Conceição Zagalo

Empreendedora Social

Fotografia ©Tiago Araújo

Figura emblemática no cenário do empreendedorismo feminino e uma voz sonante na defesa das causas sociais, surge no mês do Dia Internacional da Mulher como um farol de inspiração e liderança. Com uma trajetória marcada por concretizações notáveis ​​e um compromisso inabalável com o progresso e a igualdade, Conceição Zagalo destaca-se como um exemplo extraordinário de determinação e sucesso. Em entrevista exclusiva, Conceição Zagalo partilha a sua perspetiva sobre o potencial transformador das mulheres no mundo empresarial e no panorama social e oferece uma visão inspiradora para todos aqueles que procuram a igualdade de género e o progresso coletivo.

Fotografia ©Tiago Araújo

Desenvolveu o seu percurso profissional na IBM em Portugal onde, ao longo de quase quatro décadas e com algumas experiências noutros países e noutros continentes, conciliou vida profissional, pessoal e familiar assumindo vários cargos de gestão, designadamente a direção da Divisão de Marketing, Comunicações e Cidadania e ainda a função de Membro do Conselho Diretivo da empresa. Entre outros cargos, é Membro Honorário da AIESEC Portugal, Presidente do Conselho Consultivo e de Ética da APCE, Presidente do Conselho de Administração e do Conselho Executivo da Fundação Liga, Presidente da AG da Sociedade Velha Filarmónica Riachense, Membro da Professional Women Network e Presidente da Assembleia Geral da Associação CAIS. Em representação da IBM é ainda membro fundador do GRACE – Empresas Responsáveis, a cujo Conselho Consultivo preside atualmente. Desengane-se quem pensa que o seu extenso currículo para por aqui. Muito mais havia para dizer. Mas, deixando as posições e ofícios de lado, quem é Conceição Zagalo?

Quem sou eu… difícil de responder em forma de autorretrato partilhado. Mas um desafio tão grande quanto a nossa conversa que, pela amostra, promete. Nascida em Riachos, sou uma ribatejana de gema satisfeita por poder sentir que tenho 71 anos e uma vida pela frente. Foi na terra que vivi toda a minha infância e juventude. Tendo rumado a Lisboa aos 17, para a faculdade, estava certíssima de que terminada essa tarefa regressaria à base. E sim, regresso, em fins de semana, tantos quantos posso, para me reconciliar com as minhas raízes e comigo, com os meus pássaros, as minhas flores, as laranjeiras em flor ou carregadas de frutos que me dão as vitaminas de que preciso para recuperar a energia que vou emprestando à vida. Mas foi em Lisboa, que surgiu a grande hipótese de ingressar pelo mercado de trabalho e é da grande cidade que parto e regresso para as grandes expedições da minha vida. Marido, duas filhas, quatro netos, constituem um porto de abrigo que me confere a estabilidade de que preciso para prosseguir na aventura do meu caminho. Ao longo de sete décadas aprendi que a minha vida depende de mim, que querer é poder, que a sorte não cai do céu aos trambolhões. E, nesta vida muito cheia, tenho aprendido que, quando for grande, quero ser capaz de tirar pedras do caminho de tantos outros, poder ensinar pessoas de idade a sorrirem, poder dizer às crianças que a guerra já acabou, poder anunciar publicamente o fim da fome. Já crescida, sim, quero ser feliz por me ter feito a mim e aos outros felizes. Isto sou eu, a Conceição Zagalo.

É apontada como umas das maiores referências dos setores corporativos e institucionais em Portugal. O que a inspirou e motivou a enveredar pelo desafiante mundo empresarial?

Antes mesmo de responder à sua questão, deixe-me que agradeça a oportunidade desta conversa. Porque é sempre uma forma de poder partilhar experiências de uma vida que tanto me satisfaz, mas, não menos relevante, porque uma Revista com o título Descendências encerra um desafio que nos remete para o passado que tanto valorizo e que estará, de resto, relacionado com a pergunta que me faz. Vamos então a isto. Na vida tudo tem um começo. Desde logo a forma como nascemos, o enquadramento familiar, o local onde crescemos, o círculo de amizades, a forma como evoluímos. Faço parte de uma família muito grande. Do alto dos seus 97 anos, a minha mãe é a última viva de 15 irmãos, no caso do meu pai eram 8, atualmente quando nos reunimos, as 4 gerações de família mais próxima, somos para lá de 50. Isto para dizer o quê? que há empresas bem mais pequenas. E se calhar, até, de gestão menos rebuscada. Não sou das pessoas que sempre pensou vir a ser isto ou aquilo. Talvez mais de agarrar as oportunidades que no momento me pareciam mais atrativas. A minha primeira escolha nem foi integrar uma empresa, foi mesmo ser hospedeira. Mas, quando surge alguém em quem confiamos a mostrar-nos que existe uma hipótese invejável numa empresa invejável, aí não há como hesitar. E, olhe, não é que ao longo de 40 anos, com vários empregos dentro da mesma empresa, a IBM, e com experiências em Portugal e para lá de fronteiras, continuo convencida que não podia ter sido mais acertada a minha decisão? Ui, tanto que eu fiz. E, ainda por cima, a poder levar a exercício os valores e princípios humanos e morais que bebi em família e que desde sempre aprendi do meu pai. Gostei da minha primeira experiência na empresa, deixei-me apaixonar por ela, nela constituí família, nela cresci enquanto pessoa e enquanto profissional. Nela aprendi, evoluí, criei, inovei, geri, dei e recebi. E, por tudo isto, nela tive, tenho e terei as melhores referências. E a isto eu chamo, inabalavelmente, inspiração.

Olhando para o seu extenso currículo, facilmente percebemos que ao longo dos anos desempenhou papéis de grande relevância em diversos setores. De que forma essa diversidade de experiências em diferentes setores e contextos se revelou fundamental para o seu crescimento profissional?

O ser humano é tão mais completo quanto maior for a multiplicidade de experiências a que vai tendo acesso ao longo da vida. E algumas delas, sabemo-lo, são mais a nossa pele do que outras. Tive a sorte de poder pôr a mão na massa em áreas tão diferentes quanto carreiras administrativas, de marketing, de vendas, de comunicação, de cidadania, gestão de projeto, de media relations, organização de eventos, publicidade… Mas, sem dúvida que a área que mais tarimba me conferiu, foi a de desenvolvimento de uma rotina aplicacional para gestão e controle de contratos de manutenção, vendidos como serviços à medida de cada cliente. Eu não pescava nada do tema. Mas recusar o desafio era uma não hipótese. Estudei à exaustão, sonhei com números, tive pesadelos com códigos de programação, e tive a sorte de ter um colega analista com quem fiz um excelente trabalho de equipa e que muito pacientemente me provou por a mais b que aquela brincadeira até podia ser interessante. E não é que foi? Com a rotina já desenvolvida e em produção, eu pude vender a clientes que viram na solução uma enorme vantagem. O que eu cresci nessa altura. E, sobretudo, aprendi na pele que o que não nos mata nos torna bem mais fortes, e que o trabalho em equipa é uma virtude em todas as circunstâncias na vida. Daí até cargos de maior responsabilidade que culminaram no topo da hierarquia foi um salto mais ou menos natural.

Na sua opinião, quais são atualmente os principais valores ou princípios essenciais para o sucesso no mundo dos negócios?

Tudo o que eu diga serão certamente buzzwords. Visão, estratégia, capacidade de concretização, resiliência, tolerância, persistência e perseverança, capacidade de gestão de equipas, confiança, liderança. E eu sei lá, muito mais do que os conceitos que estão mais ou menos na moda consoante os tempos, as circunstâncias ou os influenciadores. Mas, sabe? O que eu acho que pesa mesmo no sucesso dos negócios, o que tem real impacto na economia, no ambiente e nos modelos de governance, é mesmo a ambição. E até a vaidade no sucesso dos resultados alcançados. Mas, é claro, que a tudo isto há que juntar trabalho, e quantificá-lo em muito, mesmo muito trabalho, individualmente e em equipa. Isto de achar que chegamos lá sozinhos já foi chão que deu uvas.

De que forma esses valores estiveram presentes no seu percurso profissional e se revelaram fundamentais nas suas tomadas de decisão enquanto profissional?

