Sobre a recusa de um apoio indigente
Consciente que se regista atualmente uma taxa de inflação inusitada para os últimos anos e que, por isso, as famílias, em Portugal, vêm diminuído o seu o poder de compra, o Governo anunciou medidas para ajudar a mitigar esta consequência.
O DL 57-C/2022, de 6 de setembro, impôs, assim, além do complemento excecional a pensionistas e da menção à redução efetiva da carga fiscal nos consumos de gasolina sem chumbo e gasóleo rodoviário em faturas e documentos equiparados, um apoio, extraordinário, a todos os titulares de rendimentos (até € 37800/ano), aqui residentes em 2021 e em 2022.
A atribuir durante o mês de outubro, este apoio, sendo de €125,00 por titular de rendimento (o dependente recebe €50), não pressupõe qualquer atuação, sendo automático e imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira na conta bancária (IBAN) que foi identificada para a receção dos reembolsos de imposto.
Tal apoio não parece assumir a natureza de donativo, falta-lhe liberalidade, difícil de reconhecer nesta atitude do legislador, e a aceitação do beneficiário, que aqui, no entanto pode ser presumida.
E não o podemos também assumir facilmente como renúncia (abdicativa), pois o Estado abdica apenas da sujeição a imposto da quantia atribuída.
O direito de propriedade implica, porém, uma relação privada de uma pessoa com determinado bem, da qual resulta concomitantemente, para todos os demais, um dever geral de abstenção, ou de não perturbação, uma obrigação universal de respeito dessa relação.
Ora, ao impor a transferência de tal apoio para a conta bancária do contribuinte, não está o legislador a violar o dever de abstenção que lhe é exigível em relação ao que é da esfera patrimonial de cada um?
E como pode o contribuinte recusar que esse apoio lhe seja atribuído, antes de o ser?
É legitimo impor o apoio ao contribuinte que não o quer receber?
Não se imporia um mecanismo e forma de recusa antes de incluir tal apoio na conta bancária de cada um, sem pedido ou prévia autorização?
E não se ultrapassa aqui o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (Regulamento UE n.º 679/2016, de 27 de abril, RGPD), quando impõe que a utilização de dados pessoais só é lícita sob consentimento prévio?
Afinal, o contribuinte forneceu o IBAN apenas para o reembolso de impostos…, e deve ter a liberdade para recusar um apoio que considere indigente.