João Gomes Cravinho

Ministro dos Negócios Estrangeiros

Fotografia ©Tiago Araújo

Autor, diplomata, académico, político. São muitas as facetas de João Gomes Cravinho, o rosto por detrás do Ministério dos Negócios Estrangeiros do XVIII Governo Constitucional. Aos 59 anos, e após vários cargos políticos de destaque, assume a liderança do Ministério responsável por formular, coordenar e executar a política externa de Portugal, naquele que é “um momento profundamente atribulado e transformativo da política internacional”.

Fotografia ©Tiago Araújo

Nasceu em Lisboa, em 1964, é Doutorado em Ciência Política, pela Universidade de Oxford, e com mestrado e licenciatura pela London School of Economics. Foi docente e entre 2001 e 2002, presidiu ao Instituto da Cooperação Portuguesa. Entre março de 2005 e junho de 2011, foi Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, nos XVII e XVIII Governos Constitucionais. Foi embaixador da União Europeia no Brasil, desde agosto de 2015 a outubro de 2018, tendo desempenhado o mesmo cargo na Índia entre 2011 e 2015. Foi Ministro da Defesa Nacional e desde março de 2022 é Ministro dos Negócios Estrangeiros do XXIII Governo Constitucional. Deixando as posições e ofícios de lado, quem é João Gomes Cravinho?

Creio que devo sobretudo reconhecer que sou um privilegiado. Foi-me dada a oportunidade de estudar em algumas das melhores universidades do mundo, foram-me dadas oportunidades profissionais que muito me honram, e tenho tido a possibilidade de colaborar e trabalhar de perto com equipas notáveis de gente que muito admiro e com quem pude gerar relações de amizade.
Com esse privilégio vem responsabilidade, e desde logo a responsabilidade de utilizar todos os instrumentos à minha disposição para gerir a política externa portuguesa num momento profundamente atribulado e transformativo da política internacional.

Do seu vasto currículo destaca-se a passagem pela docência, tendo exercido atividade enquanto professor de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e professor convidado no ISCTE e na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. O que de melhor guarda ainda hoje desta passagem pelo ensino?

Creio que muitos professores dirão o mesmo: os alunos. É um prazer muito grande vê-los a crescer, intelectualmente, a amadurecer como pessoas, e quando alguns anos mais tarde os encontramos em circunstâncias profissionais que são realizadoras e motivadoras, temos a sensação muito recompensadora de termos de algum modo contribuído para essa realidade. É isso que faz com que tudo valha a pena. Mas quero também sublinhar a grande amizade e a admiração que nutro por colegas, particularmente os que foram meus companheiros no processo de criação e consolidação da licenciatura em RI em Coimbra.

É também autor do livro “Visões do Mundo” (2002) e publicou numerosos artigos em revistas académicas especializadas e em jornais sobre temas relacionados com Política de defesa, Cooperação e Relações internacionais. Autor, diplomata, académico ou político, em qual destes papéis melhor se revê?

Creio, espero, que se complementem. Foram diferentes momentos da minha vida, mas cada experiência contribui para uma versão mais madura e mais completa no momento seguinte. Neste momento, enquanto MNE, tenho a sensação de que todas as minhas experiências anteriores concorrem para me dar uma visão mais completa das minhas funções, e não há dia em que não me lembre da relevância de alguma experiência passada para os desafios do presente. Dito isso, creio que o momento atual, em que vivemos com a guerra que a Rússia quis mover contra a Ucrânia, a par de uma gravíssima crise no Médio Oriente, e, mais profundamente, sinais muito perturbadores de uma ordem internacional em degenerescência, creio que devemos todos reconhecer que temos de utilizar as nossas experiências do passado para reconhecer com humildade que nos confrontamos com circunstâncias radicalmente novas, e que tudo aquilo que soubemos e aprendemos no passado precisa de ser temperado com a disponibilidade de aceitar que em nosso redor são muitas as dinâmicas novas.

Desde 2022 integra o executivo de António Costa, tendo sido a escolha do primeiro-ministro para substituir Augusto Santos Silva no cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. O que o levou a aceitar este desafio?

