A Expo em cinco palavras

Não, não chegam cinco palavras para descrever essa Expo que nos encantou num certo Verão do século passado. Mas foram estas as palavras que me surgiram, quando me sentei para escrever este artigo.

  1. «Ecspo»
    O nome é demasiado artificial, um mero pedaço de palavra sem grande sabor — pedaço de palavra que nós, há 20 anos, nem sequer sabíamos como pronunciar. Havia o clube da «Ecspo» e o clube da «Eispo» — entretanto, este último acabou por ganhar.
    Apareceu então o nome «Parque das Nações» — mas o nome «Expo» recusou-se a morrer, qual Terreiro do Paço dos tempos modernos (Terreiro que já é Praça do Comércio há séculos sem que tal se note na língua real dos lisboetas). Hoje, enfim, a língua lá foi arrumando como pôde as palavras e a Expo será o espaço da exposição, enquanto o Parque das Nações será toda a área que vai do Trancão até à rotunda onde termina, a sul, a «Zona de Intervenção da Expo». E que delícia encontrar ainda, em certas placas perdidas por aquelas zonas, o símbolo da Expo ainda impresso em placas que por ali sobrevivem há duas décadas…
    Com o tempo, a memória faz milagres: o nome da Expo continua a não ser uma delícia, mas a sua evocação lembra-nos bebés a nadar no mar, a música do genérico da exposição, o logótipo azul ondulado — e lembra-nos as nossas vidas de há 26 anos… Olhamos para aquelas imagens e pensamos como éramos ingénuos — e que estranhas roupas vestíamos!
    Ingénuos não éramos, mas a roupa, sim, era um horror — mas não julgue o leitor que hoje estamos muito melhor. Pergunte a si próprio, daqui a 20 anos, o que acha da roupa de 2024 e verá a resposta…
  2. Pala
    A cerimónia de abertura foi um espectáculo debaixo da pala que não deixou grandes memórias — se bem se lembram (eu não me lembrava), foi apresentada por Carlos Cruz e Júlia Pinheiro. Houve pianos, cantorias, os inevitáveis Madredeus. Houve um problema qualquer no som. O mundo pulou e avançou. No dia a seguir, a exposição abriu ao público – e não aconteceu nada. Ou melhor: a Expo estava feita dentro do prazo, não houve atrasos que se vissem, tudo correra bem e o público lá começou a aparecer, devagarinho (no início, foi mesmo muito devagarinho) para ver como era aquela amostra de mundo reconstruído em pavilhões à beira do Tejo.
    Mas voltemos ao espectáculo de abertura: lembro-me de reparar que, debaixo da pala, estavam os governos de Portugal e Espanha, o Rei desta última, o Presidente aqui do burgo e mais uns quantos dignatários dos dois Estados ibéricos. Pensei: se aquela pala cai, nem com uma invasão espanhola nos governamos (as coisas que uma cabeça de 18 anos pensa…).
    A pala não caiu e ainda por lá está, com mais ou menos tendas eurovisivas. Já começa a ter o seu ar sério de monumento doutros séculos — o que não deixa de ser verdade. Só tenho pena de não poder voltar a entrar no Pavilhão de Portugal e sentir aquela excitação de quem visita a Expo pela primeira vez e, depois de duas horas numa bicha, vê um filme como este:
  3. Pavilhão
    O nosso grande Pavilhão, aquele grande bicho-de-conta à beira-Tejo, tem um problema — muda de nome demasiadas vezes. Já lhes perdi a conta. Não importa: continuará a ser o Pavilhão Atlântico durante muitos e bons anos, mesmo quando já for na sua 20.ª encarnação como [se quiser o nome da sua empresa [se quiser o nome da sua empresa neste espaço, contacte-nos] Arena.
    Não interessará muito, mas a memória é uma caixa cheia de quinquilharia… Lembro-me que estava dentro desse pavilhão, quando ainda se chamava «da Utopia», enquanto decorria a Final do Mundial de 1998 (o último mundial em que não participámos). Os meus vizinhos de fila telefonavam baixinho a amigos (já havia telemóveis, mas sem acesso à internet) para saber o resultado do jogo. O Brasil foi despedaçado pela França, com o Ronaldo lá deles a comportar-se de forma atípica.
    Curiosamente, soubemos esta semana que, segundo Platini, houve por ali umas tramóias para assegurar que o Brasil e a França só se encontrariam na final — talvez um dia o mesmo Platini conte o que aconteceu ao pobre Ronaldo.
  4. Teleférico

    O teleférico de Lisboa tem o seu quê de perverso. Pois o que dizer dum meio de transporte próprio de grandes alturas, que lembra as montanhas das suíças deste mundo — e que, nesta cidade às ondas, sempre a descer e a subir, famosa pelas suas mais do que sete colinas, foi plantado precisamente no ponto onde a cidade é tão plana que chateia? Um teleférico que parece não levar a lado algum, ali às voltas para mostrar o Tejo a quem gosta de ficar pendurado. E, no entanto, essa imagem das cabines penduradas para lá da pala, com a Ponte Vasco da Gama ao fundo, com o sol a bater no rio, tornou-se parte da Lisboa que todos temos na cabeça. Confesso: também eu já andei ali às voltas, a ver o sol a brilhar nas bandeiras do Rossio dos Olivais, e não dei por mal empregue o meu tempo.
  5. Vulcões

    Lisboa talvez seja a única cidade onde a palavra «vulcão» traz à memória água e muitas cores. Aqueles pequenos cones aquáticos são uma das delícias da cidade — e por ali já houve, em 26 anos, arrufos e pazes de namorados, gente a passear sozinha, leituras ao fim da tarde, beijos e paixões despudoradas, pais que descobrem o primeiro riso dos filhos, assaltos e más notícias, turmas de miúdos saídas do Oceanário, casais antigos a descansar à sombra…

Em 26 anos, já vivemos tanto nestas ruas inventadas!

O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico

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