A bitcoin e os mitos
Parte III
Quinto mito:
Para uma economia funcionar são necessários bancos centrais que controlem as políticas monetárias.
“Estes sistemas geram pressão deflacionária, seja porque os consumidores, à medida que nos aproximamos do limite superior preferem aforrar a consumir, seja porque a quantidade de moeda não acompanha o crescimento da economia e da população. Invariavelmente, os sistemas de oferta fixa colapsam, porque não ofereceram à Sociedade a flexibilidade necessária para responder a crises que necessitam de uma resposta monetária.”
Afonso Eça, “A Put do Musk”
Em primeiro lugar, é importante sublinhar que o Afonso não cometeu o erro que muitos economistas cometem de confundir deflação, com desinflação. Por isso, felicito-o.
Essencialmente, a bitcoin tem uma inflação decrescente. A este sistema apelida-se de desinflação. Assim, a bitcoin promove um sistema económico desinflacionário, ou trocando por outras palavras, um sistema de preços deflacionário. Isto significa que à medida que o tempo passa, o dinheiro que ganham vale mais.
Penso que é neste ponto que o Afonso, tal como tantos outros economistas keynesianos, se espalha ao comprido. Estes eruditos apregoam que as economias não funcionam com sistemas de preços deflacionários, porque a quantidade de moeda “não acompanha o crescimento da economia e da população”, e porque os consumidores “preferem aforrar, a consumir”. Apesar de parecer correcta, esta análise contém uma enorme falácia.
Essencialmente, conseguimos encontrar períodos na história, neste caso dos EUA pré-revolução, em que foi precisamente a não existência de bancos centrais e o facto dos preços dos bens diminuírem que permitiu a economia experienciar um aumento significativo do consumo e da produção. Mais, os salários também aumentaram durante o mesmo período. Fascinante…
Pergunto-vos agora: se o vosso salário ficasse mais valioso todos os anos, vocês aumentariam o consumo, ou as poupanças? Não posso responder, mas sei muito bem o que faria.
Por outro lado, o argumento de que a inflação é “um mal necessário” para a economia funcionar na sua plenitude é outra profunda mentira. A inflação é um mecanismo de redistribuição de riqueza que promove um aumento das disparidades entre aqueles que detêm bens (como é o caso do Afonso, do Francisco e do Vítor) e aqueles que não os têm. Este efeito foi descrito pelo economista Francês Richard Cantillon, que muito cedo percebeu que aqueles que podem imprimir dinheiro não o redistribuem de igual forma pela população.
Com o aumento da inflação (subida generalizada dos preços), quem beneficia mais deste sistema são aqueles que têm casas, ações, obrigações, e outros ativos imobiliários. Acham que grande parte da população se encaixa nesta descrição?
Caso a vossa resposta à pergunta anterior seja negativa, quero questionar-vos se não serão pessoas como este referido trio, economistas nascidos em berço de oiro, os responsáveis pelo aumento do “gap” entre os ricos e os pobres. Eu creio que sim. Mas deixo a dúvida no ar.
Sexto mito:
A bitcoin não tem qualquer valor real, são apenas dígitos num computador.
“Bitcoin is just a series of zeros and ones in a network of computers. It has no fundamental use-value because it will never be a currency. At least gold, that “barbarous relic” (Keynes), has some industrial and jewelry uses that would never justify its historical prices”.
Vítor Constâncio, Twitter
Não quero perder muito tempo a debater um ponto que já referi anteriormente, mas ainda assim… A bitcoin é um conjunto de zeros e uns, tal como o Vítor Constâncio indica. A grande diferença entre os “zeros e uns” da bitcoin é que esta é a primeira rede computacional que não permite copiar/colar informação. Isto é, cada bitcoin tem um custo elevadíssimo de criação. Esse custo é representado por toda a energia computacional gasta para criar uma nova bitcoin.
Não é também possível alguém usar as mesmas moedas para duas transações em simultâneo, nem é fácil alguma entidade retirar facilmente as moedas que estão na posse de um indivíduo. Agora começam a perceber porque os burocratas têm tanto medo da bitcoin.
Mais, ao contrário do Banco Central Europeu que apenas tem de decretar a criação de novos euros, o que no fundo é precisamente a base por onde a moeda fiduciária se governa visto que significa “moeda por decreto”, na rede da bitcoin não existe uma funcionalidade para imprimir novas bitcoin porque nos apetece.
Esta mecânica de funcionamento retira o poder aos bancos centrais de desvalorizar a moeda a seu belo prazer, e confere o direito a qualquer pessoa de participar na criação de novas bitcoin, e no processo de validação de transações.
Desta forma, torna-se simples de perceber o porquê do valor da bitcoin continuar a crescer: desde que a procura se mantenha igual, o facto de existir uma quantidade limitada de moedas cuja produção e emissão não podem ser alteradas, permite que o valor de cada unidade tenha a tendência a aumentar no longo prazo (lei da oferta e da procura). Para mais, a bitcoin parece comportar-se como um “bem de Veblen”, cuja procura aumenta quando o preço aumenta.
No futuro acredito que a bitcoin poderá garantir uma estabilidade de preços no sentido em que quando for utilizada como moeda de reserva, será muito mais fácil medir preços em termos de bitcoin, porque a quantidade em circulação será sempre conhecida. Desta forma, não existe o perigo eminente de desvalorização do poder de compra dos consumidores, nem de um banco central guiar a moeda até à hiperinflação.
Espero que este artigo ajude a compreender melhor algumas das falácias que são ditas em torno da bitcoin. Da próxima vez que lhe tentarem vender gato por lebre, lembre-se dos incentivos de quem promove artigos contra uma moeda que é descentralizada, cuja rede onde opera é aberta, e onde ninguém o pode impedir de transacionar valor.
A bitcoin é, sem dúvida, a moeda de eleição do mundo digital. O meu único conselho é que faça ouvidos moucos a quem tem mais a perder com o seu sucesso do que a ganhar. Por exemplo, todos estes senhores que referi em cima.
Gostaria de concluir deixando bem claro que a bitcoin é muito mais do que uma moeda, do que um sistema de pagamentos, ou do que uma forma inovadora de acumular riqueza. A bitcoin é a tecnologia que finalmente separa a moeda do Estado. Não se deixem enganar.
O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico
Pedro Febrero é fundador da Bityond, a primeira empresa a fazer uma Initial Coin Offering dentro das fronteiras nacionais