Como já referi, eu tive a sorte de ter uns pais que desde sempre nos incutiram hábitos de trabalho. Os tempos de aulas eram para estudar afincadamente e termos boas avaliações em linha com o conhecimento adquirido, as férias eram para descansar uns tempos, ir à praia outros tempos e, claro, trabalhar. Todos nós, cinco irmãos, rapazes e raparigas, aprendemos a fazer de tudo lá em casa. E, assim, quando chegámos ao mercado de trabalho, o modo multitasking confirmou a virtude dos hábitos que trazíamos desde tenra idade. Se me pergunta se tínhamos necessidade absoluta de o fazer, eu respondo-lhe que não. Mas lá que os meus pais bem sabiam que os bons hábitos se ensinavam na mais tenra idade, disso não tenho qualquer dúvida. E essas foram, talvez, das melhores ferramentas que me foram conferidas. Pensar pela minha cabeça, adaptar-me ao meio e às circunstâncias, trabalhar com disciplina, rigor e flexibilidade, fazer diariamente um exercício de autossuperação com atitude e confiança, respeitando-me a mim e aos outros foram, sem dúvida, e ainda são, fatores preponderantes em cada decisão tomada nas mais diversas vertentes da minha vida.

Fotografia ©Tiago Araújo
Fotografia ©Tiago Araújo

Foi a primeira mulher na administração da IBM, sendo uma inspiração para muitas mulheres dentro do panorama corporativo português. Olhando para trás, como foi enfrentar o desafio de se tornar a primeira mulher a ingressar na administração da IBM?

Pois… eu podia ser politicamente correta e dizer-lhe que para mim teria sido indiferente ser homem ou mulher. Mas não, não seria coerente com as minhas próprias convicções se o afirmasse. Há decisões na vida que têm de ser tomadas com doses férreas de ponderação e, sobretudo, com muita determinação. Uma vez tomada a decisão, pôr prego a fundo e ir em frente, obviamente dentro dos limites e atentos aos demais, mas sempre com a consciência de que não podemos espalhar-nos. Nem em relação ao nosso desempenho nem à forma como somos percecionados pelos que nos rodeiam. Muito importante neste exercício é mesmo termos consciência do que não queremos que nos aconteça. Ser figura decorativa, não ter voto na matéria, ser secundarizado ou até passível de confusão de posicionamentos são condições inaceitáveis num processo de direitos e de deveres, de dignidade pessoal e profissional. Costumo dizer, e que me seja perdoada esta minha transparência, que num mundo em que, evocando Fernando Pessoa, “primeiro se estranha e depois se entranha”, importa adquirir estatutos. Para as mulheres em cargos de topo, sobretudo na minha geração, era… e eu acho que ainda é, muito importante a pessoas terem estatuto de senioridade e de “senhoridade”. E, se a isto juntarmos profissionalismo, qualidades de trabalho, alegria, segurança e firmeza, não há razões para nos sentirmos diminuídas… mesmo quando uma ou outra injustiça se perfila pela frente.

Já se passaram alguns anos desde esse feito. No entanto, e apesar dos avanços nas últimas décadas, as mulheres ainda enfrentam diversas barreiras e desafios no mercado de trabalho e, sobretudo, no que há liderança diz respeito. Na sua opinião qual é o maior desafio enfrentado pelas mulheres líderes e empreendedoras hoje em dia?

Sabe, eu acho que a maior questão nem reside no tema da liderança. Há tantas mulheres que são líderes natas nas suas diversas responsabilidades estejam em que posição estiverem. A questão reside mesmo na chegada ao topo das organizações. E, se quer que lhe diga, acho até que já estivemos melhor do que estamos agora. Assisto de novo em muitos eventos e a conferências com palcos recheados de filões cinzentos. Só homens. Uma tristeza. Já para não falar no gap salarial. Uma afronta. Não tenho conhecimento dos dados mais recentes sobre esta diferença. Mas, e retenho-o até pela coincidência de datas, não foi há muito tempo que para que homens e mulheres tivessem salários equitativos, eles só precisariam de começar a trabalhar no dia 8 de março. O Dia da Mulher. Mas isto é razoável em pleno século XXI num mundo que se pretende civilizado? Trabalho igual salário igual. É uma questão de justiça. E, claro está, desempenho superior salário mais elevado, seja para eles ou para elas. E essa tem de ser a grande máxima de governos, de trabalhadores e de decisores. E, já agora, ponham-se lá mais mulheres em cargos de administração e veremos como os resultados sobem de forma muito evidente.

