O Asno de Buridan

Para a posteridade ficou o “Asno de Buridan”. Todavia, se as evidências históricas não deixam dúvidas perante a existência de Buridan, o mesmo não se poderá dizer do “seu” burro. Em abono da verdade, a teoria do conflito defendida por Buridan referia-se a um cão. Sendo assim, metaforicamente dizendo, como é que o cão se transformou em burro? Ao que parece, terão sido os opositores daquele filósofo medieval que trataram de fazer passar uma versão satírica da história para atacarem as suas teorias. Se não era um burro, mas sim um cão, também a teoria original deste paradoxo não remonta ao filósofo francês Jean Buridan, mas sim ao grego Aristóteles, um dos maiores filósofos da antiguidade clássica, que abordou pela primeira vez a temática na sua obra “Sobre o Céu”.
Independentemente da abordagem, a teoria do “Asno de Buridan” está relacionada com o livre-arbítrio e poderá ter várias interpretações. Se no campo da lógica e da filosofia se trata de um paradoxo, em psicologia é um conflito de atracção. Filosofias e psicologias à parte, o “Asno de Buridan” aborda o conflito mental perante uma tomada de decisão que se afigura difícil pelo facto de duas possíveis escolhas se encontrarem equidistantes e, a opção por uma delas, implica, naquele momento, a abdicação da outra. Vem-nos à memória, antigas imagens impressas nos livros escolares onde imperava um pensativo e indeciso burro entre dois fardos de palha, ou de um outro, não menos pensativo e não menos indeciso, entre um fardo de palha e um balde de água fresca. A indecisão prolongada no tempo, resultaria, inevitavelmente, na morte dos animais por inanição.
Serviu esta introdução alegórica para aclarar o actual paradoxo que estamos a viver entre a urgência de se criarem energias alternativas para combater e mitigar as alterações climáticas e a necessidade de se protegerem e preservarem os recursos ambientais e a biodiversidade.

Que hoje existe uma maior qualidade de vida é facto indesmentível, fruto da evolução dos tempos, consubstanciada nos imensos progressos relacionados com a produção de alimentos, com a inovação tecnológica e com os avanços em termos de cuidados médicos. Contudo, esta considerável evolução tem sido, em parte, conseguida através de elevados custos em termos ambientais. Não é aceitável que a melhoria das condições de vida humanas se faça, de uma forma quase proporcional, à custa da degradação ambiental.
Se a industrialização e a urbanização contribuíram para a melhoria das condições de vida das pessoas, no reverso da moeda, aquelas foram responsáveis, em larga escala, pela desflorestação, pela poluição das águas e do ar e, em último caso, pelas alterações climáticas. Também a agricultura, apesar de ser o sustentáculo da alimentação humana, contribuiu, fortemente, para a aceleração da perda de habitats e para o declínio da biodiversidade.
Uma vida moderna onde proliferam as comodidades dos plásticos descartáveis e da moda rápida é incomportável com a saúde do planeta; assim como é incomportável que se esburaquem montanhas e se sacrifiquem comunidades rurais com a abertura de minas a céu aberto para descarbonizar as cidades com a proliferação de carros eléctricos movidos a baterias de lítio.

Assim como é incomportável abater milhares de sobreiros para “plantar”, no seu lugar, amontoados de painéis fotovoltaicos. Estes são apenas alguns exemplos, mas há muitos outros. O colapso ambiental está à vista de todos. Apesar do dito paradoxo ambiental existir, este apresenta um desequilíbrio claro e evidente entre ambas as partes em considerando.
Estamos, pois, a viver um grande desafio existencial – a dicotomia entre progresso e preservação, entre a vida de uns e a morte de outros. Estamos perante uma encruzilhada: continuar a explorar o planeta Terra ou promover a inovação e o desenvolvimento rumo a um futuro mais equilibrado entre a qualidade de vida das pessoas e a saúde do planeta. Este é o grande paradoxo do nosso tempo – o nosso “Asno de Buridan”.

O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico

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