Patos, vinhas e arrozais
Em nome da sustentabilidade
Stellenbosch localiza-se na província sul-africana do Cabo Ocidental e é considerada uma das mais antigas e destacadas regiões produtoras de vinho do país. A cidade foi fundada em 1679 por Simon van der Stel, governador do Cabo da Boa Esperança que, juntamente com outros colonos holandeses plantou as primeiras vinhas da região.
A produção de vinho de Stellenbosch cresceu durante os séculos XVIII e XIX, todavia, sofreu um forte revés no final do século XIX e início do século XX, devido a uma praga de filoxera, que provocou a destruição de grande parte das vinhas. Posteriormente, no século XX, através da introdução de novas variedades e da utilização de novas tecnologias de produção, a indústria vinícola da região recuperou.
Hoje, a região de Stellenbosch é conhecida pelos tintos encorpados, provenientes das uvas Cabernet Sauvignon, Merlot e Syrah, assim como pelos excelentes brancos produzidos a partir das uvas Sauvignon Blanc, Chardonnay e Chenin Blanc.
Porém, Stellenbosch é muito mais que uma região vinícola de elevada qualidade. Quem visita a cidade, logo se apercebe da riqueza histórica e cultural, onde sobressai a arquitectura dos edifícios de traça colonial – casas de fazenda, museus e igrejas.
Apesar do reconhecimento do seu inegável património histórico-cultural, a temática de hoje versa sobre a utilização de práticas de sustentabilidade ambiental nos vinhedos de Stellenbosch e é sobre isso que me vou focar.
Não raras vezes, somos surpreendidos por notícias que nos acalentam a esperança de que é possível construir um mundo melhor, baseado em práticas ambientais mais sustentáveis. Um bom exemplo do que acabei de referir é a utilização de um “exército” de 500 patos que, todas as manhãs, em fila, percorrem os vários hectares da quinta de Vergenoegd Löw. Mas, o que fazem 500 patos numa vinha?
Estes anatídeos têm uma missão específica: fazer o controlo natural de milhares de lesmas, caracóis e insectos muito prejudiciais ao desenvolvimento das vinhas, melhorando, ao mesmo tempo, os solos das plantações. Os resultados obtidos através da acção dos patos corredores indianos parecem ser muito animadores, sendo até mais eficazes que os alcançados pelos pesticidas tradicionais. Além disso, os patos desta espécie, porque são mais esguios e apresentam pernas longas e uma postura quase vertical, conseguem executar o trabalho com maior rapidez e alcançar as pragas num nível mais elevado das vinhas, entre as folhas.
Esta prática já é utilizada há séculos na Ásia. Nesta quinta da África do Sul, a utilização dos patos nas vinhas remonta ao ano 1983, quando os primeiros seis patos começaram a fazer a “limpeza” dos caracóis, lesmas e insectos que proliferavam naqueles espaços. Ao longo dos anos, a meia dúzia de patos foi procriando até atingir várias centenas. Este número já permite aos proprietários da quinta manterem os vinhedos saudáveis e fazerem a manutenção da mesma sem quase usarem produtos químicos, reduzindo, desse modo, os elevados custos que anteriormente tinham com os pesticidas e com os fertilizantes sintéticos.
Por outro lado, os 500 patos pretos, brancos e castanhos, tornaram-se uma atracção turística adicional para os turistas que, frequentemente, visitam a quinta para participarem em provas de vinhos.
Do outro lado do Índico, entre o Mar de Andamão e o Golfo da Tailândia, no Pacífico, existe uma prática semelhante, contudo, aplicada nas produções de arroz, onde os agricultores locais soltam milhares de patos para erradicarem diversas pragas. Esta prática ancestral traduz-se num duplo benefício – por um lado, reduzem os gastos com a alimentação das aves; por outro, utilizam menos produtos químicos nos arrozais.
Na Tailândia, por exemplo, dez mil patos são libertados todos os anos nos campos inundados para se dedicarem à limpeza dos restos das cascas de arroz que ficaram do ano anterior e das pragas que afectam a produção. Durante cinco meses, aqueles patos da raça britânica Khaki Campbel deslocam-se livremente pelos arrozais, regressando posteriormente às fazendas, nos restantes meses do ano, para produzirem ovos, num ciclo interminável entre a inevitável renovação da espécie e a necessária limpeza das pragas dos campos de arroz.
Perguntamos, então, o que é que os patos indianos das vinhas sul-africanas têm em comum com os patos britânicos dos arrozais tailandeses? – São dois bons exemplos de práticas agrícolas em prol da sustentabilidade ambiental das regiões.
O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico