A territorialidade dos vinhos
O sector dos vinhos utiliza um conjunto de expressões herméticas, algumas vezes exclusivas, outras partilhadas com áreas históricas, de mercado ou de investigação diversas. Entre elas, uma daquelas com a qual os enófilos primeiro lidam é a de “Velho e Novo Mundo”.
Todos sabemos o que é o “Velho Mundo” e o “Novo Mundo”.
A primeira expressão corresponde ao mundo conhecido até aos Séc. XV – basicamente, a Eurásia e África – que correspondem às civilizações mais antigas: onde surgiu o homo sapiens e onde se desenvolveu uma cultura ocidental que influenciou o estilo de vida de outras culturas.
O Novo Mundo integra o continente americano e a Oceania (também apelidada de Novíssimo Mundo). A expressão foi criada talvez pela primeira vez por um espanhol, Pedro Mártir de Anglería, em 1492, numa carta em que se referia à viagem de Cristóvão Colombo. A expressão reflecte uma visão eurocêntrica, claro. Mas é útil para explicar civilizações, culturas e estilos de vida.
Os profissionais do vinho recorrem sistematicamente à expressão, muitas vezes confundindo-a, como se esta pudesse distinguir apenas os países produtores mais tradicionais e com mais História dos países produtores mais recentes. A África do Sul, por exemplo, é descrita inúmeras vezes como um país de Novo Mundo; e talvez faça sentido. A África conhecida até ao séc. XV era sobretudo o Norte de África, pese embora as investidas preliminares que se fizeram antes dos Descobrimentos. Mas a China pertence historicamente ao Velho Mundo e tem vindo a ser citada como um país produtor do Novo Mundo. A confusão compreende-se. Pese embora o facto de a China ser actualmente o maior produtor mundial de vinho, é um produtor recente, sem tradição no sector dos vinhos.
Mas o que significa na prática beber um vinho do Velho Mundo? Os vinhos produzidos nestes países são vinhos produzidos em climas mais frios ou temperados e marcados pela elegância.
São vinhos com uma palete aromática mais rica: mais diversificada, mas menos intensa. São vinhos pensados para dar mais prazer na boca, habitualmente consumidos à refeição. E são vinhos categorizados por uma (às vezes intrincada) hierarquia de sub-regiões e denominações de origem controlada que têm legislação própria muito exigente. O controlo legal sobre estas regiões produtoras é, aliás, um ponto de honra para a maioria dos vinhos do Velho Mundo – assegurando assim que a tradição nos métodos, utilização de castas e processos de vinificação e envelhecimento se mantém.
No Novo Mundo a legislação é menos exigente ou até praticamente inexistente. Os vinhos são produzidos de acordo com as leis de mercado e a qualidade é procurada tendo em conta a necessidade de responder ao perfil dos consumidores. São vinhos influenciados por climas mais quentes, mas que utilizam muitas vezes as castas tradicionais (e importadas) do Velho Mundo. São tradicionalmente vinhos com mais aroma, às vezes mais trabalhados enologicamente. E são, na maioria dos casos, vinhos que utilizam um perfil de envelhecimento em madeira mais marcada.
Aqui, como noutros sectores, não podemos dizer que uns têm mais qualidade do que os outros. Uns têm mais tradição, métodos antigos e uma influência forte do perfil das castas, dos solos e do clima. Outros são casos novos que vale bem a pena conhecer, muito marcados sobretudo por climas quentes. A diversidade faz-nos ganhar sempre. O poder de escolha é uma conquista sempre interessante. É preciso apenas experimentar para ficar a conhecer. Como em todas as áreas, as experiências fazem-nos valorizar a vida e fazem de todos pessoas mais ricas e mais realizadas.