Eduarda Oliveira

Eduarda Oliveira nasceu em 1954 em Braga. Licenciou-se em Medicina na Faculdade de Medicina de Lisboa e desenvolveu a sua atividade profissional como Pneumologista. Concomitantemente fez formação artística no Centro de Arte e Comunicação Visual (ArCo) e na Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA) e efetuou Pós-Graduação em Arte Contemporânea e Curadoria na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Desde 2019 desenvolve atividade como Professora de Expressão Plástica em Pintura. Tem no seu percurso artístico prémios nacionais, participações coletivas e mais de trinta exposições individuais, com representações em coleções particulares e em organismos públicos. Como artista plástica o Expressionismo Abstrato é marcante na sua expressão artística e ao longo do tempo a plasticidade do seu trabalho, de intenso e constante desassossego cromático , tem evoluído no sentido de uma abordagem crescentemente reflexiva, numa busca incessante de inovação, retratando o imaterial do pensamento.
Quem é Eduarda Oliveira, a autora que está por trás das suas obras?
Nasci num continente e cresci noutro continente. Sou uma cidadã do mundo. Sou defensora da liberdade. Sou mulher, mãe e avó. Sou médica. Sou artista plástica e curadora. Do meu pai tive o incentivo à liberdade criativa. Da minha mãe a paixão pela escrita. Da minha avó paterna a combatividade. Vivi e cresci em vários países, vivenciando e respeitando a diversidade cultural, valorizando ideias e aprendizagens, ampliando a minha visão da sociedade e do mundo.
O Expressionismo Abstrato é uma marca forte na sua obra. O que a atraiu inicialmente neste movimento e como o reinterpretou ao longo do tempo?
Desde que me lembro que sempre me fascinou a abstração. Ainda muito jovem pintava, brincando livremente com as tintas, afirmando, com a maior convicção, que as manchas coloridas nos papéis eram paisagens, jardins, cidades, pessoas, animais ou mesmo seres imaginários que eu nunca tinha tido oportunidade de ver, mas que acreditava que existiam. As construções de histórias ilustrativas das múltiplas manchas de tinta sucediam-se sem fim, até à exaustão dos adultos que me ouviam e que me diziam constantemente quanto era fértil a minha imaginação. Para mim era estranha tal afirmação, uma vez que tudo me parecia muito natural, evidente, autêntico e real.
Ao longo do meu crescimento, não me pareceu interessante ou atraente a pintura figurativa, a cópia ou a reprodução do mundo dos objetos, pelo que desenvolvi e expandi o conceito da abstração, sentindo cada vez mais uma identificação, um desafio que explorei sem medos, sem barreiras, ultrapassando obstáculos, numa busca constante muito orgânica, intuitiva, emocional, privilegiando o espontâneo, o gesto e o irracional, expressando-me em liberdade criativa e emocional. Pinto a partir do inconsciente expressando emoções, perceções, pensamentos que pulam instante a instante livremente para onde lhes aprouver, percorrendo o mundo e o tempo, retratando o imaterial do pensamento. Porque não me confino à representação do real, imponho a mim mesma aceitar o desafio da abrangência do olhar para além da realidade, com díspares e infindáveis leituras, debruçando-me sobre as múltiplas, complexas, visíveis e invisíveis dimensões da vida e da existência humana. Sinto a Pintura como uma presença impetuosa, quase como uma necessidade irresistível. Pinto, caminhando parada, dando mais Tempo ao Tempo de Viver!

O “desassossego cromático” que caracteriza a sua pintura é uma assinatura muito própria. Como nasce esse impulso cromático e que papel desempenha na sua narrativa plástica?
A cromaticidade intensa e vibrante é marcante na minha expressão artística com uma construção imagética de cores vigorosas e explosivas. As potencialidades da cor são exploradas na sua dimensão ambígua da materialidade, ficando ampliada nos seus contrastes explícitos das oposições, nas diferenciações tonais e na construção pictórica de luz e sombra. Num jogo de olhares intemporais, a dimensão cromática ultrapassa os limites do espaço da pintura, permitindo que o pensamento se espraie num mundo imaginário, estabelecendo um diálogo criativo. Relembro, com um sorriso, os primeiros anos da minha adolescência no tempo do então chamado Liceu, em que as minhas opções cromáticas eram muitas vezes consideradas únicas, estranhas ou mesmo inaceitáveis, como usar em conjunto azul e verde, mas que desempenharam um papel positivo na minha aprendizagem, uma vez que se repercutiram como um incentivo na pesquisa do conhecimento e na utilização da cor na expressão artística, assumindo os riscos de desafiar o evidente, o consenso, as convenções, os conceitos pré-definidos e as ideias formatadas.
A minha Pintura não tem limites no processo de produção nem na sua visualização, com múltiplas camadas de tinta, de diferentes cores e tonalidades, conferindo relevos e texturas, alcançando profundidade e tridimensionalidade, construindo uma linguagem visual que reflete a vida tal como a experiencio.
O olho humano é capaz de discriminar 380 mil cores diferentes, abrindo assim a possibilidade a uma infinidade de composições cromáticas. No entanto a cor é mais do que um fenómeno ótico. A cor afeta a razão e a emoção. As cores estão associadas a sentimentos e a simbolismos. Não existe cor destituída de significado. O impacto causado por cada cor, refletindo o modo de ver, é determinado pelo seu contexto cromático, pelo perfil cultural e psicológico do observador. Assim, a cor produz sensações de intensos sabores, pois pode ser sedutora, relaxante, harmónica, exótica, extravagante, agressiva, repulsiva ou mesmo introspetiva e criativa. A cor e o estudo da cor são um fascínio!




