Concurso Literário
As minhas férias em Angola – III edição

O concurso literário “As Minhas Férias” começou em Portugal, passou pelo Brasil e este ano teve como destino Angola.
Estando na sua terceira edição, esta culminou com a entrega de prémios no passado dia 11 de janeiro, na Casa de Portugal – André de Gouveia e com uma oficina de leitura e escrita criativa, na Biblioteca Calouste Gulbenkian Paris.
Após a realização da oficina, que demorou certa de uma hora, houve um lanche bem “português” oferecido pela Casa de Portugal – André de Gouveia. O culminar desta atividade deu-se com a entrega dos prémios aos vencedores e aos jovens que receberam menções honrosas, na sala da Casa de Portugal – André de Gouveia e com a leitura de alguns dos textos premiados. Houve um prémio para cada categoria (infantil e juvenil) e três menções honrosas (também com prémio) para cada categoria. Nesta oficina sugerimos aos participantes que partissem do poema do 1° verso do canto I dos “Lusíadas” de Luís Vaz de Camões (depois da leitura ter sido feita pela Sarah Luz, que esteve connosco online) e que, a partir da 3ª estrofe lhe dessem um destino diferente. Sugerimos também às famílias para que, no final, lessem em conjunto o que escreveram. Realizaram textos muito variados e criativos e boas leituras. Os textos foram muito heterogéneos e, tal como referiu uma colega da Biblioteca Gulbenkian, seria interessante colocá-los num espaço específico e visível para todos e para que não fiquem apenas naquelas quatro paredes e naquele momento, mas, antes pelo contrário, que possam voar por aí e quem sabe motivar outros jovens a fazê-lo.
Este concurso tem-se revelado um sucesso, cada vez com mais participantes e um maior nível de qualidade nos textos recebidos. No entanto, devo frisar que, mais importante do que ganhar, é participar.
Contudo, uma constatação que temos vindo a fazer é que, a maior parte dos textos, são de jovens que moram em França. É certo que a implicação dos professores da CEPE – Coordenação do Ensino de Português em França tem tido um peso bastante importante e relevante, mas este concurso é para todos os jovens de origem lusófona que estejam a viver fora do país das suas origens. Apelamos, assim, para que outros jovens de outros países participem. A implicação não só dos professores, mas também das famílias, é essencial para a realização deste concurso. Não só o professor tem um papel importante, mas as famílias são a parte mais importante e essencial para que haja o gosto e o interesse em aprender a língua portuguesa, seja por que motivo for.
Para participar neste concurso consultem o regulamento, e concorram! O regulamento podem encontrá-lo neste link: https://asminhasferias.pt/.
Aproveito para dizer que também temos a categoria “universitário” para jovens dos 17 aos 21 anos que queiram participar.
O objetivo principal deste concurso é fomentar o gosto pela escrita e pela leitura da língua portuguesa. Mas tem também um lado didático de pesquisa histórica e civilizacional riquíssimo. Como diz o meu colega Nuno Gomes Garcia, escritor e coordenador deste concurso literário: “Isto é a prova de que este tipo de eventos de criação literária tem uma enorme importância para as crianças e jovens lusofalantes que vivem fora dos respetivos países de origem. E essa importância é múltipla: desenvolvimento do gosto pela leitura e escrita em língua portuguesa, alargamento da mundividência histórica, geográfica e cultural sobre os países de língua oficial portuguesa e, claro, o saciar da sede de curiosidade intelectual que os mais jovens, se bem estimulados, são capazes de demonstrar”.
Sobre os vencedores desta edição tivemos, na categoria infantil, a Paloma Ribeiro Sousa como primeiro prémio, com uma poesia sem título e como menções honrosas o Thomas Valseth com o texto “O desaparecimento do Welwitscha”, Ayrton Guibert com o texto “O menino do Petróleo”, e Charlotte Doherty com uma poesia sem título. Na categoria juvenil, o primeiro prémio foi para a Sofia Vincent com um texto sem título, e como menções honrosas, o Manuel Quero com “O Paraíso que cega, a realidade que clama”, a Maria Bardou com “Um incidente na floresta” e a Lara Janeco Varandas com “Lembranças de felicidade”.
Quero aproveitar para agradecer à AILD – Associação Internacional dos Lusodescendentes – por proporcionar esta oportunidade de alargar os horizontes de aprendizagem da língua portuguesa a estes jovens, à Leya pelo apoio e contributo com a oferta dos livros para os vencedores e para as menções honrosas, aos nossos parceiros que apoiam este projeto, a Casa de Portugal – André de Gouveia, e a Biblioteca Calouste Gulbenkian – Paris , ao júri que se dedicou ao trabalho de leitura e seleção dos textos, ao meu colega e mentor deste projeto Nuno Gomes Garcia e à nossa Embaixadora Sarah Luz e à sua mãe, Susana Santos. A Sarah Luz participou como Embaixadora deste concurso (foi o primeiro ano que participou com esse novo estatuto no concurso, mas já tem participado com outras atividades). A Sarah Luz tem um canal Youtube chamado “Poesia de cor” onde cita/lê em voz alta literatura lusófona.