Fotografia ©Tiago Araújo
Fotografia ©Tiago Araújo

Após séculos de desigualdade, as mulheres têm conquistando cada vez mais espaço nas últimas décadas e passado a ocupar lugares, cargos e posições que antes eram exclusivamente masculinos. Entre eles está o empreendedorismo. Apesar das mudanças sociais em direção à igualdade de género, há quem ainda questione a capacidade das mulheres para gerir empresas. Como vê o atual panorama em Portugal em relação à igualdade de género no mundo dos negócios? Há melhorias visíveis ou ainda há um longo caminho a percorrer?

Pois, como acabei de lhe dizer, e no caso concreto de Portugal, tenho para mim que já tivemos melhores dias. É claro que enquanto forem maioritariamente homens a decidir sobre estes temas, a tendência será para a proteção do género. E aí, verdade seja dita, falando na generalidade, em meu entender os homens protegem-se mais uns aos outros do que as mulheres. Temos muito pedregulho para retirar do caminho, essa é que é essa. Seja em matéria de facilidade para concretizar negócios, seja em matéria de financiamentos, de recrutamento, de credibilidade negocial. O grande dilema nesta questão chama-se Atitude. E esta é uma realidade que tem de ser introduzida nos primeiros anos de vida, de escolaridade, de academia, de família, de círculos de amizade, de envolvimento comunitário. Em Portugal e no mundo. Acabei de regressar do Japão. Não é que o metro tem carruagens exclusivas para mulheres? Onde, by the way, os homens podem entrar sem ser a horas de ponta? Isto é razoável? Há que mudar… mas fazê-lo à escala local e global. Até lá a discussão tenderá a desenrolar-se em círculos viciosos.

É responsável pelo lançamento do Portugal Women Leadership Council, grupo de profissionais mulheres da IBM criado em Abril de 2004 com vista à criação de um ambiente de trabalho equitativo e de oportunidades de desenvolvimento profissional. De que forma, a criação de programas de apoio específicos para mulheres empreendedoras é fundamental para apoiar e incentivar o empreendedorismo e liderança feminina?

Terá de ser. Por muito que me e nos custe teremos de ir por aí. Na sua génese, leis de quotas não são razoáveis. Muito menos desejáveis. Mas acredita que não fora as leis das quotas e o estado atual de situação estaria ainda menos equilibrado? A legislação, a regulamentação, a criação de hubs de experimentação são medida necessária, por muito que me custe ter de admitir. E tentar baralhar conceitos e as mentes numa fase como esta será atirar poeira para os olhos. Há que forçar situações, há que envolver homens e mulheres de mente aberta, há que apoiar a criação de movimentos que esclareçam, evidenciem e pratiquem iniciativas capazes de provar que a riqueza dos processos, está na capacidade de os fazer erguer com recurso ao matiz de pensamento e ação de pessoas que se complementem na hora de fazer acontecer. E estes movimentos, como o que tive o privilégio de fazer nascer na IBM, são disso um bom paradigma.

No dia 8 de março assinala-se o Dia Internacional da Mulher. Considerando os desafios enfrentados pelas mulheres no mundo corporativo, de que forma podemos usar esta data para alertar e consciencializar o mundo empresarial para estes desafios e promover mudanças significativas?

Pois, agradável não será. Desejável muito menos. Mas são datas como esta, que assinalam movimentos celebrados pelo mundo há mais de um século, que poderão ajudar a relembrar a necessidade de colmatar uma injustiça que continua a grassar em diferentes culturas. Não será à toa que em quase uma centena de países, de todos os continentes, dimensões, condição social, política, económica, se multiplicam esforços para operar mudanças de atitude capazes de alterar práticas e políticas que façam equilibrar as disparidades existentes, tantas delas atentados aos direitos e deveres humanos. Faz lá sentido que uma mulher não possa votar, não possa trabalhar, não possa ter autonomia financeira, não possa auferir salários em linha com o seu nível de desempenho, ou não possa de todo ser recompensada pelo seu trabalho. Faz lá sentido que continue a acontecer mutilação genital feminina, violações, níveis absurdos de prostituição. Faz lá sentido desperdiçar ou menorizar o trabalho de uma percentagem tão elevada de seres humanos que tanto pode, e deve, contribuir para a evolução de um mundo que tende a ficar doente tantas e tão abstrusas são as atrocidades cometidas. Quem dera não haver necessidade de assinalar assimetrias que mais configuram a aberração. Assim, com sobriedade, sem euforias, com foco e determinação, sensibilizem-se as pessoas, sim, para a necessidade de olhar para este assunto com outro rigor, outra atenção, níveis de exigência capazes de fazerem operar a mudança de um paradigma inusitado.

