Pedro Almeida Maia

© Luís Godinho

Pedro Almeida Maia nasceu na cidade de Ponta Delgada em 1979, estudou Psicologia Organizacional em Coimbra e Barcelona, trabalhou na Irlanda e regressou aos Açores em 2017. Começou a escrever para música em 1996, seguindo-se crónicas para a imprensa local, literatura infantojuvenil, alguma poesia e ensaio. Estreou-se no romance em 2012, quando venceu o Prémio Letras em Movimento, tendo os trabalhos mais recentes integrado o Plano Regional de Leitura ou sido agraciados pela crítica, sobretudo Ilha-América (2020) e A Escrava Açoriana (2022), que inspirou a peça de dança «Açorada». No conto, tem participado em antologias, como na edição comemorativa do centenário do PEN Clube Internacional Os Dias da Peste (2021). Na poesia, venceu o Prémio Discover Azores em 2014, quando também foi considerado Escritor do Ano pelo Correio dos Açores. No género novela, publicou Nove Estações (2014), selecionado para a Mostra LabJovem, e A Força das Sentenças (2023), vencedor do Prémio Literário Manuel Teixeira Gomes.

© Hugo Duarte Silva
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© António Fonseca Tavares

Vamos dar um saltinho à sua infância. Como nasceu este amor pelos livros, que se tornou em dupla carreira, de escritor e psicólogo? Cada vez mais escritor?

O interesse pelos livros surgiu muito antes da psicologia, quando ainda em criança vivi perto do jornalista e escritor Manuel Ferreira, autor de O Barco e o Sonho. Lendo-o e relendo-o, idealizava as diferentes maneiras de se contar uma história. Também costumo dar crédito à minha mãe, por ter abastecido a estante com livros ao longo da minha adolescência, e aos professores que fui tendo, cada qual incentivando-me no momento certo. Depois comecei a escrever letras para música, seguindo-se crónicas sobre artes, creio que foi quando percebi o verdadeiro poder da palavra. Já na idade dos trintas, venci um prémio literário que originou a primeira publicação: um romance que serviu de ignição para os outros seis que se seguiriam. Ainda assim, creio continuar a ser o psicólogo que escreve, pois coloco a profissão em primeiro lugar e o rótulo de escritor amedronta-me, de certa forma. É preciso gostar-se muito.

Quem é Pedro Almeida Maia, o autor que está por trás das suas obras?

Eis a pergunta mais difícil de todas. Já fiz muitas coisas, estive ligado a inúmeros projetos criativos, empresas e pessoas. Hoje, considero-me primeiramente pai. Mas não deixo de ser filho e de pertencer a uma família alargada. O que me leva aos livros é a mesma curiosidade que me motivou no passado a produzir música, ou seja, um fascínio pelo ato criativo e pela capacidade humana de, a partir do aparente nada, conceber algo totalmente novo. E não consigo fazê-lo sem refletir ou filosofar, portanto, considero-me também um questionador. Atribuo importância ao ato introspetivo e creio que faz falta à sociedade. Sou apreciador do silêncio, necessito dele: gostava de poder escrever e não ter de palrar sobre isso. E pronto, talvez não me consiga definir muito melhor com apenas estas linhas.

© Duarte Jorge Sousa

Recebeu recentemente mais um prémio literário (por unanimidade) “Manuel Teixeira Gomes”, pela sua obra, A Força das Sentenças. Como nasceu a ideia para retratar o tema da Alzheimer? Fale-nos um pouco dos personagens deste magnífico romance.

Este livro é o mais íntimo de todos os que já publiquei. Começou por ser uma coletânea de ideias, mas ganhou corpo quando um parente meu foi diagnosticado com a doença. O professor Penedo Quental não é uma reprodução fiel da realidade, antes uma mistura aliciante. Viúvo, reformado, ambiciona ser escritor e de feitio peculiar, vê-se obrigado e mudar do Alentejo para Coimbra, para ficar mais perto da filha (por sua vez grávida), adotar um cão e aturar uma cuidadora que ambiciona secretamente ser governanta.

