Dos travões aos pneus

A poluição não termina com a abolição dos escapes!

Há quem pense que, com o advento das motorizações eléctricas, o problema da poluição provocada pelos veículos automóveis fica resolvida. Não fica!

Não fica porque, por um lado, as baterias para os carros eléctricos necessitam de grandes quantidades de metais, cuja exploração mineira provoca elevados níveis de contaminação das águas, dos solos e do ar. Por outro, além da poluição atmosférica provocada pela queima dos combustíveis fósseis, em parte responsáveis pelas alterações climáticas e pelo efeito estufa, há que ter em conta uma poluição menos visível, mas não menos preocupante – os microplásticos e outras pequenas partículas resultantes do atrito provocado pelos pneus no asfalto e pelo desgaste das pastilhas dos travões!
Importa ressalvar que, além da borracha natural, os pneus dos veículos automóveis são compostos por uma grande percentagem de plástico, conhecido como estireno butadieno, com origem nos combustíveis fósseis. Por cada 100 quilómetros percorridos, em média, são emitidos para o ambiente cerca de 20 gramas de microplásticos.
Uma grande parte desses microplásticos, assim como partículas provenientes do desgaste dos calções dos travões acabam, invariavelmente, nos oceanos, não só por acção da água, mas também do vento, correspondendo a cerca de 28% dos elementos poluidores encontrados nas águas.


Um estudo publicado, recentemente, na revista científica Nature, refere quantidades astronómicas de microplásticos resultantes do tráfego automóvel, na ordem das dezenas de milhares de toneladas (entre 40 a 100 mil). Uma das principais conclusões é a seguinte: o transporte de microplásticos através das correntes de ar apresenta um impacto semelhante aos microplásticos transportados pelos rios. Ambas as situações são responsáveis pela elevada poluição dos oceanos devido a estas partículas minúsculas. Este estudo vem contrariar a ideia de que os rios seriam a principal fonte de poluição dos mares.
Apesar de vários países e dos principais construtores automóveis estarem empenhados na transição da combustão para a electrificação, este tipo de poluição continuará, pois muito pouco estará a ser feito no sentido de a reduzir, até porque existe a percepção de que os pneus são feitos de borracha natural. Na verdade, actualmente, os pneus são compostos por 24% de borracha sintética e apenas 19% de borracha natural, além de metais e outros componentes. A sua construção provoca fortes impactes ambientais, desde a desflorestação até ao uso de combustíveis fósseis em grande escala.
Sobre a mesma temática, o Instituto Norueguês de Pesquisa Aérea refere que “um pneu de tamanho médio, durante a sua vida útil, perde cerca de 4 Kg em forma de microplásticos resultantes do desgaste provocado pela circulação.

Também a OCDE já encomendou um estudo sobre o tráfego rodoviário, o qual concluiu que, este é responsável por 25% da poluição por partículas suspensas (PM10 e PM2,5) nas áreas urbanas do mundo.
Por seu lado, em 2017, a União Internacional para a Conservação da Natureza alertou para a necessidade de uma alteração profunda dos comportamentos da sociedade, desde os fabricantes aos consumidores finais. Quando um terço da poluição dos oceanos é composta pelos microplásticos provenientes dos pneus e dos têxteis, representando uma maior percentagem que os plásticos de grandes dimensões, algo precisa ser feito. Este tipo de poluição é muito nefasta, quer para os ecossistemas, quer para a saúde das pessoas, pela facilidade com que entra na cadeia alimentar.
Segundo esta organização ambientalista, a cada ano, acrescem 9,5 milhões de toneladas de microplásticos nos oceanos. Soluções definitivas para resolver esta problemática parecem não existir, no entanto há formas de travar o ser crescimento, através de novos métodos de produção, com materiais mais amigos de ambiente e da alteração dos comportamentos dos consumidores, consumindo menos, de uma forma mais responsável e reciclando os materiais.
Há, no entanto, melhorias a destacar, mormente, no que à reciclagem dos pneus diz respeito. Dados da USTMA – a Associação de Fabricantes de Pneus dos Estados Unidos – referem uma evolução considerável nos últimos anos. Em 1990, apenas 11% dos pneus eram reutilizados.

Em 2017, essa percentagem subiu para 81%. Entre as várias utilizações, destaque para a utilização em parques infantis, materiais de construção e campos de jogos. Todavia, na percentagem desses 85% também se inclui a queima de pneus para produção de energia – o chamado: combustível derivado de pneus (TDF) – que provoca elevados níveis de poluição na atmosfera. Os restantes acabam em aterros.
Embora apresentando um caracter utópico, algumas medidas para minimizar este problema de poluição por microplásticos apresentadas por alguns peritos poderia passar pela substituição dos pisos das estradas, por outros com menor atrito e mais porosos e, ainda, por sistemas de recolha de microplásticos nos limites das vias de circulação.
Atualmente, cerca de 55% da poluição encontrada nas proximidades das vias de circulação não resulta dos gases emitidos pelos escapes e, cerca de 1/5 desse valor resulta do pó dos travões, que apresenta níveis semelhantes de perigo, quando inalado. Como medida de mitigação para este problema, vários académicos têm apresentado soluções de filtragem ou de recolha dessas pequenas partículas, com dispositivos acoplados junto das pastilhas dos travões, que prometem a recolha de até 60% dessas mesmas partículas. O material recolhido poderá ser usado na impressão 3d e como isolante acústico.
Concluindo, tudo leva a crer que, à semelhança do que aconteceu com a pressão mediática dos governos sobre a poluição provocada pelos escapes, tendo em vista a neutralidade carbónica, essa mesma pressão passasse a incidir, num futuro próximo, sobre os níveis de emissões de partículas provenientes dos travões e dos pneus, pois, a poluição provocada pelos automóveis não termina com os últimos sinais de fumo a sair pelos escapes…

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