Adelino Marques

No trabalho que Adelino Marques apresenta, a câmara é o meio de recolha da matéria-prima para criar registos expressivos que são manifestos da sua subjetividade. Entre a captura e o trabalho que o observador vê, há a mediação do autor que não tem intenção de documentar, ilustrar, descrever a realidade: acrescenta-lhe texturas, cores, sombras, luz, que combina numa composição original, numa realidade subjetiva, intencional e explicitamente construída. Transcende, portanto, a realidade captada acrescentando-lhe a sua sensibilidade que envolve emoções, afetos, história de vida, desejos, memórias, pensamentos latentes.

Manuela Matos Monteiro

O domínio que o autor acolhe não é um modelo descritivo, mas antes o mundo apropriado pelos sentimentos e sensações expressas pela omissão de detalhes, pelo afagar de esquinas, pelo blur dos recortes, pelos espaços de invisibilidade, pelo atenuar de fronteiras entre figura e fundo, entre planos, entre centro e margens…
Presente está o mundo em que os quatro elementos se combinam – água, terra, ar, fogo. Presente está a flora, a fauna, o humano em diferentes declinações. É indiferente a localização no tempo e no espaço. Não importa se aquele escorrer de água é da laguna de Veneza ou do rio Minho, não importa se o barco é uma gôndola ou um caíque, se tem barqueiro ou não, se parte ou se chega.

Manuela Matos Monteiro

Não importa saber se os moinhos são de Óbidos ou, até, os moinhos de D. Quixote. São moinhos com velas e parece ouvirmos o vento a movê-las. Importa que existem ali, a suscitar memórias que estão para lá da memória do autor. E é desta deslocalização que vive também este trabalho, porque o conteúdo é mais importante do que o contexto espacial ou temporal, até porque o tempo que pode ser convocado é um tempo pessoal, íntimo com cronologia própria. E essa é a transcendência que nos habita.

Manuela Matos Monteiro

Quando o autor convoca Alberto Caeiro na sua referência à “espantosa realidade das coisas”, convoca-o como ponto de partida, não de chegada. A selfie que antecede a(s) série(s) é o seu autorretrato, é fractal afetada por todo um jogo pictural que transborda e atravessa as imagens. O que nos é dado não é a realidade das coisas, antes uma realidade construída, imersiva, que empaticamente nos envolve a percorrer um caminho apenas insinuado. Resta-nos aceitar o convite e, a partir daí, incluirmo-nos nos lugares mágicos que nos são propostos.
É em lugares assim, em que a errância é o modo de caminhar, que a poesia pode acontecer.

Manuela Matos Monteiro

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1 Comentário

  • Branca Pinto
    7 meses ago Publicar uma Resposta

    Deslumbrante toda esta diferente realidade vista pelos olhos do autor e que nos transporta para outros mundos!

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