Um olhar crítico sobre os 50 anos do Ensino de Português no Estrangeiro
Cinquenta anos após a criação no Luxemburgo dos primeiros cursos de língua e cultura portuguesas para os filhos dos emigrantes portugueses, ocorre-nos perguntar: Como chegamos aqui a 2022 com um EPE articulado com a Estratégia Global para a internacionalização da língua portuguesa por opção dos governos desde 2010 em matérias de políticas linguística e educativas para as crianças e jovens lusodescendentes desde o pré-escolar e ensinos básico e secundário? Temos, pois, uma imposição ideológica em que os lusodescendentes são obrigados, no processo de ensino e aprendizagem, a aprender o Português como Língua de Herança (PLH) como sinónimo de Língua Estrangeira (PLE) seguindo conteúdos programáticos, usando materiais didáticos e sendo avaliados por descritores avaliativos para o PLE como se fossem estrangeiros com uma competência nula em português.
Nestas cinco décadas podemos distinguir dois ciclos no EPE.
Um que atravessa o período de 1972 a 2010 e um outro que decorre de 2010 ao presente.
O primeiro ciclo é caraterizado na sua fase inicial pelo enunciado constitucional de 1976 que assegura aos filhos dos emigrantes o direito ao ensino da língua e o acesso à cultura portuguesa. Nesta conformidade, os políticos tiveram de refletir e tomar decisões sobre as seguintes perguntas: i) O que é uma língua e para que serve em contextos migratórios? ii) Será importante uma língua ser preservada e desenvolvida no sentido de continuar a viver? iii) O que se pode fazer para fortalecer uma língua em contexto diaspórico visando a sua vitalidade?
A resposta a estas perguntas foram sistematicamente ignoradas através de práticas políticas onde sempre prevaleceu o critério do desinteresse. Durante mais de três décadas as políticas de língua e ensino foram sempre alvo de políticas de laissez-faire e de soluções ad hoc. Importa salientar que jamais foi realizada uma qualquer avaliação sistémica ao EPE, não tendo o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) sido consultado, muito embora ter apresentado em 2007, 2009 e ( 2012) uma proposta sobre “ Um projeto autonómico para a preservação e desenvolvimento das língua e cultura portuguesa nas comunidades” com o propósito de travar a mudança linguística logo na segunda geração e conquistar os lusodescendentes para um projeto de vida identificado com Portugal.
De quando em vez surgiam algumas reações por parte de políticos responsáveis sobre o seu próprio desinteresse como, por exemplo, de José Cesário no Plenário da Assembleia da República em 2006 “ Raramente as instituições políticas em Portugal se debruçam sobre a realidade da emigração portuguesa. Na prática são cinco milhões de portugueses que são sistematicamente esquecidos pouco parecendo contar para o presente e o futuro do país (…) Aqui nos bateremos para reformar o Ensino da Língua Portuguesa no estrangeiro que acabem com as discriminações chocantes do modo como Portugal trata as diferentes comunidades”
Ao iniciar-se o segundo ciclo em 2010 quais são as respostas dos políticos à pergunta “ Para que serve a língua nas comunidades?”
António Braga(2010) afirmava “O seccionamento de objetivos em matérias de políticas de ensino na tutela do EPE no Ministério dos Negócios Estrangeiros(MNE) que o português Língua Materna (PLM) se encontra descentrado desses objetivos, defendendo mesmo que os pais adotassem a língua do país de acolhimento na comunicação com os filhos , isto é , que a socialização primária fosse feita em francês, alemão etc..
Ana Paula Laborinho, presidente do do Camões I.P. (2012) declarava que “ O ensino de português enquanto LM pode acabar em alguns países porque o objetivo é a sua integração nos sistemas de ensino no estrangeiro”
José Cesário (2012) afirmava “Estamos no ponto zero por não existirem programas, materiais didáticos adequados e formação de professores. Há quem entenda que a opção deveria ser o ensino de português como LM . NÓS entendemos que NÃO tem de ser assim” Logo a seguir é introduzida a propina no EPE.
Nos Governos seguintes de 2015 até ao presente, o Partido Socialista nas primeira e segunda legislaturas vem anunciando uma visão estratégica partilhada com as Comunidades Portuguesas e uma rutura com as políticas do passado, ao mesmo tempo que dá continuidade com José Luís Carneiro e Berta Nunes às orientações seguidas pelo Governo do PSD, sustentando as suas opções para o EPE em políticas linguística e educativas centradas num pragmatismo ideológico.
Em 2022, voltamos a insistir na pergunta ao poder político : O que é uma língua e para que serve nas comunidades portuguesas? Haverá vontade política para uma visão estratégica partilhada com o CCP e o início de um terceiro ciclo no EPE, quebrando o desinteresse pela defesa da língua portuguesa nas comunidades?
Entendemos para que se vença esse desinteresse será necessário a adoção de uma outra alternativa dentro do PLH em que a Língua seja o Português Língua Materna ou Língua Primeira e que a Herança seja consubstanciada num sentimento de identificação e de pertença dos lusodescendentes a uma comunidade e a Portugal. Sendo assim, o Governo partindo do ponto zero deverá investir em programas, materiais didáticos, formação de professores e investigação didática da língua em contexto migratório. Esta nova alternativa terá o propósito do Governo Português deixar de colaborar, como tem feito até ao presente, com os países de acolhimento na integração linguística e cultural dos lusodescendentes.
O Governo não deve, na sua ação política, confundir assimilação cultural com integração culturalmente diferenciada e recusar o multiculturalismo , o respeito pela diversidade de um mundo com mais de sete mil línguas e culturas.
Temos afirmado há longos anos o facto de Portugal nunca ter pensado a sua diáspora em termos de língua, cultura, nem de nunca ter tido uma verdadeira política de língua, cultura e identidade para os portugueses no estrangeiro e lusodescendentes. Infelizmente com os partidos políticos no poder tem proliferado a retórica de circunstância e escasseado a ação. Os responsáveis por isso têm nome e todos os governos em regime democrático acumularam em tal matéria omissões, erros e atrasos que não podem ser esquecidos, para que a História a fazer um dia saiba o que se passou.
Nelson
3 anos agoSim, há muito por fazer… e muito por fazer incluindo até falta de respeito por milhões de imigrantes que tanto dão aos dois lados ! Gente abnegada, trabalhadora, humilde, esquecida, caoaz de tudo suportar, mas que constroem um mundo e alimentam economias. Não têm ainda uma voz!…