O Estado deve substituir o papel dos incendiários

Todos os anos, Portugal enfrenta um drama que se repete com uma previsibilidade preocupante: os incêndios florestais. Em poucas semanas de verão, vastíssimas áreas verdes desaparecem, deixando para trás um rasto de destruição que ameaça comunidades, põe em risco vidas humanas e consome recursos públicos e privados em operações de combate. Os prejuízos são gigantescos e os benefícios inexistentes, pois a combustão das árvores e dos arbustos ocorre de forma descontrolada, libertando apenas fumo e cinzas.

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Este ciclo repete-se com uma regularidade quase cronométrica. Estudos e experiência demonstram que, em média, as áreas ardidas regressam às estatísticas entre quatro e oito anos depois. Sabendo-se de antemão quais as manchas florestais que ciclicamente voltam a arder, seria possível planear o abate antecipado dessas áreas mais vulneráveis, antes da época de incêndios. Em vez de permitir que a floresta arda de forma espontânea, destruindo património natural e exigindo milhões em gastos de emergência, estaríamos a organizar uma colheita racional e útil.

Essa biomassa poderia alimentar centrais de produção elétrica, abastecer a indústria do papel e reforçar a fileira do mobiliário. Estaríamos a converter uma ameaça em ativo, reduzindo riscos ambientais e potenciando a criação de riqueza.

Esta estratégia teria ainda impactos sociais e ambientais inestimáveis. Ao retirar combustível florestal antes do verão, evitar-se-ia a perda de vidas humanas, de habitações, de explorações agrícolas, de animais domésticos e de milhares de colmeias. A floresta deixaria de ser apenas cenário de destruição para se transformar em fonte de energia limpa e de valor económico. E, porque parte do território seria previamente intervencionado, os meios de combate poderiam concentrar-se nas zonas não exploradas, em especial nas áreas florestais protegidas, que assim teriam maior probabilidade de resistir ao avanço das chamas.

Claro que esta estratégia levanta uma questão: os proprietários dos terrenos. Hoje, eles apenas suportam custos de manutenção e replantação, sem contrapartida. Seria fundamental discutir se, e de que forma, deveriam receber parte da receita obtida com a valorização da biomassa retirada dos seus terrenos. Essa partilha justa seria um estímulo à colaboração dos privados e uma forma de distribuir melhor o valor económico gerado.

A relevância desta solução não se limita à gestão florestal. Está diretamente ligada ao maior desafio económico que Portugal enfrenta: garantir energia elétrica a custos competitivos. Num mundo globalizado, em que empresas portuguesas competem com congéneres espanholas, francesas ou alemãs, cada cêntimo no preço da eletricidade conta. Uma indústria nacional penalizada por energia cara vê comprometida a sua capacidade de exportar, de inovar e de criar emprego.

Por outro lado, energia mais barata traduz-se também em maior poder de compra para as famílias. Com menor fatura energética, os consumidores nacionais teriam mais disponibilidade financeira para adquirir bens e serviços no mercado interno, alimentando um ciclo virtuoso de crescimento económico.

Portugal já dispõe de tradição no setor da energia renovável. Apostou fortemente na eólica, na hídrica e, mais recentemente, no solar. A integração da biomassa proveniente da gestão florestal neste mix energético seria um passo lógico. Não apenas porque acrescenta uma fonte de produção renovável e descentralizada, mas também porque resolve um problema recorrente de segurança civil e ambiental.

Transformar incêndios florestais em eletricidade barata é mais do que uma ideia de eficiência económica. É uma estratégia de soberania, de sustentabilidade e de competitividade. Significa transformar vulnerabilidade em vantagem. Significa fazer com que cada verão deixe de ser um pesadelo de chamas e se converta numa oportunidade de fortalecer a indústria, proteger o ambiente, preservar a biodiversidade e aliviar o orçamento das famílias.

O futuro competitivo de Portugal passará sempre pela energia. A diferença estará em sabermos escolher entre continuar a gastar milhões para apagar fogos que regressam ano após ano, ou investir esses recursos na criação de um modelo energético inovador, capaz de gerar eletricidade a preços que nos permitam competir de igual para igual com os mercados estrangeiros.

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