Obra de Capa

Clown

O tempo, o seu poder de desgaste manifesta-se como um sonho, uma noite escura. Mas toda noite termina com o nascer do dia, e o tempo transforma-se em sutura.

Tecido, pele, proteção, barreira, máscara…

O corpo, enquanto ideia e imagem é uma constante no meu trabalho. Um corpo fragmentado e constrangido que brinca consigo mesmo e desafia o seu próprio recetáculo. Eterno recluso da busca identitária, perdida ou em devir, o corpo transforma-se ora em terreno de jogo ora em campo de batalha. Ele é o território das tensões entre desejo e repulsa, entre fascinação e indiferença. Deste alvoroço de emoções contraditórias, surge uma “imagem” repleta de referências à Mitologia, ao Lugar e à Infância.
Um caleidoscópio de histórias e sensações esboça uma identidade, um eu compósito. Entre inocência e idade adulta, entre liberdade e contenção, ditada pelos espaços enigmáticos, narrativas de múltiplas camadas e facetas vão remendando memórias e desejos, dissimulados neste palimpsesto de fios e de matérias pictóricas.

As mãos, ora afetuosas, ora traquinas, mas também manipuladoras, evocam os fios do marionetista. Fios da vida? Fios do destino que tecem um espelho indiscreto, virado para nós.

Qual ciclope dissimulado, “Clown” encarna a frágil coexistência entre violência e delicadeza. Habitante do inacessível paraíso perdido da infância, “Clown” parece ignorar-nos. O seu olhar absorto desafia, forçando-nos a tomar uma posição.
Quem somos? Passageiros distraídos ou testemunhas intrusivas duma cena iniciática?


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