Fim à Mutilação Genital Feminina
Dimensões Sociais da Saúde
A Mutilação Genital Feminina (MGF) é uma violação grave aos direitos humanos e uma brutal violência contra as mulheres. É uma prática nefasta com consequências dramáticas e permanentes para a saúde física, sexual, reprodutiva, social e psicológica da mulher, causando em alguns casos até a morte. A mutilação é maioritariamente praticada na infância dos 0 aos 10 anos de idade com ferramentas rudimentares, sem anestesia e em condições de higiene inexistentes, por excisoras tradicionais, num contexto de normas sociais e culturais que é necessário desconstruir, desenvolvendo projetos de promoção de saúde sexual e reprodutiva e promovendo mudanças sociais, culturais, de mentalidades, de atitudes e de comportamentos.
A MGF é um ato de violência extrema e uma manifestação gritante da desigualdade de género, discriminatória e desvalorizadora da mulher, com repercussão na situação social, económica e na acessibilidade à educação e à saúde.
A classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS) define 4 tipos de MGF, de acordo com as intervenções praticadas sobre os órgãos genitais externos femininos, procedimentos que implicam a excisão, sutura, remoção parcial ou total, dos órgãos genitais externos femininos, ou qualquer um outro dano, por razões que não são de natureza médica. As graves complicações de saúde, a curto e longo prazo, são particularmente de ordem ginecológica, obstétrica, urológica, de limitações à sexualidade e psicológicas. Desde a dor extrema a hemorragias, infeções que podem levar até ao choque séptico e à morte, infertilidade até às complicações no parto incluindo morte do bebé e ou da mãe ou da necessidade de cirurgias reparadoras e reconstrutivas na idade adulta e problemas vários na vertente da saúde mental como depressão ou stress pós-traumático, passando pela dor crónica até às dificuldades de aprendizagem e perda de memória , todas estas complicações têm repercussões marcadas a todos os níveis da vida das meninas e das mulheres. As diferentes complicações são frequentemente coexistentes e apresentam um prognóstico tão mais grave quanto mais severa é o tipo de mutilação.
A voz e o futuro das sobreviventes da MGF foram este ano o tema da campanha do Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, dia 6 de fevereiro, data instituída pelas Nações Unidas em 2012.
O Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) conjuntamente com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) lideram o Programa conjunto para a Eliminação da MGF.
Atualmente mais de 200 milhões de mulheres e meninas são sobreviventes da prática da MGF, sendo previsível que cerca de 4,4 milhões de meninas estejam em risco de ser submetidas a esta prática nociva. Se é verdade que o risco diminuiu nas últimas décadas, também é verdade que o progresso terá de ser substancialmente mais rápido, cerca de 10 vezes mais rápido, para que seja possível atingir a meta estabelecida na Agenda 2030 das Nações Unidas, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, concretamente no objetivo 5 “Igualdade de Género” de erradicar esta prática até 2030. É fundamental acelerar esforços, investir na educação e na formação, para não termos um aumento significativo de casos, estimado em mais de 4,6 milhões, considerando países com tendências demográficas crescentes e altas taxas de prevalência de MGF, até ao fim desta década.
De acordo com os dados da Direção Geral da Saúde (DGS) do registo dos casos de MGF na Plataforma de Registo Eletrónico (RSF), foram identificados em Portugal mais de mil casos na última década. Em 2023 foram detetados 223 casos e 15 casos durante o mês de janeiro de 2024, no âmbito de consultas de vigilância da gravidez, puerpério, e em consultas e internamentos nos cuidados de saúde hospitalar e cuidados de saúde primários. Nenhum destes casos foi realizado em Portugal, onde a MFG é crime autónomo desde 2015 e tratando-se de um crime público não é necessário a apresentação de uma queixa para que seja iniciado um processo.
A prática da MGF ocorre predominantemente em mais de 30 países de África, mas também na Ásia e no Médio Oriente, apesar de em alguns destes países já existir legislação considerando a prática, um crime, esta persiste em secretismo e na clandestinidade. Não chega criminalizar a MGF, é necessária uma estratégia com um conjunto de medidas mais abrangentes na defesa dos direitos das crianças, das mulheres e dos direitos humanos promovendo o empoderamento feminino, num diálogo inclusivo, intercultural e comunitário gerando novas perspetivas socioculturais. É igualmente reconhecido que os profissionais de saúde são fundamentais pela sua capacidade de intervenção na prevenção e na implementação das estratégias pela erradicação da MGF.
Apesar da sensibilização crescente das comunidades e da consciencialização dos profissionais de saúde o número oficial de casos registados parece subestimar a verdadeira prevalência da MGF devido à subnotificação e considerando os fluxos migratórios. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam uma prevalência superior a 80% em alguns países de África, mas temos de considerar a MGF um desafio global e não apenas das comunidades afetadas. O crescente fenómeno de globalização e migração dos povos, justificam a existência de registos de MGF nomeadamente em vários países europeus.
Só é possível construirmos um mundo com dignidade para todos, protegendo os direitos humanos e a saúde das mulheres e das meninas com a união das comunidades, governos, organizações e parceiros internacionais, num esforço focado, coordenado e sustentado de vontades políticas.
No próximo dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, reconhecido pelas Nações Unidas em 1977, celebremos a Mulher na sua luta pelos seus direitos numa sociedade mais justa, mais inclusiva e com maior dignidade, reforçando os investimentos, o empenho e a mobilização na exigência de adoções de medidas sociais, económicas, políticas e legislativas que nos conduzam à erradicação da MGF.