Judite Luvumba

Judite Chimuma Joaquim Luvumba e a fundadora da História Social de Angola iniciaram o processo de coleta de memória em Março de 2023, pouco antes do lançamento do livro em Lisboa e do início dos audiovisuais em Luanda. Durante as curtas estadias em Lisboa vinda de Londres Judite e Marinela encontram -se sempre que há tempo para estarem juntas, quer seja para pesquisas aos portais dos metodistas canadianos e americanos criadores das missões metodistas no sul de Angola, quer seja para lhe contar as descoberta sobre memórias relevantes da vida da Judite como o facto de ser a primeira mulher angolana negra radialista1 a emitir programa em Unbundu ou a identificar em fotografias nestes arquivos e procurarmos identificar e discorrer sobre as imagens, documentos encontrados como os evangelhos por ela traduzidos.

© História Social de Angola

A Parte I do depoimento apelidada de “As Missões Evangélicas e a Educação em Angola”, destaca a experiência do ensino primário na missão do Dondi, o secundário na escola MEANS, o ambiente estudantil do liceu Norton de Matos, o curso de educação física e a frequência da faculdade de medicina nos primeiros anos da Universidade António Agostinho Neto. Esta primeira parte foi revista e editada pela depoente e a segunda está em curso. Durante o este período a História Social de Angola (HSA) foi registando demais memórias, a própria Judite diz “ já estás a gravar, é melhor gravar”, mesmo em coleta via whatsapp e assim o HSA foi se tornando fiel depositário de vários fragmentos da memória oral da matriarca da família Chindondo também com o intuito de satisfazer a vontade dela a escrever o seu livro biográfico.

De repente a idade decidiu limitar estes nossos encontros, de a ir buscá-la a Igreja onde seu genro e filha são pastores em Lisboa nem que fosse para nos sentarmos durante um hora ou almoçarmos rapidamente enquanto coletamos dados, a Judite é um depósito fértil de memória oral das elites do sul de Angola. Em uma destas conversas regulares para revisão e edição dos textos partilhou a decisão importante de passar a residir em 2023 no lar de idosos em Londres, mas antes cumprir a missão de passar a chave da sua família paterna, a célebre e histórica família Chindondo e organizar o centenário do seu pai.

A data de início das emissões do Cruzeiro do Sul ocorreu no trigésimo aniversário da primeira emissão de Álvaro de Carvalho, considerado o primeiro radialista angolano, a partir de Benguela. Sebastião Coelho teria uma autorização precária concedida pelo governador do distrito de Huambo, coronel Nascimento Vieira, para emitir o programa em umbundo. Ele possuía licença formal do CITA para realizar o desdobramento diário de programas de música clássica e temas culturais, para incluir Cruzeiro do Sul sem alterar a programação habitual. Assim, o ouvinte podia sintonizar a emissão normal em português e, noutra frequência, o Cruzeiro do Sul em umbundo e português. Judite Luvumba e José Castro foram os primeiros locutores e apresentadores negros da rádio angolana. Patrocinado pela CUCA, o programa passava gravações de grupos e artistas locais, com o produtor a formar a primeira fitateca angolana. Na época, o registo de temas musicais da população negra era quase inexistente, tirando a atividade etnográfica de recolha de folclore regional pela companhia Diamang na região da Lunda. Joana Campina Miguel e Sebastião Coelho, entretanto casados, gravariam coros da Igreja Evangélica do Dondi – Bela Vista, da Igreja Adventista do Sétimo Dia (Huambo) – e das missões católicas do Cuíma e do Cuando.

© História Social de Angola

Esclareceu ser por decisão própria, preferia exercer a sua autonomia naquele espaço e começou dizendo “ vou passar em trânsito em Lisboa a caminho da minha última jornada a terra-mãe e após o meu regresso, os nossos encontros só poderão ter lugar em Londres”.

Esta segunda parte, do depoimento contém factos da Parte I, da antiga Parte II e o relato de algumas atividades realizadas nesta última visita a terra natal, na realidade se trata da transcrição do audiovisual gravado durante a sua estadia e pela primeira vez a equipa da Muki Produções foi auxiliada pela coletora do grande depoimento, quer dizer já existiam registos e publicações, contrariamente aos audiovisuais que são capturados diretamente no dia da coleta. Há depoimentos iniciados na Europa cujo audiovisual depende da deslocação a Luanda. A relevância da informação, os novos dados e a estadia da Judite Luvumba em Luanda constituíram esta oportunidade única. A falta de recursos não permitiu acompanhá-la nessa missão, pois o convite foi imediato, a antiga Missão do Dondi e ao Huambo, fomos convidados mas não dispúnhamos de recursos, porém a Judite foi enviando algum material gravado e vídeos que se juntaram ao acervo da guarda do HSA. Contamos publicar a Parte III no segundo trimestre de 2023.

