes de apoio social entre os migrantes também é essencial para combater o isolamento social e ajudar a superar os desafios da adaptação ao novo país.
  3. Educação para a Multiculturalidade – A formação intercultural e a sensibilização para a diversidade são cruciais para promover a inclusão social e reduzir a discriminação. Programas de formação e de sensibilização para as comunidades locais, incluindo os profissionais de saúde, sobre as questões psicológicas específicas dos migrantes podem contribuir para intervenções mais eficazes, para a construção de uma sociedade mais inclusiva e empática. A promoção de espaços de convivência e diálogo intercultural também pode ser uma solução eficaz para integrar migrantes e população, promovendo um ambiente de respeito mútuo e compreensão.

As migrações têm um impacto significativo na saúde mental dos migrantes, como nas dinâmicas das comunidades que os recebem, colocando também uma exigência redobrada sobre os serviços públicos, nomeadamente os dedicados à saúde mental. A experiência migratória envolve uma série de fatores psicológicos e emocionais que exigem respostas adequadas e integradas, tanto por parte dos serviços de saúde como das políticas públicas de inclusão social. É fundamental que Portugal continue a investir no acesso à saúde mental para migrantes, promovendo um atendimento especializado e sensível às suas necessidades. Além disso, a sociedade como um todo, deve trabalhar para reduzir o estigma e a discriminação, criando um ambiente acolhedor para todos. A saúde mental dos migrantes não deve ser vista apenas como um problema, mas como uma oportunidade para construir uma sociedade mais solidária, resiliente e integrada.


Deixe um Comentário

Your email address will not be published.

Start typing and press Enter to search