Que mudanças específicas gostaria de ver acontecer no mundo dos negócios para criar um ambiente mais acolhedor e inclusivo para as mulheres empreendedoras?

Para pergunta direta, resposta direta. No mundo dos negócios, como em qualquer outro setor de atividade ou de práticas de vida, apenas urge olhar para as pessoas pelo que elas valem, intrinsecamente, e delas tirar partido alocando o melhor perfil e condição à disponibilidade. Provas cegas, processos de recrutamento que não permitam identificar o género até ao “momento m” da decisão podem operar maravilhas seja qual for o nível de decisão a tomar. Afinal está mais do que provado que nem na política, nem no desporto, nem na religião, nem no mundo dos negócios, nem em condição nenhuma de vida há necessidade de optar pelo género na hora de passar à prática. Acima de tudo, complemente-se, sim. Até porque, insisto, é na complementaridade de pensamento e de atuação que reside o sucesso. Ah… e deixemos-mos de hierarquias categorizadas por género… que isso é completamente desadequado… e injusto.

Ao longo do seu percurso profissional viveu alguma experiência pessoal em que se sentiu particularmente empoderada enquanto líder e que a influenciou a inspirar outras mulheres?

Sem dúvida. Empoderada e cheia de força interior e forte convicção de ser a peça correta para a situação em causa. E, aí, meu amigo, não há como deixar a oportunidade escapar. Quando a razão nos assiste e os argumentos são por demais evidentes, há que ter coragem e arrojo para fazer valer opiniões que provem a evidência dos factos. Não, não é pelo lado da contestação inconsequente, que as coisas se resolvem. É pela evidência dos factos, pela capacidade de visão, de persistência e persuasão que se conduzem os processos e se levam as causas a bom porto. E, decisões tomadas, há que trabalhar, muito, e esforçar-se, muitíssimo, para provar que a razão está do nosso lado. Mas digo-lhe, em meu entender isto tanto serve para as mulheres como para os homens. Que em tempo de guerra não se limpam armas.

Que mensagem gostaria de transmitir às mulheres que lutam para encontrar o seu lugar e deixar a sua marca no mundo do empreendedorismo?

Continuando na mesma linha de pensamento, e com toda a força de que sou capaz, não se acanhem. Não deixem de fazer prevalecer as vossas opiniões e as vossas certezas, não deixem que vos confundam no vosso pensamento e na vossa determinação, não percam o foco, não permitam ambiguidades que possam inquinar processos. É que esses, os processos, serão tão mais bem-sucedidos quanto maior for a transparência, a objetividade, a inteligência, subjacentes à decisão. Acima de tudo, nunca, por nunca ser, percam a razoabilidade nem a postura, muito menos o controle da situação. E, por favor, não confundam nem permitam que ninguém enviese o vosso ponto de vista e a genuinidade do vosso debate e da vossa defesa.

A comunicação e a cidadania sempre foram o seu fascínio, e foi aí que residiu a sua escolha na hora de, em fase de reforma, encetar um novo ciclo de vida. Considerando-se uma voluntária compulsiva, dedica atualmente os seus dias à gestão associativa, a atividades docentes, à consultoria em organizações do terceiro setor, às causas sociais, aos temas de género e ao empreendedorismo social. Podemos afirmar que Conceição Zagalo é, acima de tudo, uma mulher de “causas”?

Sou mesmo. Com toda da imodéstia de que sou capaz, é mesmo nesse figurino que eu acho que melhor assenta o meu perfil. Mas também, com um pai como tive e com uma avó materna que tantas lições de altruísmo e sentido do outro me ensinaram ao longo de tantos anos da minha vida, só com muito poucas características humanas eu poderia ter saído diferente, e sabe, é tão mais fácil viver-se com e para os outros do que nos fecharmos na nossa própria concha. Conquista-se propósito, reforça-se carácter, ganha-se sentido de utilidade de vida, aprende-se a relativizar, trabalha-se confiança e autoestima e, acima de tudo, aprende-se, e de que maneira, que há sorrisos que pagam, em felicidade, o que dinheiro nenhum no mundo conseguiria satisfazer.