Para terminar queria deixar uma frase/lema, que é “nosso (AILD)”: todos juntos vamos mais longe.
Quanto ao próximo destino, para quem quiser começar já a dar asas à imaginação e à pesquisa, será Moçambique. Leiam, investiguem, sejam criativos, mãos ao trabalho e asas à imaginação!
Paloma Sousa
1º prémio infantojuvenil
Em Angola, o sol brilha forte,
O céu é azul, que sorte!
Na cidade de Luanda eu brinquei,
muitas cores e risos encontrei.
O kuduro, o merengue e o semba,
ritmos que me diverti a dançar.
Na conhecida festa da Quianda,
fiquei até me cansar.
Vi a Palanca Negra
animal bonito e especial,
corri pela savana,
como ela não há igual.
Visitei as quedas de Kalandula,
cada lugar uma nova aventura.
Angola é linda, maravilhosa,
cheia de magia e ternura.
Agora as férias terminaram,
Mas as memórias sempre ficarão
Levo Angola dentro de mim
Um país tão belo, sem fim!
Não há quês, nem porquês
No meu coração,
sempre o português!
Sofia Vincent
1º prémio juvenil
Assim que a porta tranca, desmorono na cama, exausto. Sangue escorre, sujando meu paletó e não sinto nada dos meus braços até meu pescoço. Parece que alguém botou fogo à minha cabeça, nem dormir eu consigo.
Finalmente, após o que é mais semelhante a 5 horas que 3 minutos, reúno as forças e consigo me arrastar até o chuveiro. A água quente dói nas feridas que cobrem meu peito, ainda assim, esfrego rigorosamente, deixando cair um pequeno rio de sangue que passa através do ralo, apagando qualquer traço da minha missão ‘As minhas férias em Angola’.
Atrás da fumaça, vejo aparecer uma mensagem no vidro entre a condenção:
‘MISSAO FRACASSADA, BLUESTAGE JAMS, 11:30’
Chego cedo ao Bluestage Jams, pego uma mesa lá atrás, e acendo o meu charuto Bolivar. O clube está quase no escuro, salvo algumas velas e a luz das cigarras. O caminhão da Light já passou sem resolver o apagão. Eu sei que foram Eles que apagaram as luzes, para não serem vistos na escuridão da noite. Quando aplaudo os músicos que acabaram de tocar Blue Train, ele já está sentado do meu lado.
“Me surpreendo de te ver aqui, camarada.”
Fumo meu charuto e aproveito o tempo para falar, sem pressa nenhuma.
“Nao vir seria inútil, Eles me achariam em qualquer lugar do mundo. Não há como fugir.” Ficamos no silêncio durante alguns momentos, até que ele me olha e pergunta:
“Como foram as suas férias em Angola?”
Não falo nada, focado nos sons da banda que recomeçou. “Por que não mataste a mboa?”
Penso um pouco até responder:
“Não sei claramente porquê. Desde o começo da minha carreira, sempre tive o sangue frio, com o dedo no gatilho pronto para atirar. Mas quando a vi na parada militar, ela se virou para o lado e riu. Um riso tão simples, quase vulgar que contrastava com a beleza tão pura dela. Me lembrou Ela. Ela que conheci antes que era só uma arma da Organização, antes que brincava com a vida das pessoas como se fossem bonecas.”
Ele não hesita em me dizer, após acender um cigarro:
“Neste trabalho, temos que erradicar toda última gota de humanidade do nosso corpo. Se uma morre, salva milhões.”
“Pois bem,” eu respondo, “o alvo, a menina, me lembrou Ela, e Ela me lembrou minha humanidade. Por um minuto, era uma pessoa de novo. Perdi meu coração de pedra, Ele o transformou em coração.”
Passa um tempo, meu charuto vira pó, o cigarro dele vira nada. De baixo da mesa, ele aponta a pistola na minha perna, apontando para o meu peito.
“Me desculpe, camarada, sabias que eu teria que fazer isso.”
Olhamos para a banda que está fazendo um solo de saxofone. Eu falo para ele:
“Sabias que eu tocava saxofone? Era um pequeno génio, a tia Azira sempre falava que eu seria famoso pelo mundo inteiro. Mas bom,” olho pro meu anel da Organização, “é a vida né?”
Arranco o anel do dedo e o coloco no cinzeiro.
“O nome dessa minha tia tão querida significa ‘a que tem muitas vidas’. Ela seguia o Candomblé Banto e falava que os que não cumpriam o seu destino passavam pelo àtúnwa, se reencarnando. Talvez ela tenha razão, e irei voltar para essa Terra que não aproveitei, ser só um homem como qualquer outro, com um saxofone e um amor.”
A música está quase terminando.
“Te perdoo amigo. Sei que é só o trabalho, a missão. Adeus compadre, acho que foste um dos únicos a quem confiei minha vida, agora lhe confio minha morte. Só deixa esse jazz terminar, este lindo jazz que escuto desde a infância, este lindo jazz de Luanda.”
Com lágrimas molhando o terno, ele dispara a pistola.