Teatro e Saúde Mental
O Teatro é uma forma de Arte milenar. Desde o início da Humanidade o Teatro sempre teve ligação com a então dita “loucura”, havendo evidências de produções teatrais em asilos europeus, com os doentes internados, nos fins do século XVIII e início do século XIX. Só no século XX começam a ser exploradas pela Ciência, as possibilidades terapêuticas do Teatro, como uma ferramenta importante na melhoria do funcionamento psíquico e social, potenciando e complementando o processo de recuperação pessoal nos portadores de doença mental. A presença do Teatro nos hospitais psiquiátricos expandiu-se traduzindo uma mudança de paradigma na área da Saúde Mental, iniciando uma alteração na forma como era visto o Teatro, de recreativo como forma de entretenimento, em exclusivo, à possibilidade de técnica psicoterapêutica.
A doença mental, como modelo biomédico, é atualmente caracterizada como desequilíbrios neurobioquímicos e vulnerabilidades genéticas combinadas com fatores individuais e ambientais, incluindo sociais e culturais. Na sociedade atual a doença mental ainda é alvo de estigma externo e de autoestigma em que o preconceito internalizado se manifesta como vergonha, sofrimento, solidão e isolamento, apesar dos avanços na área da Saúde Mental nas últimas décadas.
A Saúde Mental é de enorme relevância social e individual. O Teatro desafia estereótipos negativos, comportamentos discriminatórios, conceitos e perceções sociais sobre a doença mental, contribuindo para a construção de uma narrativa alternativa à disseminada pela sociedade.
O Teatro, como forma de manifestação artística estimula a criatividade e a espontaneidade exigindo expressão corporal, desenvolvimento de saberes físicos e mentais, permitindo aos protagonistas explorar as suas emoções, os seus sentimentos, os seus conflitos internos, a reflexão sobre as suas próprias experiências e desempenhos, ser e fazer diferente, funcionando assim como meio facilitador de mudança psicológica e emocional, bem como gerar mudanças e combater ativamente o estigma da doença mental na sociedade. O desenvolvimento de relações interpessoais, o aumento da autoconfiança, da autoestima e de autoeficácia, a quebra do isolamento, da exclusão, da solidão e da marginalização, o aumento da sociabilização, o fortalecimento de relações pré-existentes e a diminuição da internalização do estigma favorece uma melhor saúde psicofisiológica. O desenvolvimento de competências como a autonomia, o pensamento crítico, a criatividade, a imaginação, a responsabilidade e o trabalho em equipa, possibilitam uma consciencialização social com novas formas de olhar para si próprias e para o mundo.
Exemplos como o Grupo de Teatro Terapêutico do Hospital Júlio de Matos (atual Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa – CHPL) criado em 1968, são de realçar. Os atores e atrizes, como doentes, são acompanhados pelos profissionais de Saúde e profissionais das Artes Cénicas, na construção e na apresentação das peças de teatro ao público, integrados num processo terapêutico.
Igualmente, é de assinalar projetos e iniciativas artísticas comunitárias, com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian em parceria com a Fundação “la Caixa” (Partis & Art for Change), atividades onde são patentes os benefícios no combate ao estigma da doença mental. Tomemos, como exemplo, o Projeto SenteMente onde mulheres com problemas de saúde mental e outros fatores de vulnerabilidade, encontraram no Teatro uma forma de expressão individual, abordando temas de depressão, racismo e violência entre outras. Muitos outros projetos e atividades são uma realidade, nos mais diferentes ambientes e locais, desafiando e superando limitações e dificuldades, sempre com o objetivo de contribuir positivamente para a melhoria da Saúde Mental.
As Artes e as práticas artísticas, como o Teatro, têm um comprovado benefício, como terapias valiosas e eficazes na promoção da Saúde Mental e bem-estar da população. Várias particularidades do Teatro determinam uma importância acrescida para a Saúde Mental. Sendo uma atividade de grupo promove o incremento das relações interpessoais, estabelecendo um sentimento de pertença a grupo, de comunidade e de cidadania. O impacto do Teatro, como Arte expressiva, que pela sua própria natureza pressupõe a comunicação, evidenciam relevância significativa na abordagem ao funcionamento psíquico, à doença mental e à saúde mental.
A Arteterapia é uma profícua união entre a cultura e a Saúde Mental. As Artes performativas têm potencialidades expressivas, como instrumento de comunicação e de sensibilização com capacidade de produzir conexões emocionais e contornar barreiras comunicacionais, através das diferentes linguagens e literacia emocional, para além da sua dimensão individual como ferramenta de desenvolvimento psicológico, cognitivo e social das pessoas com doença mental.
Considerando, de uma forma global, esta temática, é de registar que a União Europeia (EU) adotou uma abordagem abrangente da Saúde Mental, em junho de 2023, orientada no sentido de dar prioridade à prevenção, reconhecendo que a Saúde Mental abrange, de forma significativa, muitos domínios de intervenção, tais como o emprego, a educação, a investigação, a digitalização, o urbanismo, a cultura, o ambiente e o clima. Esta abordagem transetorial e multidisciplinar visa equiparar a Saúde física à Saúde Mental. Reconhecendo, igualmente, a relevância, amplitude e vastidão dos desafios da Saúde Mental, a EU propõe-se a ajudar os Estados-Membros a implementarem medidas especificas e a continuar a investir nas reformas dos cuidados de Saúde Mental e dos sistemas de Saúde, bem como combater o estigma e a discriminação em torno da Saúde Mental.