Em primeiro lugar, posso dizer que me sinto inteiramente sintonizado com o projeto político liderado por António Costa desde finais de 2015. De algum modo, a política externa é por vezes considerada um mundo à parte, com um elevado grau de continuidade na interpretação do interesse nacional, mas ao mesmo tempo é evidente que o Ministro, quem quer que seja, tem de estar disponível para ser a face externa, junto dos seus homólogos, daquilo que são as opções políticas assumidas pelo país.
Segundo, o momento em causa era um momento muito difícil, atendendo à invasão da Ucrânia pela Rússia cerca de um mês antes da formação do novo governo, e como Ministro da Defesa eu tinha acompanhado em pormenor as nossas posições e as dos nossos aliados sobre a guerra, estando, portanto, bem preparado para assumir as novas funções.
Terceiro, mas mais importante do que qualquer consideração prévia, ao longo de muitos anos consolidei uma vocação para o serviço público, e para quem tem essa vocação não pode haver honra maior do que servir o seu país em funções de responsabilidade como estas.

Fotografia ©Tiago Araújo
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Entre março de 2005 e junho de 2011, foi Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, nos XVII e XVIII Governos Constitucionais. Podemos afirmar que esta passagem pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação lhe deu alguma da bagagem necessária para hoje assumir a grande pasta deste Ministério?

Sem dúvida. A minha formação inicial foi em Relações Internacionais e fui igualmente professor de RI, mas a experiência prática de ter sido SENEC durante seis anos deu-me uma grande proximidade àquilo que é o funcionamento quotidiano do Ministério de Negócios Estrangeiros. Conheço bem muitos diplomatas, conheço bem os procedimentos, conheço também as dificuldades com que a “Casa” se confronta. O facto de ter tido uma experiência externa, enquanto embaixador da UE no quadro do Serviço Europeu de Ação Externa deu-me a possibilidade de comparar com outras realidades, e isso também enriquece muito o leque de ideias com que procuro desempenhar as minhas funções.

É responsabilidade do Ministério dos Negócios Estrangeiros formular, coordenar e executar a política externa de Portugal. Decorrido pouco mais de um ano E MEIO desde a tomada de posse, que balanço faz deste mandato e quais os principais desafios que se esperam?

Apesar de o mandato ainda ser curto, tem sido extremamente exigente. Mas o balanço é bastante positivo e, mesmo não querendo ser muito exaustivo, gostaria de deixar alguns exemplos de resultados que temos vindo a alcançar em algumas áreas chave de intervenção da nossa política externa:
Desde que deflagrou a guerra da Rússia contra a Ucrânia, Portugal mantém-se ativo no quadro multilateral e bilateral, apoiando o esforço de resistência do país.
Lançámos a aplicação Consulado Virtual, com o objetivo de desmaterializar os atos consulares que não requeiram a presença física no posto.
Estamos a executar o projeto de digitalização do Ensino do Português no Estrangeiro, que aposta na aquisição de conteúdos, ferramentas, plataformas digitais e distribuição de equipamentos, para a capacitação de professores e alunos, quer em modelos presenciais, online ou híbridos.
Aumentámos bastante, e iremos continuar a aumentar, os apoios atribuídos às associações portuguesas na diáspora.
Realizámos várias ações de grande envergadura para a promoção externa da cultura portuguesa, como a Temporada Cruzada Portugal-França, a Bienal Internacional do Livro de São Paulo e a Feira do Livro de Lima, bem como a celebração do Dia Mundial da Língua Portuguesa ou agora a celebração dos 50 anos do 25 de abril. As exportações portuguesas atingiram, em 2022, 50 por cento do PIB, meta estabelecida apenas para 2026. Totalizaram 120 mil milhões de euros, um recorde, e um crescimento de cerca de 34 por cento em relação ao ano anterior.
Do ponto de vista da nossa ação diplomática, continuámos a privilegiar as relações com os países com os quais temos já longas relações de cooperação, mas também a desenvolver os nossos laços com outros países em regiões prioritárias para Portugal como o Norte de África, a África Ocidental e a América Latina. A ação externa nacional continua igualmente a privilegiar uma defesa inequívoca do multilateralismo, tão importante em momentos de turbulência como vivemos hoje. Portugal irá acolher, por exemplo, em 2024, o 10.º Fórum Global da Aliança para as Civilizações, iniciativa de que o ex-Presidente Jorge Sampaio foi o seu primeiro Alto Representante.
Estes são alguns exemplos do que já fizemos e estamos a fazer. Queremos naturalmente dar continuidades a esta linha de atuação e a cumprir o Programa de Governo.