Ao longo de mais de trinta exposições individuais, como sente que evoluiu a sua abordagem pictórica?
Ao longo do tempo, a busca incessante de inovação a par de um confronto permanente com o que há de mais profundo no meu ser, testando a minha inquietude e os meus limites, conciliando a aprendizagem com a imprevisibilidade criativa, refletiu-se e reflete-se na capacidade de ampliar, elaborar e reelaborar um valor compositivo agregando impulsividade e evasão da mente, que se traduz em riqueza gestual na Pintura.
A sua formação em Medicina influenciou de algum modo a sua sensibilidade artística ou a forma como observa o corpo e a mente na pintura?
A Medicina e a Arte têm uma interligação profunda que é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Esta evidência reflete-se na forma como vejo e sinto a Arte como uma aliada das Ciências Médicas. A Arte cuida! Arte e Saúde são desde sempre indissociáveis na minha vida e refletem-se na minha essência, no meu caráter, no que sou, no que penso, no que sinto, no que defendo, no que produzo e em todas as minhas ações de conexão com o mundo ao longo de todo o meu percurso de crescimento, desenvolvimento e envelhecimento.


Como professora de Expressão Plástica em Pintura, que valores procura transmitir aos seus alunos sobre a experimentação e a liberdade criativa?
É para mim extremamente gratificante, na formação em Expressão Plástica poder incentivar a liberdade criativa, dar a conhecer a existência de caminhos e percursos artísticos sem respostas e sem certezas, em que não existe o certo ou errado, em que tornar o invisível em visível abrindo novos territórios à pintura é fazer magia. Encorajo-os a serem verdadeiros e a refletirem a sua essência e a sua relação com a vida nas obras que produzirem, recusando saudavelmente tabus e preconceitos.
É igualmente relevante reconhecerem que a criatividade promovendo a exposição a uma atividade nova ou complexa propicia a formação de novas conexões e a remodelagem das previamente existentes entre as células cerebrais, com um evidente e comprovado incremento da neura plasticidade. Assim, a melhoria global das funções cognitivas, coloca a inseparável ligação da Arte e da Saúde como temática primordial no nosso crescimento, desenvolvimento, envelhecimento e qualidade de vida.
No papel de curadora, como equilibra a sua visão pessoal de artista com a necessidade de dar espaço à diversidade de outras expressões plásticas?
Na minha posição de artista plástica e de curadora, considero haver alguns pontos comuns, dado que ambos os processos artísticos envolvem criatividade e permanente inovação. Entendo não haver qualquer incompatibilidade, mas sim complementaridade. É necessário um permanente jogo de equilíbrios, havendo decisões que me cabem como curadora, mas que de alguma forma também são conceção dos artistas. Expor é propor. É ação com reflexão. Num desafio de programação e de divulgação da Arte, a diversidade das expressões plásticas é para mim de uma riqueza singular no quebrar de paradigmas, gerando interrogações, questionando os saberes, agitando consciências, estimulando a introspeção, provocando sensações e sentimentos e encorajando a descoberta com novas formas e modos de ver.
Que critérios considera fundamentais na construção de um projeto curatorial contemporâneo?
A elaboração de um projeto curatorial atualmente é uma obra autoral e implica uma prática expositiva como meio de expressão, reflexão e intervenção para ser experienciada livremente por um público, incentivando-o no exercício da capacidade de olhar e do pensamento crítico, procurando uma consciencialização, desafiando-o a refletir e a agir promovendo a sua integração como participante ativo. Neste caminho, a inovação tem um papel determinante estabelecendo conexões entre a obra de arte, o artista e o público. Nos procedimentos expográficos deveremos igualmente considerar desde a seleção dos artistas e obras à conceção do conceito, ao conhecimento do espaço, ao design da exposição, aos textos e informação até às vertentes da gestão da produção e dos orçamentos.
Em que projetos está envolvida neste momento e o que nos pode revelar para 2026?
Como artista plástica é essencial continuar o meu percurso de busca e de inovação em novas abordagens pictóricas, mantendo a vertente da formação artística. Como curadora desafiar-me em novos projetos, para além da permanência no projeto artístico, cultural e multidisciplinar Realces que tem como objetivo envolver as pessoas cegas ou com baixa visão no mundo das artes e no projeto Obras de Capa em que a revista Descendências Magazine promove um artista plástico através da publicação, nas suas capas, de obras originais desse autor, durante 12 meses e posteriormente realiza uma exposição itinerante das 12 obras por diversos países, divulgando a arte, a cultura e a língua portuguesa. Para 2026 vou iniciar um projeto em espaço próprio de atelier com atividades de formação e expositivas, com a participação de outros artistas plásticos, promovendo e divulgando as diversas vertentes artísticas.
Uma mensagem para todos os autores, criadores e artistas do mundo.
Só com liberdade é possível expressar a criatividade e criar Arte!












