Ana Lopes

Ana Lopes nasceu em Coimbra, cresceu em São Miguel e iniciou o seu percurso artístico em Lisboa, pisando muitos dos mais conceituados palcos nacionais enquanto estudava Direito. Concluiu o Conservatório de Representação para Cinema em Los Angeles, onde se estreou no grande e no pequeno ecrã. Desde então, deu vida a inúmeras personagens entre Hollywood, Londres e continente e ilhas portuguesas. Embora conte com participações em novelas e séries, o seu percurso tem sido mais marcado pelo Cinema Independente, tendo protagonizado dramas premiados internacionalmente, como “Uma Cidade Entre Nós”, “Artur” e “Separar”. Em 2023, recebeu os prémios de Melhor Atriz em Romance (pelos International Film Awards Actress Universe) e Melhor Atriz em Longa Metragem (no Darbhanga International Film Festival), ambos pelo seu desempenho na mais recente obra de Luís Diogo, “Já Nada Sei”.

Como nasceu a paixão pela representação?

Nasceu na infância, a brincar com os meus amigos. Tanto era feliz a inventar histórias enquanto as encenava e habitava, como a imitar o que via na televisão. Decorava as falas dos filmes da Disney e de desenhos animados que gravava e, quando chegava da escola, pedia à minha mãe para me filmar a recriá-los. Desde que os meus pais compraram a nossa primeira máquina de filmar, tinha eu seis anos, nunca mais fui a lado nenhum sem uma.
Aos sete, participei na minha primeira peça de Teatro na escola e percebi o quanto o público acrescenta à narrativa e à experiência de representar, pelo que passei a encarar as brincadeiras mais como ensaios de espetáculos que iríamos apresentar publicamente – o que normalmente acontecia.
Já no liceu e no ensino secundário, sempre que tinha a turma garantida como audiência, aproveitava para realizar e atuar num trabalho em vídeo.

Qual é a ligação do Direito e da representação? A licenciatura em Direito foi apenas um plano B para o futuro?

Percebi muito cedo qual era a minha paixão e via na televisão e no cinema que era possível fazer disso profissão, mas cresci sem conhecer ninguém que vivesse da arte. A família apontava as dificuldades dessa escolha, os colegas riam, os amigos calavam. E eu tinha este deslumbramento, mas não tinha incentivos nem conhecimento de causa, pelo que me dei a oportunidade de explorar outras possibilidades. Decidi tirar um curso superior em Lisboa, mas não sem antes acordar com os meus pais que, se depois da licenciatura continuasse convicta de que queria ser atriz, eles iriam apoiar-me a tentar singrar na área. Mais do que ter um plano B, queria ter clareza e a consciência livre para seguir os meus objetivos com foco total. Os anos a estudar Direito acabaram por ser isso mesmo: a confirmação da minha vocação e a transição pessoal entre a ilha e a América.

Recebeu o diploma de Direito e em vez de começar a tratar do seu estágio, decidiu ir para Hollywood, onde completou o Programa de Conservatório de um ano de Representação para Cinema (com distinção). Como foi essa tomada de decisão e qual foi a sensação de chegar a Hollywood?

O estágio nunca esteve nos planos e a intenção de ir para Hollywood existia desde a adolescência. Durante a Faculdade, comecei a ir a castings, fiz várias formações de Teatro, atuei em palcos por todo o país e tive as minhas primeiras experiências em Cinema. No terceiro ano do curso, visitei Los Angeles pela primeira vez e apaixonei-me. Mais do que nunca, era claro que eu teria de seguir um percurso artístico e isso só me motivou a terminar o curso o mais rápido possível. Surpreendeu-me o complicado processo burocrático para viver nos Estados Unidos, questões práticas quanto à minha estadia lá e, acima de tudo, o quão difícil era estar tanto tempo tão longe da família. Mas absorver todo o conhecimento possível sobre Representação, vestir a pele de inúmeras personagens, ser desafiada todos os dias e mergulhar no calor de uma cidade que respira Cinema, fez com que o primeiro ano que vivi lá, tenha sido o período mais mágico de sempre.

Qual foi a sensação de filmar nos cenários dos estúdios da Universal?

Quando fui a Los Angeles pela primeira vez, falaram-me de uma escola de Representação em que os alunos filmavam nos estúdios da Universal. Este foi, sem dúvida, um dos pontos a favor da New York Film Academy, onde acabei por ingressar. Logo na primeira semana, fomos para os estúdios filmar com os alunos de Realização, o que voltou a acontecer várias vezes ao longo do ano letivo. Foi inacreditável estar naqueles cenários épicos, como a Torre do Relógio do “Back to the Future”, ou as ruas de Nova Iorque (onde também filmei já depois de me formar). Fiz curtas-metragens dos mais variados géneros lá, desde Western a Film Noir.

No IMDB aparecem mais de 100 créditos como atriz. Como é que conseguiu entre uma licenciatura e várias formações em representação, ter tempo para tantos projetos sendo ainda tão nova?

Desde que fui para Los Angeles, a Representação tornou-se uma das minhas prioridades e confesso que iniciei o meu percurso profissional sendo pouco seletiva em relação aos projetos que aceitava fazer. Tinha muita sede de aprender, experimentar e de me exprimir. No ano que se seguiu ao Conservatório, trabalhei em Hollywood através de recomendações de professores, castings que conseguia pela minha manager, ou candidaturas que eu própria fazia. Em Portugal, contactei todos os realizadores do país listados no Cineguia e alguns convidaram-me para filmes e castings, um até escreveu uma longa-metragem para mim. Também criei e produzi projetos, em alturas que senti que havia menos oportunidades. Comecei a ficar mais exigente comigo mesma e com as minhas escolhas à medida que o processo, desde a pesquisa à execução, quer no âmbito artístico, quer no de gestão de carreira, se foi desmitificando. Os dias de filmagem, em si, são, normalmente, esporádicos, pelo que é uma questão de combiná-los com a autodisciplina do trabalho individual e com tudo o mais com que queremos preencher a nossa vida.