Fotografia ©Tiago Araújo
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Como os principais desafios e os fatores de mudança da ordem mundial afetam a política externa portuguesa e de que forma esta se tem adaptado e evoluído na prossecução dos interesses que lhe subjazem?

A pandemia Covid-19 e a guerra que a Rússia lançou contra a Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, sem esquecer a situação mais recente que enfrentamos, com o agudizar da instabilidade no Médio Oriente, mostram que os países são cada vez mais interdependentes. Essa interdependência exige que conheçamos muito bem as nossas prioridades e aquilo que por que pugnamos, todos os dias, do ponto de vista externo. A pertença ao espaço europeu, a ligação transatlântica, a Lusofonia (e com isso a ligação aos continentes onde os PALOP e Timor-Leste se encontram), a valorização da nossa diáspora, a internacionalização das empresas e, claro, o multilateralismo são pilares inquestionáveis da nossa diplomacia.
Mas o momento é de mudança, de redefinição – o que exige um real investimento no exercício de uma diplomacia ativa, capaz de construir pontes e encontrar os parceiros mais fiáveis nas mais variadas áreas (mesmo naquelas em que pensamos já ter encontrado aquilo que precisávamos).
Num mundo tão fragmentado como aquele em que vivemos, encontrar parceiros credíveis e fiáveis para com eles trabalhar nos grandes desafios que enfrentamos é essencial para o futuro da ordem internacional.
Os casos da energia ou do acesso a financiamento são particularmente paradigmáticos. Depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, foram muitos aqueles que tiveram de diversificar as suas fontes, enquanto outros tantos se viram em fortes dificuldades económicas para honrar as suas dívidas e potenciar o desenvolvimento dos seus territórios. Portugal tem dado cartas desse ponto de vista no plano internacional – a nossa liderança é reconhecida na opção pelas renováveis e agora também no apoio a países como Cabo Verde, ao aceitar reconverter dívida em investimento útil para o país, neste caso, focado nas transições azul e verde.

Recentemente, referiu que “dentro da própria União Europeia” se vivem “igualmente tempos transformativos”, pelo que a mesma deverá “transformar-se numa potência geoestratégica” e para a qual se apresentam as “três prioridades inelutáveis”: “ter um caminho claro para o relacionamento com a vizinhança”, “o regresso da Europa ao estatuto de superpotência comercial” e não adiar “a Europa da Defesa”. Que medidas concretas existem ou poderão ser implementadas para alcançar estas três prioridades numa Europa em transformação?

Num período de elevada instabilidade em que grandes atores globais agem fora das instituições multilaterais, uma Europa geopolítica, capaz de agir e falar autonomamente e em conjunto, é a única maneira de não sermos arrastados por dinâmicas que não controlamos. Para isso é essencial dar uma perspetiva europeia aos países da nossa vizinhança, através de um processo de alargamento mais dinâmico, que será muito exigente nas reformas de ambos os lados, não só dos países candidatos como da própria União Europeia. A União Europeia já é uma superpotência do ponto de vista regulatório; para que volte a sê-lo do ponto de vista comercial é necessário que faça investimentos conjuntos que lhe permitam relançar a política industrial europeia nas áreas do futuro, da transição verde à inteligência artificial, não só legislando para essas novas áreas para estabelecer standards globais, mas também planeando e prevendo cadeias de abastecimento mais curtas e seguras. Sem esquecer os acordos comerciais de livre comércio que são fundamentais para que a UE possa tirar partido do seu peso enquanto mercado transnacional mais integrado do mundo. Finalmente, a Europa da defesa pode depender, no imediato, de projetos conjuntos em termos de fabrico e manutenção militar, enquanto aprofundamos e reforçamos o pilar europeu da NATO.

Cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros assegurar a representação do Estado português junto de outros países e de organizações internacionais, através da sua rede externa de embaixadas, missões permanentes e postos consulares. Atualmente, quantas embaixadas, consulados e representações e missões não permanentes fazem parte da rede diplomática de Portugal?

Portugal conta, atualmente, com uma Rede Externa que integra 134 missões diplomáticas e consulares.