Finalmente, tal como a Judite descreve a sua família foi particularmente afetada durante a guerra, levando-a ao exílio e a última missão com o sentimento de a ter cumprida, por ter compreendido que a reconciliação nacional passa pela reconciliação familiar. Embora o HSA não tenha como propósito coletar factos políticos, não deve excluir factos sociais ligados aos cidadãos cuja trajetória de vida esteve intrinsecamente relacionada ao conflito armado que caracteriza o primeiro meio século de Angola. No contexto da Parte I Judite afirma a relevância de partilharmos a memória social isolada de factos políticos, porém a longevidade deste depoimento também concorre para dimensões desta ordem, aqui abordadas do ponto de vista social, sem qualquer pretensão de coletar dados da história política. Afinal o que há de maior relevância na história social de Angola que a reconciliação das famílias para a reconciliação social plena.

© História Social de Angola

Colonial
Memórias da habitação nos ano 1930

Eu tenho a memória desde aquelas cubatas feitas de ramos de folhas depois cobertas a capim quando o meu pai me levava a ir visitar os nossos tios tios, como não havia quartos, eles sabiam, bem o Lourenço vem aí com os filhos e faziam uma cubata porque o meu pai tinha muitos filhos, eu tenho a recordação de estar a dormir em uma cubata, com uma porta inventada feita de paus e cordas naturais e depois capins e depois tenho recordação de casas já cobertas com troncos entre os troncos punham barro e depois cobertas a capim, depois evoluímos para casas de adobe que o meu pai fazia ou mandava fazer, cobertas a capim e já evoluindo começaram a ser casas a tijolo. Na missão as casas eram de tijolos pequeninos, vermelhinho, muito bonito e as casas eram cobertas de telha.

Intentona de assalto a cadeia do Huambo e a morte da família Cacunda

Na sequência, dessa explicação que nesta altura nós começamos a atender o ambiente político- revolucionário que nós vivemos,que nós o vivemos intensamente no Huambo, nós vivemos numa revolta militar que tinham uma orientação vinda do Congo, não sabíamos de que Congo, intenção especificação que eles usavam o nosso lar de jovens para fazerem a organização desta intentona que houve que eles queriam ter invadido a prisão do Huambo correu mal esta experiência, estamos em 1961-62, correu mal, nós tivemos grandes perdas, os dois militantes eram irmãos que dirigiram e que lideravam esta intentona, a família deles, a Cacunda, foi toda dizimada, ficaram só dois colegas, o irmão e a irmã incluindo os pais foi dizimada pelos portugueses.

Nessa altura o missionário Professor Charles, missionário era etnólogo e como eu tinha uma grande capacidade em termos de buscas, o Dr. Charles pedia-me para no liceu, usando as bibliotecas trazer-lhe imagens, livros ou desenhos que lhe interessavam e o professor de história era indiano que se apercebeu-se do meu interesse por estar sempre na biblioteca a busca e aproximou-se de mim e vim a saber mais tarde que ele também era revolucionário, teve que fugir para Benguela devido a perseguição da PIDE.

1 Em AFRICANA STUDIA, N.º 34, 2020, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO, A data de início das emissões do Cruzeiro do Sul ocorreu no trigésimo aniversário da primeira emissão de Álvaro de Carvalho, considerado o primeiro radialista angolano, a partir de Benguela. Sebastião Coelho teria uma autorização precária concedida pelo governador do distrito de Huambo, coronel Nascimento Vieira, para emitir o programa em umbundo. Ele possuía licença formal do CITA para realizar o desdobramento diário de programas de música clássica e temas culturais, para incluir Cruzeiro do Sul sem alterar a programação habitual. Assim, o ouvinte podia sintonizar a emissão normal em português e, noutra frequência, o Cruzeiro do Sul em umbundo e português. Judite Luvumba e José Castro foram os primeiros locutores e apresentadores negros da rádio angolana. Patrocinado pela CUCA, o programa passava gravações de grupos e artistas locais, com o produtor a formar a primeira fitateca angolana. Na época, o registo de temas musicais da população negra era quase inexistente, tirando a atividade etnográfica de recolha de folclore regional pela companhia Diamang na região da Lunda. Joana Campina Miguel e Sebastião Coelho, entretanto casados, gravariam coros da Igreja Evangélica do Dondi – Bela Vista, da Igreja Adventista do Sétimo Dia (Huambo) – e das missões católicas do Cuíma e do Cuando.

Leia o depoimento completo

Leave a Comment

Your email address will not be published.

Start typing and press Enter to search