Participou na série “Rabo de Peixe” não só como atriz mas também como assistente de Casting. Como foi essa experiência?

Acima de tudo, sinto muito orgulho por ter dado a minha contribuição para este sucesso sem precedentes no Audiovisual português. Desde que vi o nome da vila da minha família paterna na lista de vencedores do concurso ICA-Netflix (ao qual também me tinha candidatado com um projeto meu, do Pedro Almeida Maia e do Hugo França), soube que queria estar envolvida. Apresentei ao Augusto Fraga a minha ideia inicial do que se viria a tornar a Islanders Productions e ele referiu-me ao Diretor de Casting para que lhe sugerisse talento açoriano. Foi muito gratificante ajudar atores a realizar o sonho de participar numa produção deste nível. Como atriz, embora adorasse ter tido uma colaboração mais marcante, foi incrível ser dirigida pela Patrícia Sequeira e pelo João Marques, bem como uma honra fazer parte deste elenco de luxo.

Qual foi o filme que mais gostou de representar até hoje?

Respondo sempre de forma diferente a esta questão, porque foram vários os papéis e processos que deixaram as suas marcas. Um dos filmes que mais gostei de fazer foi “Cavaleiro Vento”, de Margarida Gil. A obra tem um tom onírico e a “Lívia” foi uma personagem que me ensinou imenso. Se já interpretei muitas mulheres em relações familiares condenadas e se me liguei a ela em específico, pela sua devoção à profissão e vida entre os Açores e Estados Unidos, a verdade é que também tive de mergulhar nos mares nunca por mim explorados da ciência dos cetáceos e da mitologia mesoamericana. Entre arquivos da RTP e visitas à Videoteca em Lisboa, certifiquei-me ainda que assistia a todos os trabalhos disponíveis da Margarida Gil, de modo a impregnar em mim a sua linguagem. Este tipo de pesquisa é sempre muito aliciante, tal como o foi sentir a elevada fasquia de trabalhar com grandes vultos do Cinema português, como a própria realizadora, Acácio de Almeida e Francisco Veloso. Filmar no Pico e colaborar com colegas açorianos que admiro tanto, como a Helena Ávila, o Filipe Tavares e o André Almeida e Sousa, foram fatores que ajudaram a fazer desta, uma experiência de sonho. Por fim, a exibição do filme na Cinemateca e, em 2023, nas salas de cinema, foram dois dos momentos mais bonitos do meu percurso.

Que conselho daria aos jovens que sonham com uma carreira na representação?

Primeiro, sentir na pele o que é ser-se Ator, começando pela formação e participação em projetos estudantis ou experimentais, em que não só há espaço para aprender e arriscar, mas também errar e perceber se a vontade de se tornarem atores é forte ao ponto de aceitarem um estilo de vida imprevisível e instável. Ser artista não implica apenas o processo criativo, mas também a promoção própria e iniciativa para procurar colaboradores, principalmente se não tiverem uma equipa dedicada e influente que os apoie e guie. É também importante conhecerem-se bem, de forma a encontrar os melhores métodos para se fundirem com as personagens, saber que histórias aspiram contar e respeitar os seus valores sempre que expostos às artimanhas da indústria do Entretenimento.

É uma das artistas colaboradores da Miratecarts. Como é que esta entidade tem contribuído para a evolução da sua vida no setor artístico?

Começo pela divulgação que a Miratecarts faz dos artistas açorianos, que impele a que nos encontremos uns aos outros. Da mesma forma que quem procura colaboradores na área do Cinema pode chegar até mim através da plataforma, eu própria já a usei para procurar talento para projetos em que estive envolvida.
Depois, realço o Azores Fringe Festival, que acolheu a antestreia do filme que mencionei anteriormente, “Cavaleiro Vento”, evento em que tive o privilégio de estar presente.
Entre todas as iniciativas diversas de louvar, entusiasma-me em especial o Encontro Audiovisual Açoriano e o Prémio Curta Açores, que integrará o Montanha Pico Festival, na medida em que acredito que vão estimular a produção audiovisual no arquipélago.

Uma mensagem para todos os artistas do mundo.

Muitas pessoas acham que o meu lema é “não desistir”, talvez por ainda não ter chegado onde quero. Mas já tentei. Na verdade, sou apologista da dica da Fernanda Montenegro (que podem encontrar no Youtube): “Desistam. […] Agora, se morrer porque não está fazendo isso, se adoecer, se ficar em tal desassossego que não tem nem como dormir, aí, volte.” Aos artistas que se empenham há muitos anos e ainda não se sentem realizados, confesso que acredito que, se já fomos capazes de superar situações-limite e não nos reconhecemos sem a nossa arte, regressaremos sempre à mesma certeza. Não há que ter medo de dar azo às nossas dúvidas, porque depois de desistir – e não o conseguir – as opiniões dos outros sobre a nossa escolha perdem a força, passamos a confiar na nossa capacidade de lidar com contratempos e novas realidades, e torna-se impensável não partilhar a nossa aptidão com o mundo.


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