A rede é extensa e, diariamente, serve um número bastante significativo de pessoas. Contudo, regularmente, notícias dão conta dos inúmeros constrangimentos da rede diplomática portuguesa. Falamos, por exemplo, da enorme dificuldade na obtenção de agendamentos na rede consular em tempo útil ou até da falta de recursos humanos qualificados. De que forma o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem procurado acompanhar com proximidade e atenção esta situação?

Gostaria desde logo de destacar que temos vindo a recuperar a dinâmica pré-pandemia, com o número de atos consulares realizados, até ao final do ano passado, a ter atingido o nível de 2019, pelo que que tudo aponta para que este ano os resultados sejam ainda melhores.
Estamos, no entanto, conscientes dos constrangimentos que temos, e que não são iguais em cada Posto, pelo que estamos a colocar mais recursos e mais eficiência na gestão da rede.
A contratação de mais funcionários, a criação de mecanismos de substituição de trabalhadores mais ágeis, o reforço de pessoal em Postos ou épocas críticas, melhorias e robustecimento das nossas plataformas, nomeadamente de agendamentos, sem esquecer o desenvolvimento do Consulado Virtual, são exemplos do trabalho que estamos a fazer de melhoria deste serviço de proximidade aos nossos concidadãos.

Recentemente, o Conselho das Comunidades Portuguesas alertou também para a questão da “organização de toda a rede consular, que precisa de ser reestruturada de forma profunda para refletir não só os novos fluxos migratórios, mas também a evolução demográfica das próprias Comunidades.” Concorda com esta afirmação? Por onde poderia passar esta reestruturação?

A gestão da rede consular e a alocação de recursos em cada um dos postos dessa rede tem, naturalmente, alguns critérios que são permanentes e que refletem, por exemplo, a dimensão e importância das comunidades portuguesas locais. Mas, concordamos todos, que a rede não é estática e não se reduz a um pendor administrativo, porque contempla também as, não menos importantes, componentes do apoio social, da promoção cultural e económica. Concordamos também que a rede deve ajustar-se aos fluxos migratórios, como aliás está plasmado na análise do Observatório de Emigração. E é esse trabalho que fazemos, o de dinamizar uma Rede que é, ela própria, dinâmica, tendo em conta os interesses do país, nomeadamente nos domínios de que falei – sociais, económicos e culturais.

A ação externa do MNE em matéria de cooperação para o desenvolvimento e promoção da língua e da cultura portuguesas é prosseguida pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I. P., sob a superintendência e tutela do Ministro dos Negócios Estrangeiros. Tendo a Língua Portuguesa tem um papel agregador e de coesão da nossa identidade e sendo um fator de unidade nacional, em particular nas nossas comunidades espalhadas pelo mundo, torna-se cada vez mais importante o investimento do seu ensino no estrangeiro, em particular aos lusodescendentes?

As áreas que refere são muito importantes e o Camões, I.P. é um ator fundamental para a política externa portuguesa.
A Cooperação Portuguesa, desde logo, está a amadurecer a olhos vistos. A nova Estratégia para a Cooperação Portuguesa até 2030 é um passo importante para consolidar o papel de Portugal enquanto parceiro natural e de confiança, reconhecendo as novas facetas deste ativo na nossa política externa.
Isso acontece no plano bilateral com os habituais países parceiros (como são os PALOP e Timor-Leste), mas também com novos parceiros como a Colômbia ou o Senegal. Mas também é verdade no âmbito da União Europeia, em nome da qual o Camões executa projetos sob a forma de cooperação delegada em vários países e setores. Do ponto de vista orçamental, conforme proposta aprovada para 2024, vamos conseguimos voltar a duplicar a verba alocada ao Camões para projetos, programas e ações, dispondo de 40 milhões de Euros. Anunciámos também, há poucas semanas, o reforço do investimento nacional nas Bolsas de Estudo destinadas aos PALOP e Timor-Leste para frequentar o Ensino Superior português.
Apostamos igualmente no posicionamento do Português como língua global, não se cingindo apenas a um veículo de comunicação, ou a uma expressão cultural. Tem também uma valência enquanto língua de negócios, língua de política e de diplomacia, e língua de impacto social, através dos projetos da Cooperação Portuguesa. O gradual aumento do número de alunos, professores e escolas (do ensino básico ao superior), em que a língua e cultura portuguesas são ensinadas, é prova do nosso esforço nesta dimensão da nossa atuação.
A Ação Cultural Externa é outra forma de projetar a língua e cultura portuguesas. Em 2022 foram realizadas mais de 2560 ações de promoção cultural no estrangeiro.