Na sua opinião, num mundo dominado pelas séries em streaming ou os videojogos, a leitura é ainda o veículo cultural essencial para a formação da cidadania?

Não tenho dúvidas disso. Há quem afirme que ler ensina mais do que seguir os atuais programas de ensino, embora eu defenda que a formação da cidadania deva incluir um pouco de tudo: literatura, ensino, desporto, espiritualidade, vida social (que no fundo é a verdadeira prática da cidadania), mas também algum streaming e videojogos. Porque não? Tudo depende da dosagem e do que se escolhe consumir. Por exemplo, há videojogos que desenvolvem competências cognitivas, como o raciocínio lógico; e há outros que ensinam a matar. Também na leitura há escolhas a fazer, mas isso dá trabalho e é preciso quem o ensine.

© Luís Godinho
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© Duarte Jorge Sousa

Segundo um inquérito do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 61% dos portugueses não leram um único livro em papel, e, dos 39% que afirmavam ter lido, a maioria leu pouco. As conclusões deste estudo demonstram ainda para a existência de uma relação entre a educação e os hábitos de leitura, já que muitos não têm memória de os pais alguma vez os terem levado a uma livraria ou lhes terem oferecido um livro. Mais do que incutir este hábito nos mais jovens é necessário, primeiramente, estimular a leitura em contexto familiar?

Se pudermos, creio que podemos intervir nas diversas frentes. Há mudanças que podem ser feitas nas escolas, nas bibliotecas, em casa, na paróquia, até nas empresas onde trabalhamos. Onde houver pessoas. É uma questão social, portanto, se estamos a falhar, errámos como sociedade, como um todo. Mas sim, se a educação começa em casa, então temos mesmo de ler mais em contexto familiar, mas tornar isso uma atividade divertida, ao invés de uma obrigação. Há pessoas que conseguem fazer isso de uma forma incrível, e são esses exemplos que devemos aplaudir.

Quais foram as principais influências que marcaram a sua forma de escrever?

Além do já referido Manuel Ferreira, li os policiais de Rex Stout, as ficções de H. G. Wells e de Ernest Hemingway. Mais tarde, descobri Hermann Hesse, Huxley e Fitzgerald. As vozes portuguesas mais influentes que se juntaram foram Saramago e João de Melo, mas continuo a descobrir autores e tento acompanhar o que se publica em diferentes géneros literários, em português e inglês. Também leio muita não-ficção e publicações científicas.

De todos os livros que escreveu, qual aquele que lhe deu mais prazer ou que tem um significado especial?

O livro mais recente costuma ser aquele com que nos identificamos mais. Como terminei de escrever A Força das Sentenças imediatamente antes de iniciar A Escrava Açoriana, talvez seja a história de Rosário no cortiço brasileiro cujo significado sobressai neste momento. Mas tenho também Ilha-América num excelente lugar mental, por ter proporcionado um processo de investigação intenso e que me permitiu conhecer inúmeras pessoas novas.

É um dos artistas colaboradores da MiratecArts. Como é que esta entidade tem contribuído para a evolução da sua vida no setor artístico?

O trabalho da MiratecArts tem sido louvável. Recordo-me de aderir logo no início do projeto e de poder impulsionar o meu trabalho através de uma rede de contactos dinâmica e em constante atualização. Por vezes, há preconceitos que desvalorizam a capacidade produtiva dos artistas, mas se não cometermos generalizações, apercebemo-nos de que há imensas pessoas ligadas às artes que são extremamente produtivas.

© Paulo R. Cabral

Projetos para 2024?

Este ano continuarei a escrever um novo romance, inspirado na história real de um indivíduo açoriano que, no tempo da Lei Seca, nos Estados Unidos da América, juntou-se à máfia e cometeu uma série de crimes. É uma história recheada de ingredientes curiosos e, ao mesmo tempo, dramáticos.

Uma mensagem para todos os artistas do mundo.

Sejam felizes no processo. Essa parte ninguém nos consegue tirar.


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