Não há mais tempo

No exercício da função de Presidente do Conselho Permanente do CCP costumo não tratar de questões locais, pois este órgão de aconselhamento deve tratar de temas globais, em que pese haver exemplos locais aplicáveis a problemas gerais.
Desta vez, contudo, abro exceção para escrever como um Conselheiro eleito pelas Comunidades no Brasil e que experiencia há algum tempo o grave problema dos trabalhadores dos Postos Consulares no Brasil que acaba por atingir as Comunidades e aos utentes em geral. Refiro-me à situação degradante pela qual passam esses trabalhadores. Tentarei justificar.
A maioria dos trabalhadores do MNE/Governo de Portugal no Brasil, têm os salários fixados/congelados pelo Decreto-lei nº 47/2013 ao câmbio euro-real daquela época, 1 (um) euro corresponderia a 2,638 (dois vírgula seis três oito) reais. Desde então quem trabalha nos Postos Consulares no Brasil ficou cada vez mais prejudicado se comparado a seus homônimos em outros países, haja vista o câmbio atual ultrapassar 5 (cinco) reais, que corresponde receber menos da metade do que em 2013 e com uma inflação brasileira em níveis muito maiores.
O debate acerca da revisão desse heterodoxo congelamento cambial, atentatório às leis económicas, permanece cíclico: começa com a atribuição de responsabilidades entre os dois maiores partidos políticos portugueses, passa por uma preocupação com a irredutibilidade dos salários se estes voltassem a ser fixados a um câmbio variável (porém real e verdadeiro) e terminam sempre com reuniões em Lisboa entre Governo e Sindicato com manifestações, propostas e prazos. Contudo solução não há e torna-se à “estaca zero”.
Tenho acompanhado o calvário experimentado por funcionários/as no Consulado no Rio de Janeiro, recebi nos últimos anos relatos de diversos outros Postos e, em março de 2020, pude manifestar-me em Parecer à antiga SECP, Dra. Berta Nunes que, apesar de sensibilizada, não logrou êxito em uma solução.

Em outubro de 2021 havia um possível acordo à mesa que foi atingido pela não aprovação do Orçamento de Estado. Agora temos novo Governo, temos estabilidade política e OE aprovado. Será que há algum acordo ou alguma proposta concreta? Lisboa permanece silente.
A família abriram mão de assistência médica privada e escola particular, necessárias no Brasil, deixam de ter seus momentos de lazer. E será que algum de nós trabalharia sem ter como pagar o aluguer ou a luz e a água?
E o impacto dessa redução do poder aquisitivo imposta pelo congelamento cambial acarretando problemas aquando da aposentação (reforma), haja vista que pelas leis da segurança social brasileira o valor da reforma calcula-se sobre uma média das contribuições mensais em reais? Alguém mensurou isso?
Trata-se, portanto, de uma situação de calamidade salarial que, em não sendo resolvida, gerará desgastes e, quem sabe, possíveis decisões judiciais condenatórias/indemnizatórias em face do Governo. Esta semana, para corroborar o que escrevo, soube- se da decisão de Tribunal brasileiro reconhecendo o direito de 9 (nove) trabalhadores; possivelmente outros virão.
Por isso, há algumas semanas escrevi aos Drs. João Cravinho, Paulo Cafôfo e Luís Ferraz, alertando à necessidade de medidas urgentes quanto à situação. Apesar de reconhecer que meus destinatários estão responsáveis por suas respetivas funções há poucos meses, a notória, angustiante e degradante situação ocorre há muitos anos e Governos; infelizmente, ainda sem uma solução justa e razoável às partes.
Assim, como já foi feito por meio do CCP alertando aos nossos governantes e gestores públicos, faço agora este alerta público para uma situação que política, jurídica e socialmente necessita ser resolvida, considerando o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos sociais dos trabalhadores nos Postos Consulares no Brasil: não há mais tempo, as famílias desses trabalhadores/as agradecem. Nesse processo que se arrasta há anos perdemos todos: trabalhadores, utentes, cidadãos em geral e Portugal em todos estes.

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