O Plano de Recuperação e Resiliência terá um papel extraordinário neste esforço de consolidação do ensino do português no estrangeiro. Mas será suficiente?

O PRR atua sobretudo na dimensão digital, através da medida “Digitalização do Ensino do Português no Estrangeiro”, como disse há pouco. Importa continuar a trabalhar para, não só aumentar o número de alunos, como também para negociar a presença do ensino da nossa língua nos vários sistemas de ensino no estrangeiro, nos respetivos currículos de estudos, concorrendo para o posicionamento do Português como língua global. É um trabalho que tem sido feito de forma gradual: em 2015 tínhamos o ensino da língua e cultura portuguesa no sistema curricular de 10 países e hoje já temos em 35 países.

Desenvolver as relações bilaterais com os países próximos e aliados, assim como a participação nacional nos temas mais prementes nas instâncias multilaterais, afirmando o papel indispensável de Portugal na ligação entre a Europa, o Atlântico Norte e o resto do Mundo, foi definida como uma das prioridades do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Dito isto, como vão hoje as relações bilaterais de Portugal?

Portugal exerce uma diplomacia a 360º – isto é, procuramos desenvolver as relações bilaterais de forma abrangente, capitalizando, sempre que possível, as ligações históricas, culturais, económicas e político-diplomáticas.
Dou como exemplo algumas iniciativas emblemáticas já ocorridas neste mandato: as Cimeiras luso-espanholas anuais, em Espanha e em Portugal; as Reuniões de Alto-Nível entre Primeiros-ministros de França e Portugal retomadas em 2023 (não tinham lugar desde 2015); a intensificação das relações com o Brasil, em particular com a retoma da Cimeira Luso-Brasileira em 2023 e múltiplas visitas de alto nível; retomámos Cimeiras ao nível de Chefe de Governo com parceiros estratégicos como Marrocos e Moçambique; avaliámos e expandimos a nossa cooperação económica e setorial ao realizar as Comissões Mistas ao nível ministerial com países como a Argélia, a Arábia Saudita e o Senegal; inaugurámos o formato de reuniões conjuntas de Ministros de Negócios Estrangeiros e da Defesa fora da Europa com um baluarte do multilateralismo – o Gana; para além de Visitas Oficiais e Visitas de Estado a múltiplos países que permitiram dar um novo impulso aos laços bilaterais – de Angola ao Canadá, passando pelo Vietname, pelo Chile e por Timor-Leste.

As recentes pretensões de cooperação com o Senegal nos setores das pescas, portos e outras atividades ligadas ao mar, e na formação nas áreas do turismo e da diplomacia, e de cooperação nas energias renováveis com o Sudeste Asiático são alguns dos mais recentes passos dados com vista ao reforço da cooperação e das relações bilaterais do país?

Sim, estamos sempre em busca de aprofundar e alargar o nosso âmbito de cooperação – seja ele geográfico ou setorial. Por um lado, o Sudeste Asiático, onde existem raízes históricas e culturais, Portugal é visto como um destino apelativo para a expansão de empresas daquela região para os mercados europeus e lusófonos. É também uma região com a qual Portugal tem relações incontornáveis. Por outro lado, a África Ocidental é um espaço em que a larga maioria dos países são costeiros tal como Portugal, onde a proximidade geográfica representa uma vantagem e com os quais existe uma herança histórica e cultural notória.
Se pensar, por exemplo, na transição energética, Portugal tem vindo a implementar, de forma continuada e sustentada, políticas ambiciosas neste âmbito, que se iniciaram há 25 anos, quando o Governo português começou a criar, de raiz, um mercado para fontes de energia renováveis.
Ao mesmo tempo, o Mar e o Oceano têm sido sempre parte do nosso desenvolvimento político, social, económico – e temos conquistado um reconhecimento internacional pela forma como protegemos as nossas áreas marinhas, como contribuímos para a segurança marítima ou ainda como damos cartas em setores como a biotecnologia ou a aquicultura.
Apostamos, por isso, no hidrogénio verde, na transição digital, na aquicultura e na pesca sustentável, ou ainda em soluções eólicas offshore e no turismo sustentável. A qualidade das relações com os nossos parceiros será tão elevada quanto a nossa capacidade de identificar áreas de interesse comum para estreitar a cooperação. Este será um esforço que se intensificará de forma clara daqui em diante.