Tem sido uma figura ativa na promoção da cidadania empresarial, sendo membro fundador de várias organizações e participando em várias iniciativas sociais. Como equilibra a busca pela excelência profissional com o seu envolvimento em causas sociais?

Já tive perguntas de resposta mais fácil. Vamos ver. Não esquecendo a família, que, como já referi, no meu caso quase configura uma estrutura de média empresa, nem sempre da maior facilidade de gestão, também no que à alocação de tempo diz respeito, atualmente os meus dias são grandemente dedicados ao trabalho pro bono. Foi uma opção que tomei conscientemente depois de reflexão muito madura, e que cada vez mais me satisfaz. Sempre fui boa profissional, sempre tive boas avaliações do meu desempenho, sempre fiz questão de apresentar bons resultados, como sempre gostei de me sentir comprometida com o sucesso das organizações a que me dediquei. Não, não foi tudo bom. Claro que tive falhas, mas também é verdade que sempre tentei aprender com os erros cometidos. E, sobretudo, a erguer a cabeça e seguir em frente no firme propósito de não os repetir. Pois bem, foi, é, e eu diria, que este será sempre o princípio que norteia a forma como me entrego às Causas. Ou é para fazer bem feito e com compromisso ou então liberta-se o espaço para quem possa e saiba fazer melhor do que nós. Sabe, em voluntariado não se pode facilitar. É que nada nem ninguém pode ser prejudicado pelos excessos descontrolados de boa vontade atropelados pela incapacidade de cumprir de forma zelosa.

Enquanto membro fundador do GRACE – Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial, qual considera ser o principal contributo do GRACE na promoção da responsabilidade social e da cidadania empresarial ao longo dos anos?

Ah! O GRACE. Caso muito sério de associativismo empresarial. Começou, vai para quase um quarto de século, por chamar a si a responsabilidade de integrar na estratégia das empresas princípios e práticas de cidadania corporativa. O GRACE está hoje na crista da onda no que a este assunto diz respeito. Se no começo a grande preocupação era cumprir com critérios de ordem social, agora é o framework ESG que preside toda a sua intervenção. Já não faz sentido, para empresas que se prezam de o ser e de cumprir com rigor toda a sua cadeia de valor, falhar com objetivos sociais, ambientais, de governance. De resto cabe às empresas, enquanto parte importante de ecossistemas muito diversos, cumprirem com a agenda 2030 das Nações Unidas e, assim, com todas as metas dos objetivos de desenvolvimento sustentável. E tudo fazerem para que seja possível atingir a neutralidade carbónica em 2050 enquanto parte importante do combate contra as mudanças climáticas.
Que senhor papel o GRACE tem feito na sensibilização de pessoas e organizações! Vale a pena olhar para a página da Associação. Começámos com 6 associados. Atualmente são já pelos 320. Não será isto a melhor demonstração prática do trabalho realizado desde 2000 até hoje?

Desde 2010, tem realizado diversas missões de cooperação no Vietname, em Moçambique e em diversas ilhas do arquipélago de Cabo Verde. O que de melhor traz consigo de cada uma dessas experiências?

Tão boa esta questão que me traz de volta tantas e tão boas memórias de experiências de vida para a vida. Poder planear uma missão, programar tantos dos passos que garantem a sua boa concretização, fazê-la acontecer no terreno e regressar a casa com o sentido de dever cumprido é algo de transcendente que nos muda verdadeiramente o sentido da vida. Tive o privilégio de fazer isto sete vezes. E não é o número sete o da perfeição? E da renovação? Então não há como parar. Cada missão é diferente da anterior. E cada uma delas é mais rica do que a que a precedeu. De cada uma delas se vem mais preenchido, mais convicto de que a próxima tem de estar no prelo, de que uma vez encetado o caminho não há como parar. São Tomé e Príncipe, Guiné, e tantos outros territórios mais desprotegidos têm tanto para receber. Sorte a minha de poder pensar que tenho toda uma vida pela frente para continuar a ter experiências que me enriqueçam e, sobretudo, que me deixem contribuir para a melhoria de qualidade de vida das comunidades em que possa intervir. Tenho para mim que uma missão é um ato de egoísmo. Porque, em abono da verdade, dá-se muito, mas recebe-se bem mais em troca.