Recentemente afirmou, na cimeira da União Africana, que Portugal quer assumir um papel de charneira para “ajudar a União Europeia a perceber o que está a mudar no continente africano”. Disse ainda que o país está muito empenhado “em sublinhar dentro do espaço europeu esse interesse direto da União Europeia e, ao mesmo tempo, também interessados em identificar os necessários ajustamentos”, incluindo em termos políticos na União Europeia, por forma a apoiar o continente africano. Portugal é cada vez mais uma importante “ponte entre a África e a Europa”?

Acredito que sim. Portugal tem-no sido historicamente e só poderá continuar a sê-lo cada vez mais. Somos vozes reconhecidas em temas de extrema importância para os parceiros africanos. Penso nos oceanos, em que colaboramos muito com a atual Presidência da União Africana, a União das Comores, e na Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos que organizámos com o Quénia. Penso na paz e segurança, em que Portugal tem um papel de liderança na República Centro-Africana, mantém uma participação muito significativa no Sahel e investiu de forma muito concreta na resposta ao terrorismo em Cabo Delgado. Lembro-me também do financiamento e da dívida pública, com o compromisso nacional assumido para a reconversão de 12 milhões de Euros de dívida de Cabo Verde ao nosso país em investimento útil e produtivo para a transição climática e azul.
A presença do Senhor Primeiro-Ministro como único Chefe de Governo europeu na última Cimeira da União Africana, a convite daquela organização, é um sinal inequívoco do valor que é reconhecido ao nosso país naquele continente. Num momento complexo, incerto como o atual, os parceiros africanos veem em Portugal um parceiro fiável, empenhado em responder aos seus problemas, construindo soluções que façam sentido para ambos.
O Acordo sobre Mobilidade entre os Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é um sinal disso mesmo também – da capacidade de querermos fazer mais em conjunto.

Fotografia ©Tiago Araújo
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O apoio à internacionalização da economia portuguesa o fomento do investimento orientado a mercados externos, a captação de investimento estrangeiro e a promoção da imagem de Portugal e das marcas portuguesas no exterior, são outras das prioridades do Ministério. De que forma, o Ministério dos Negócios Estrangeiros pretende alavancar a internacionalização da economia portuguesa?

A internacionalização da nossa economia tem um papel fundamental na geração de riqueza, na criação de empregos, no desenvolvimento de novas soluções tecnológicas e na qualificação dos nossos quadros. Através de uma abordagem estratégica e proativa, focamos os nossos esforços na captação de investimento estrangeiro, na projeção das nossas empresas portuguesas para mercados estrangeiros e no aumento das exportações, ao mesmo tempo que promovemos a notoriedade de Portugal e das suas empresas para lá do território nacional. A Carta de Missão que o novo Conselho de Administração da AICEP tem já nas suas mãos e sobre a qual já desenvolve trabalho, traça precisamente os objetivos centrais da Agência. Importa destacar também a criação de novas medidas como o novo sistema de incentivos dedicado a grandes projetos de investimento que, a partir de 2024, atribui 150 milhões de euros por ano, até 2027.

Atualmente, qual a importância que os Países Lusófonos podem ter no processo de internacionalização da nossa economia?

Além de Portugal ter uma ótima relação com todos os países lusófonos e procurar em permanência que as relações bilaterais se possam densificar no plano económico, gostaria de destacar que a CPLP tem hoje um novo pilar – o quarto – dedicado à cooperação económica, o qual já está também nos Estatutos da organização recentemente aprovados. Trata-se de um tema a que a Presidência angolana deu enorme relevo, organizando o I Fórum das Agências de Investimento e Comércio da CPLP e a I Reunião dos Ministros de Economia, Finanças e Comércio, que aprovou a Agenda Estratégica para a Consolidação da Cooperação Económica da CPLP 2022-2027 e o seu respetivo Plano de Ação. O caminho da cooperação económica deixa, assim, de ser apenas bilateral e é agora também feito através da CPLP.
Destacaria ainda, por fim, que o facto de os nossos parceiros lusófonos se situarem em vários continentes, permite gerar um conjunto mais alargado de oportunidades, uma vez que cada um deles pertence a distintos espaços regionais, no âmbito dos quais pode estimular uma maior interação com os seus parceiros lusófonos e a CPLP. Portugal fá-lo com a União Europeia, mas não é caso único.

Fotografia ©Tiago Araújo

As Comunidades Portuguesas espalhadas pelo mundo são um importante ativo para Portugal e para os seus territórios, além de verdadeiros promotores e embaixadores de Portugal no mundo. Como avalia a importância das Comunidades Portuguesas espalhadas pelo mundo no investimento nacional e na projeção de Portugal no mundo?

As nossas comunidades estão instaladas em todo o mundo e isso constitui um importante ativo de que Portugal dispõe. O seu movimento associativo é muito ativo. Não só na dimensão cultural e preservação de tradições, na medida em que existem cada vez mais redes de investigadores, autarquias, etc., bem como luso-eleitos, verificando-se um aumento gradual da sua capacidade de influência local.
Quanto à dimensão económica, o reconhecimento do papel da nossa diáspora está inscrito na nova Carta de Missão da AICEP, que já referi, e que inclui o um ponto importante: contribuir para a valorização do papel dos nossos empresários da diáspora e da língua portuguesa enquanto ativo económico e gerador de riqueza, como língua de negócios, de cultura, de ciência e conhecimento e de impacto social. Isto em parceria com a rede de apoio ao investidor da diáspora e o Camões. Nesta dimensão destaco ainda o Programa Nacional de Apoio ao Investidor da Diáspora e o nosso diálogo com o Conselho da Diáspora.

Falemos agora de um dos temas na ordem do dia: o conflito Israel – Hamas. Sabemos que tem mantido contacto frequente com chefes de diplomacia de países próximos do Médio Oriente, para discutir os mais recentes desenvolvimentos da situação em Israel e Gaza. Dado os últimos desenvolvimentos e as consequências humanitárias devastadoras deste conflito, afirmou ser urgente investir na ação político-diplomática. Considera que neste caso apenas uma solução diplomática pode ser duradoura?

O que tenho sentido de todos os meus colegas com quem tenho falado – do Médio Oriente à Europa – é uma total convergência quanto à ideia de que só a via diplomática é que pode construir a paz duradoura e sustentável que procuramos e precisamos.
A via militar, única e exclusivamente, nunca poderá ser resposta, porque, eliminando-se a ameaça terrorista que o Hamas constitui, as profundas e válidas injustiças sentidas pelo povo palestiniano, vertidas em inúmeras resoluções (ignoradas) do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral das Nações Unidas, não desaparecerão – bem pelo contrário.
As autoridades palestinianas abandonaram há 3 décadas a via armada com o objetivo de lograr uma solução negociada, pacífica e política – e nós temos de saber forjar esse caminho para a paz nesse espírito. A comunidade internacional tem a responsabilidade de fazer mais do que fez nos últimos anos e creio que a intensidade diplomática dos últimos dias revela bem essa consciência coletiva.

A comunidade internacional não tardou a condenar a ofensiva provocada pelo Hamas. Portugal mostrou-se solidário para com Israel, face aos ataques terroristas de 7 de outubro. Na sua opinião, qual o impacto que o conflito Israel-Hamas terá na segurança da Europa, mas também do mundo?

Qualquer foco de instabilidade, onde quer que seja no globo, constitui um fator acrescido de insegurança para todos nós. Isto é verdade na Ucrânia, no Sahel, no Cáucaso ou no Médio Oriente.
Toda e qualquer forma de terrorismo deve ser condenada – e foi isso que fizemos desde a primeira hora. As repercussões desta situação e o seu risco de alastramento regional são ainda particularmente difusos. O contágio a Estados mais frágeis como Líbano, Síria ou Iraque e o aproveitamento que outras organizações terroristas e Estados propensos ao extremismo (como o Irão) poderão fazer da atual situação são fatores determinantes no impacto global da instabilidade no Médio Oriente.
O momento é da diplomacia – para garantir a ajuda humanitária, para dialogar e evitar a escalada de violência, para evitar a morte de civis – e é com uma ação concertada que lograremos paz e estabilidade.

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