Ao longo da sua vida já recebeu várias distinções pelo seu desempenho de carreira e pela sua intervenção em diversas causas sociais. A título de exemplo, em 2007 foi distinguida pela Amnistia Internacional “pela sua especial dedicação às causas sociais”, juntamente com outras 25 mulheres de todo o mundo, em 2011 recebeu o prémio Carreira APCE e em 2023, a distinção “Prémio Carreira 2023” pela Human Resources Portugal. Além do merecido reconhecimento, quais são as recompensas, em termos de enriquecimento pessoal, que obtém desta sua intervenção em causas sociais?

E, digo-o com alguma vaidade, recebi já este ano o Prémio “Mulher da Década” no âmbito do Women 3.0 Awards, promovidos pelo G100, um Grupo de 100 mulheres líderes em diversos setores de atividade no mundo inteiro. É uma honra. É uma explosão de gratidão. É um enorme compromisso. É uma determinação sem limites para não me desiludir a mim própria nem a todos os que me reconhecem mérito e valor. Cada prémio, quase duas mãos cheias ao longo da vida, deixa uma marca indelével no meu coração. Lembro-me da circunstância de todos eles e comovo-me invariavelmente ao pensar nisso. Acho que salário nenhum na vida, me daria mais ânimo para levar por diante tudo o que subjaz cada um destes reconhecimentos. Fazer o bem, bem feito, e ser por isso reconhecido é a maior motivação para continuar a trabalhar, a partilhar tanto do conhecimento que adquiri ao longo de sete décadas de vida, a dar na medida do tanto que recebo, a crescer a par e passo com o crescimento das organizações sociais que em mim confiam.

Fotografia ©Tiago Araújo

Já assumiu que quer continuar a fazer mais e melhor, porque “é a ação e o bem que produz nos outros que a motivam a nunca parar”. Dito isto, quais são seus próximos passos ou projetos em mente no campo social?

Sabe que não consigo responder-lhe com grande convicção? Acho sempre que não consigo encaixar nem mais um botão na caixa limitada dos meus dias. E depois, é bem verdade, Deus dá o frio conforme a roupa. Acabei de aceitar presidir os conselhos de administração e executivo da Fundação Liga. Essa grande Causa que confere capacitação, oportunidade de trabalho e dignidade a pessoas com deficiência. Se eu achava que conseguia mais tempo? Nem por onde passasse. E, no entanto, acho que há ocasiões na vida em que os dias ganham elasticidade para poderem abarcar responsabilidades que mais assumem o cariz de dever. Acho que, também aqui, vou aplicando a experiência que adquiri na vida profissional. O empoderamento opera maravilhas. E as demais Causas que em mim confiam vão-se autonomizando e sabendo que contam comigo mais na ótica da resposta do que da proatividade. E não é esse, de resto, o grande princípio da sustentabilidade? Ensinar as pessoas e as organizações a voarem sozinhas? Estar lá para apoiar, mais do que ingerir? Dito isto, acho bem mais ajuizado manter o espírito e o coração abertos para o que der e vier.

Que legado gostaria de deixar como empreendedora e mulher de negócios, tanto no contexto profissional quanto no social?

Ah… poder um dia fechar os olhos sabendo que deixei sementes capazes de darem frutos. Que fiz tudo o que estava ao meu alcance e superei-me todos os dias para melhorar a vida de alguém. Que aprendi, ensinei, colhi e partilhei. Que deixei lições de vida e de humanismo para as minhas filhas, os meus netos, de sangue e de coração. Que deixei testemunhos de boa pessoa, de boa mulher, de boa gestora, de boa mãe, de boa avó, de boa filha. Que parti em paz comigo própria e com aqueles com quem tive o privilégio de me cruzar nos caminhos da vida pessoal e profissional. Que não olhei para o lado perante o incómodo, que me esforcei para colmatar iniquidades. Que semeei sorrisos, abraços, conhecimento, amor. Que dei pelo menos tanto quanto de todos recebi. E, assim como que em jeito de resumo, que contribuí para que o mundo pudesse ser pelo menos um bocadinho melhor.

Agradecimento à Casa Fernando Pessoa

Deixe um Comentário

Your email address will not be published.

Start typing and press Enter to search